quarta-feira, 29 de julho de 2015

Análise

Mercosul: dificuldades e poucos avanços

por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 29/07/2015 04h24
O contexto de crise de alguns países impede o prosseguimento da integração regional

Lula Marques / Agência PT
Cristina Kirchner, Horacio Cartes e Dilma
Cristina Kirchner (Argentina), Horacio Cartes (Paraguai) e Dilma durante reunião do Mercosul, em Brasília
Seria prudente aguardar algum tempo para analisar o resultado da 48ª Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum, realizada em Brasília dia 17 de julho. Mais que isso, chegando aos 25 anos de Mercosul, torna-se importante uma avaliação abrangente e de longo prazo.
Os Estados e as sociedades, para poder equacionar o futuro do bloco, deveriam ter condições de fazer um balanço.
As questões de integração ou cooperação na América do Sul costumam ser apresentadas sob ângulos opostos: a) por um lado, uma visão formalmente otimista, "estamos avançando, as dificuldades são naturais", se a integração comercialista e produtiva não avança, há outros campos a desenvolver, nos terrenos político, social, cultural, etc.; b) por outro, uma visão aprioristicamente pessimista, em que Mercosul e outros acordos são apresentados como barreiras que impedem ao Brasil inserir-se na economia global e participar de acordos mais importantes e promissores.
A declaração conjunta aprovada reafirma "o compromisso com o aprofundamento dos mecanismos de integração e concertação regional...". É importante a reafirmação, mas a escassez de diretrizes para a resolução dos problemas reais contribui para o fato de que a integração não esteja no centro da preocupação dos povos participantes. A integração para sustentar-se deve avançar. Enfrentar as dificuldades, criar condições para superá-las.
Sobre os temas maiores: decisões a respeito do sentido de negociações com outros países, blocos ou regiões, particularmente com a União Europeia, questão dos mecanismos compensatórios como o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), avanços na integração produtiva, parece que pouco se discutiu. Ao menos é assim que surge do noticiário, dos comunicados oficiais, mesmo das informações informais.
Há diferenças entres os governos. Assinale-se que se parte das diferenças resultam de visões de política econômica internacional diferentes, algumas resultam das dificuldades econômicas objetivas das partes. No comunicado conjunto dos Estados Parte e Estados Associados, nos seus 74 itens, surgem poucas informações com detalhamento.
A ideia da continuidade da integração econômica aparece no preâmbulo, "para o desenvolvimento de nossos povos, por meio da integração produtiva, do desenvolvimento da infraestrutura e de políticas inclusivas". A maioria dos itens são diretrizes de caráter social e alguns referentes a temas internacionais, como Cuba, China, Estados Unidos. Refletem razoável convergência em alguns temas, importantes para o aprofundamento da integração e cooperação. Papel da pequena agricultura, das pequenas empresas, da segurança alimentar.
A indefinição quanto aos destinos da integração, ou melhor, quanto à possibilidade de seu aprofundamento e fortalecimento, não é casual. Há muitos problemas na América do Sul, e uma cúpula de chefes de Estado não os pode desconhecer, ao menos indiretamente estão presentes.
Esta reunião reflete dificuldades nas relações entre os países, mas, sobretudo, dentro dos países. Se Brasil e Venezuela estão no momento com dificuldades maiores, sejam políticas, sejam econômicas, indefinições encontramos em toda parte. O caso brasileiro é particularmente sensível no que tange à integração regional porque nos últimos anos o País vinha aumentando seu grau de reconhecimento em toda a região. Fato que gerou expectativas a que o Brasil não poderia corresponder. Apesar de ser objetivamente o mais importante da região sul-americana, mais extensão, maior população, maior PIB, maior estrutura produtiva, dificilmente teria condições para tornar-se um efetivo paymaster, um provedor ou um garante de última instância.
Tema que concentrou parte das expectativas positivas em relação à reunião, concretizou-se com a assinatura do Protocolo de Adesão da Bolívia ao Bloco Regional, com a adesão dos 5 membros atuais. Dessa forma esse país passa a ser parte do Mercosul, mas trata-se de processo em curso.
Um protocolo havia sido assinado em dezembro de 2013, mas na ocasião o Paraguai não participou, por estar com status de suspenso. Agora será necessária a ratificação nos Congressos paraguaio e brasileiro, o que não se prevê que seja um processo rápido. Completada a ratificação dos 5 membros, serão iniciadas as negociações técnicas de adequação, o que também significará um tempo extenso, de vários anos.
Questões bilaterais, sem serem objeto da pauta, criaram ruídos, como a relação entre a Venezuela e a Guiana, país associado ao Mercosul, o que não impediu que o clima geral permanecesse tranquilo e colaborativo.
É importante ter em conta temas que a Reunião de Chefes de Estado evidencia, ainda que não passem pelas agendas oficiais nem constem dos comunicados.
A partir de 2010, com altos e baixos, com diferenças, há mudanças importantes na região que atingem em cheio a integração. Particularmente o Mercosul, por ter regras mais definidas, por interessar mais profundamente os objetivos de cada Estado, encontra problemas para avançar. O que parecia fora de pauta, afastado do cenário regional, volta com força. Trata-se de crises que correm o risco de tornarem-se crises institucionais.
O momento atual é o da busca de acordos e equilíbrios que evitem as desestabilizações que alguns apregoam abertamente. Mesmo que, como é desejável, as crises institucionais não se concretizem, o simples pairar de sua ameaça lança dúvidas sobre as capacidades de cada país para dar continuidade a compromissos. Nesse sentido, a Reunião de Chefes de Estado é em si mesma importante. Colabora para sinalizar, como consta do comunicado, o interesse coletivo na estabilidade e no respeito das normas democráticas:
"Reiteram a importância fundamental da promoção e da proteção dos valores da democracia e dos direitos humanos como eixo essencial da integração regional". Objetivamente contrapondo-se, mesmo sem explicitá-lo, às diferentes formas de desestabilização, sinalizando que a preservação das regras constitucionais é elemento constitutivo da integração e do Mercosul, como vem sendo reafirmado desde 1996, quando foi assinado o Protocolo de Ushuaia, que estabelece a "cláusula democrática".
Os atores que criticam ativamente a integração situam-se em parte dos estratos dominantes na sociedade. Têm significativa capacidade de fazer-se ouvir. Como escreveu Félix Peña em artigo de maio de 2015, essa crítica tem crescente eco em âmbitos governamentais.
O ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, vem usando o termo sinceramiento, como a indicar que seria necessário pactuar novamente a integração, de forma a possibilitar duas velocidades e mesmo permitir a flexibilização dos mecanismos de negociação comercial do bloco.
Essas posições têm analogia com a orientação existente em alguns ministérios brasileiros e, segundo Peña, "incluso con el gobierno argentino". Ao menos pelo que sabemos, esses temas, especialmente o da “dupla velocidade" nas negociações internacionais, na reunião de Brasília não apenas não foram tratados pelos presidentes, mas tampouco estiveram claramente presentes nas reuniões prévias, de ministros e de outros altos funcionários.
Essas questões, porém, aparecerão novamente no momento de discutir-se a continuidade da negociação com a União Europeia e outras relações extrarregionais. Nesse caso, as bases do Tratado de Assunção estarão em causa.
Os 74 itens do comunicado conjunto distribuem-se em três partes, uma refere-se ao Âmbito do Mercosul, outra ao Âmbito Regional, da América Latina e do Caribe e a última ao Âmbito Multilateral. A maioria dos itens tratam de temas gerais, ou de recomendações sem estabelecer vínculos precisos. Alguns pontos reportam formulações e diretrizes importantes, como a defesa da democracia, o estímulo às políticas sociais e de combate à pobreza, procedimentos conjuntos nos âmbitos de saúde pública, meio ambiente, posicionamentos internacionais coordenados, etc.
Concluímos com uma questão da maior importância para o Brasil, nestes tempos não valorizada. A área com quem o Brasil tem um comércio de melhor qualidade continua sendo o Mercosul, a América do Sul, a área ALADI. Significa que a parte de produtos de valor agregado comercializados dirige-se à América Latina e do Sul, tendo o Mercosul um papel estruturador.
Para termos em conta na avaliação do papel da integração para o Brasil, no ano de 2014, produtos manufaturados correspondiam a aproximadamente 77% do total das exportações brasileiras para o Mercosul. Enquanto para os outros principais parceiros os produtos manufaturados representam: China, 4%; União Europeia, 37%; Estados Unidos 55%.
Em conclusão, a 48ª Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum não se realizou num contexto favorável para novos avanços. Isto não torna irrelevante o papel que a integração regional tem para os Estados participantes, inclusive para o Brasil. Cabe avançar no seu conhecimento, de forma que a sociedade e o Estado possam dotar-se de instrumentos para definir sua política no tocante ao tema.
*Tullo Vigevani é professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Faz parte do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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