“Louvado Seja”, Papa Francisco
Roberto Malvezzi (Gogó)
A encíclica ecológica do Papa começa na dose mais vasta e
profunda que poderia ter: “Nós somos terra. Todo nosso corpo é constituído de
elementos do planeta, seu ar é aquele que nos dá a respiração e sua água
vivifica e restaura” (Tradução pessoal do texto italiano, número 2).
Esse é ponto de partido exato de qualquer reflexão sobre a vida
sobre a Terra. Do ponto de vista biológico, somos qualquer animal, parte da
terra, dependentes dela e, sem água, sem comida, sem ar, sem um ambiente
próprio para a vida, morremos como todos os outros animais.
Lembrando São Francisco, o Papa diz que a Terra é “mãe e irmã”.
Portanto, toda a comunidade da vida só pode ser entendida nessa irmanação
universal.
O Papa não esquece, desde o início da encíclica, de lembrar que
a Terra está “oprimida e devastada” e, retomando Paulo em Romanos 8, reafirma
que ela “geme em dores de parto”.
Retoma Paulo VI no número 5 e recorda que os avanços técnicos,
científicos, se sozinhos, podem conduzir a Terra e a humanidade a uma
catástrofe, se não forem acompanhados de um autêntico desenvolvimento “social e
moral”. Portanto, retoma a questão ética colada à técnica.
E propõe como saída a mudança do estilo de vida, também no modo de
produção e consumo. E retoma Bento XVI para reafirmar que o problema é
“estrutural”.
Ainda como fundamento da reflexão, Francisco lembra que a
destruição do ambiente está vinculada à uma cultura de morte, que agride também
o ser humano. Essa realidade a Pastoral da Terra experimenta e reflete há anos:
“aqueles que destroem as florestas e rios, são os mesmos que mataram Chico
Mende e Irmã Dorothy”.
O Papa segue a partir daí com fatos já sobejamente conhecidos:
consumismo, deflorestação, lixo, mudanças climáticas e todas suas causas e
efeitos, etc., fazendo do planeta um “lugar de imundícies” (número 24).
Destaca a questão da água e da biodiversidade, inclusive da
invisível, fundamental para os solos, plantas e reprodução da vida (número 34).
Francisco ainda chama a atenção que “o grito da Terra é o grito
dos pobres” (49), realçando que a questão é socioambiental.
No número 41 o Papa toca o dedo na ferida, afirmando que a
responsabilidade fundamental por essa crise vem do Norte, dos países
desenvolvidos, que exploram os países do sul, inclusive transferindo para esses
a produção suja, que não querem ter em seus próprios territórios. Aquilo que
chamamos de “injustiças socioambientais”.
Na parte do “julgar” – não está com esse nome, mas o documento
segue a lógica do Ver, Julgar e Agir – a ênfase será no texto bíblico do
“cultivar e guardar” (Gen. 2,15), no Cristo Cósmico e na redenção da criação
(Rom. 8).
No agir, assume praticamente todas as boas lutas socioambientais
que fazemos – agroecológica, energia, transportes, preservação das florestas,
cidades dignas do ser humano, mecanismos globais para controle do efeito
estufa, mudanças climáticas, etc. -, portanto, nada de novo. Por fim, a
necessidade de mudar o “modelo global de desenvolvimento”(194). Essa é a grande
síntese.
Para nós, cristãos, aponta a necessidade de uma “Espiritualidade
Ecológica” (Capítulo Sexto, 202). Implica a mudança do “estilo de vida”, “uma
educação para o respeito ao ambiente”, que começa nas atitudes do cotidiano e
se amplia para a globalidade, enfim, a “conversão ecológica” (216), que é
alegre, contemplativa, cuidadora, sóbria, que gosta de arte, de música,
celebrações (inclusive eucaristia), enfim, sem o consumismo crasso da sociedade
contemporânea.
O texto conclui com uma bela oração sobre a criação.
O novo desse texto para nós, aqueles que fazemos esse caminho há
tantas décadas, é que agora nos vejamos plenamente contemplados num documento
oficial do Vaticano.
Que o documento produza os frutos semeados.
Sem dúvida, sinal dos tempos.
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