Economia
Crise Mundial
Bolhas e bolhas
por Luiz Gonzaga Belluzzo
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publicado
24/07/2015 03h52
Os problemas da China nem de longe se parecem com as agruras na Europa e as novas incertezas nos EUA
Estela Maris
Nos tempos de crise na Grécia
e ameaças de subida do juro básico nos Estados Unidos, os achaques dos
mercados ganharam o reforço dos temores com as trepidações na Bolsa de
Valores da China.
O grego Alex Tsipras
padece as dores da certeza. Certeza do fracasso do novo programa de
ajuste imposto pela tecnocracia europeia. O último relatório do Fundo Monetário Internacional
sobre as possibilidades de sucesso do ajuste deixa claro: a dívida
soberana da Grécia vai bater em 200% do PIB em 2020. Sem reestruturação
não há solução.
Janet Yellen, presidente do Federal
Reserve, o banco central dos EUA, faz que vai, mas não vai. É
“enrolation” da senhora Yellen quando diz observar o mercado de
trabalho. Ela sabe que esse mercado vai demorar para aquecer de verdade,
engasgado nos empregos precários e de baixa remuneração. Até um
economista de mercado brasileiro sabe que o risco da subida dos juros
está na desvalorização do monumental estoque de ativos (ações e bônus
públicos e privados avaliados e emitidos com preços avantajados e, por
isso, com rendimentos nanicos). É mais arriscado sair do que entrar no
Quantitative Easing.
O mais recente relatório do Banco de
Compensações Internacionais reconhece as peculiaridades da finança
nascida das intervenções recentes dos Bancos Centrais da Europa e dos
Estados Unidos. “Em vez de financiar a aquisição de bens e serviços, o
que eleva os gastos e o produto, a expansão do crédito está simplesmente
financiando a aquisição de ativos já existentes, sejam eles ‘reais’ (imóveis ou empresas), sejam financeiros.”
Na China, a valorização das
ações é digna dos melhores momentos de uma especulação altista
turbinada a crédito. Na reversão, como sempre, os preços recuaram em
vertiginosa derrocada com as “chamadas de margem”. Em português simples,
a chamada de margem ocorre quando uma forte oscilação baixista obriga o
portador-devedor das ações em queda a colocar mais dinheiro de seu
bolso para honrar a garantia oferecida ao financiador.
Os movimentos de preços observados não
deixam dúvidas quanto à natureza do fenômeno: na China ou na Cochinchina
um observador atento reconheceria uma bolha. As marcas registradas
desses episódios são as explosões de crédito e de preços dos ativos e a
agressiva desconsideração dos solavancos dos mercados financeiros.
Enquanto a bolha cresce, a cupidez aumenta na mesma proporção em que a
imprudência se torna impudente. O sistema financeiro paralelo, os
bancos-sombra, nasceu e cresceu no boom imobiliário dos últimos
anos. Na escalada das Bolsas, transferiram seus serviços de apoio
financeiro para os 80 milhões de pequenos investidores sôfregos para
enriquecer rapidamente com a capitalização. Sim, a bolha chinesa
estourou: em 8 de julho o mercado de ações despencou 31% em relação ao
pico de preços atingido em 12 de junho, depois de uma escalada de 150%
em um ano.
Diante das aparências e semelhanças, os
meios de comunicação ocidentais se mobilizaram para formar um coro de
pitonisas empenhado em profetizar “um outro Lehman Brothers”. Nos
baixios do “Extremo Ocidente”, a competente jornalista da Folha de S.Paulo,
Patrícia Campos Mello, bateu na porta certa. Sapecou uma entrevista com
o economista Stephen Roach, ex-presidente do Morgan Stanley Asia, hoje
professor da Yale School of Management. Roach é autor de dois livros
dignos de leitura sobre a Ásia, a China e os Estados Unidos: The Next Asia: Opportunities and Challenges for a New Globalization e Unbalanced: The Codependency of America and China.
Em artigo publicado no Slate, site de
economia e negócios, Roach recorre à opinião do historiador de Yale,
Jonathan Spence. Certa vez, Spence afirmou que desde os tempos de Marco
Polo os ocidentais teimam em olhar para a China através das lentes que
usam para avaliar a si mesmos. Esse viés enraizado, diz Roach, distorceu
as análises dos economistas e conexos a respeito da bolha chinesa.
Leitor contumaz do jornalismo impresso,
não fiquei surpreso com o descompasso entre as chamadas da matéria (“Há
uma bolha na China”, “Ela vai estourar” e o “Efeito será Longo”) e as
opiniões do entrevistado. É a festança dos editores em libações à
liberdade de opinião. Roach diz: há uma bolha, ela estourou, mas os
efeitos sobre a economia serão pífios, pois a perda de riqueza afeta um
número limitado de investidores individuais, ao mesmo tempo que as
grandes empresas não se financiam nas Bolsas, mas sim nos mercados de
crédito governados pelos bancos públicos.
Parênteses: o fato não deixa de gerar
efeitos sobre outros países, Brasil incluído. Diante da queda da demanda
chinesa, a CSN, de Benjamin Steinbruch, busca maneiras de se
capitalizar e reduzir o endividamento.
Ah, sim, pergunta
a entrevistadora, na posteridade da bolha: “Como fica o projeto de
reforma para aproximar a China das práticas financeiras dos mercados
liberalizados do Ocidente?” Responde Roach: “As reformas vão atrasar,
mas não creio que os chineses abandonem a caminhada para uma regulação
mais pró-mercado do seu sistema financeiro”.
O entrevistado deveria, porém, ter dito,
como observa em seu livro, que o governo chinês, leia-se o Partido
Comunista, desde as reformas pró-mercado iniciadas no fim dos anos 1970,
dedica-se a “atravessar o rio pulando as pedras”. As reformas são
introduzidas experimentalmente, por tentativa e erro. É provável que a
bolha no mercado de ações sugira às autoridades econômicas reavaliações e
revisões na forma e velocidade da liberalização do sistema financeiro.
A repórter insiste: “O governo chinês
interveio pesadamente nas Bolsas, suspendendo a negociação de algumas
ações e determinando outros limites para conter a queda. Foi uma medida
acertada?”
Roach observa: “Os chineses não são os
únicos a fazer isso. Greenspan interveio pesadamente em 1987 quando a
Bolsa americana entrou em colapso. Mesmo hoje temos o ‘afrouxamento
quantitativo’. O governo compra títulos para injetar liquidez nos
mercados e reduzir os juros”.
Mais uma vez as lentes ocidentais
impedem a compreensão da diferença. Mais nos Estados Unidos do que na
Europa, a resposta dos bancos centrais e dos Tesouros à crise de 2008
comprovam a falácia da autorregulação dos mercados financeiros, uma
crença vadia que só pode frequentar cérebros esvaziados por uma lavagem
cuidadosa e recorrente.
O governo chinês tem
sido cauteloso diante das conclamações dos “mercadistas” internos que
propõem a descompressão mais rápida do crédito, com liberação das taxas
de juro. A cautela se estende para as recomendações de estímulo aos
mercados de dívida “securitizada”. Temem a alta “elasticidade” dos
mercados financeiros sempre sujeitos a súbitas crises de liquidez.
No pós-crise, na onda do Quantitative
Easing, “mercados” dedicam-se, mais uma vez, ao esporte radical de
formação de novas bolhas. As Bolsas dos EUA e os rendimentos nanicos dos
bônus do Tesouro fumegam os vapores que sopram às alturas os preços dos
ativos. Nas horas vagas, e nas outras também, os JP Morgans da vida se
entregam à bulha da recompra das próprias ações e mandam bala na
distribuição de dividendos com a grana do Federal Reserve.
Não são desprezíveis os riscos embutidos no comportamento
dos mercados financeiros pós-crise, empurrados para outra bolha nas
Bolsas e nos preços elevados (e rendimentos baixos) dos bônus privados e
públicos. Diga-se que, no “planeta Ocidente”, são as empresas e bancos
que “financiam” os mercados de ações ao tomar crédito barato para
comprar de volta os papéis (buy back) negociados e abrigá-los em
tesouraria, com o propósito de turbinar os preços e agradar aos
acionistas, proporcionando ganhos para os administradores remunerados
com stock options.
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