Sem Terra no Pará vivem sob a ameaça da bala e dos venenos
19 de abril de 2013
Por Fabíola Ortiz
Da Terramérica/IPS
Sob o sol abrasador e a umidade do clima amazônico, Waldemar dos Santos, de 60 anos, cuida da horta comunitária de camponeses sem terra no Estado do Pará, à espera de que a reforma agrária lhe proporcione uma vida melhor. “Meu sonho é um terreninho. Nosso desejo é acabar com a fome neste país, que está caindo montanha abaixo pela necessidade”, disse ao Terramérica o camponês natural da Bahia, que ainda criança, para fugir da seca, emigrou para o Pará.
Sua família é uma das 280 que desde 8 de agosto de 2010 vivem no acampamento que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) batizou de Frei Henri des Roziers, em homenagem ao padre dominicano de 82 anos que, como advogado da Comissão Pastoral da Terra, continua defendendo os direitos humanos na região.
Às margens da rodovia federal BR-155, a cerca de cem quilômetros da cidade de Marabá, estes camponeses ocupam a propriedade Fazendinha, uma área com mais de 400 hectares sobre a qual pesam denúncias de ter sido ganha com o desmonte da Amazônia e a invasão de terras públicas, além de ser improdutiva. Este é o argumento de quase todas as ocupações de movimentos sociais que reivindicam a reforma agrária no Brasil.
Só no sudeste do Pará, onde a luta pela terra é mais violenta, há mais de 500 assentamentos de pequenos agricultores que foram legalizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Mas restam mais de cem acampamentos de famílias que vivem em barracas e ranchos de palha à espera de que o governo federal concretize a legalização. Conseguir do governo o confisco de uma fazenda e sua destinação à reforma agrária demora, em média, cinco anos.
Para chegar ao acampamento Frei Henri é preciso percorrer um longo trecho da poeirenta BR-155, cheia de ondulações e caminhões carregados de minerais que viajam dia e noite. A região era rica em castanheiros, dizimados para dar lugar a pastagens. Em plena Amazônia profunda, a beleza das árvores de copas altas deixou de existir há muito tempo, e a paisagem é plana e lisa, sem rastros da selva exuberante.
A ocupação da Fazendinha acontece em meio a um duro confronto com os latifundiários locais, que estão organizados e contratam segurança privada armada para intimidar os camponeses e arruinar seus cultivos. “Plantamos para ter um alimento saudável. Os fazendeiros não produzem nada e dizem que suas terras são produtivas. As ameaças são constantes. A justiça no Pará é muito lenta. É um espera e desespera”, descreveu Santos.
“Aqui a terra é poder”, definiu Maria Raimunda César, de 39 anos e integrante da coordenação do MST no Pará. “O conflito é permanente. No Pará se mata gente como se mata boi. Um corte bovino para exportação vale mais do que um ser humano. Há muita injustiça e um processo de opressão e violência crescentes”, afirmou. E acrescentou que a reforma agrária está ausente das políticas nacionais. Tanto o atual governo de Dilma Rousseff como o de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) “retiraram o tema da agenda”.
Aqui ocorre um ciclo perverso no uso da terra, segundo Raimunda. Primeiro se abre caminho para a mineração e o corte de árvores para carvão, depois chega a invasão privada de terrenos fiscais, a devastação da selva e a plantação de capim, uma gramínea que serve de pasto para o gado. Em média, há uma cabeça de gado por hectare, garantiu.
Pela mesma BR-155, mas próximo de Marabá, fica o acampamento Helenira Resende, que desde 1º de março de 2010 abriga 150 famílias sem terra. Além das provocações por parte de homens armados, a ameaça aqui também chega pelo ar. Os camponeses denunciam o uso de venenos agrícolas jogados sobre suas casas e plantações.
egundo o argentino Raúl Montenegro, que integrou uma missão internacional de solidariedade aos camponeses do Pará, “o uso de bala e veneno combinados é como uma luta química contra essas populações”.
“Os latifundiários dizem que jogam esses produtos em suas terras, mas é uma maneira de se livrar da responsabilidade”, acrescentou Montenegro, ganhador em 2004 do prêmio Nobel alternativo concedido pela Fundação Right Livelihood Award, com sede em Estocolmo.
“Pudemos comprovar que grupos armados chegaram a sitiar uma comunidade inteira sob uma chuva noturna de disparos e bombas que provocavam barulho ensurdecedor no acampamento Frei Henri des Rozier. Também vimos que empresas como a Santa Bárbara aplicam pesticidas por via aérea”, disse ao Terramérica o presidente da Fundação para a Defesa do Meio Ambiente, com sede na cidade argentina de Córdoba. “Esse veneno chega com total impunidade a crianças, adolescentes e adultos, sem que o Estado controle, sem a existência de estudos epidemiológicos ou ambientais”, criticou Montenegro.
“Nosso lema é ocupar e resistir, mas eles são um grupo poderosíssimo. Os homens da fazenda estão fortemente armados e atiram”, contou Aldemir Monteiro de Souza, de 28 anos, que vive no acampamento Helenira Resende, uma área de 50 hectares dentro da fazenda Cedro, com extensão de quase 15 mil hectares. Os poderosos a que se refere são os proprietários da Agropecuária Santa Bárbara, que tem como um de seus principais acionistas o banqueiro Daniel Dantas, detido em 2008 por crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Segundo o MST e a Comissão Pastoral, apenas nos últimos dez anos, esse grupo comprou 800 mil hectares de terras em seis municípios do Pará. “O grupo se apropria de terras públicas, utiliza trabalho escravo e comete crimes ambientais”, denunciou Charles Trocate, da coordenação do MST neste Estado.
A esperança é que técnicos do Incra inspecionem a fazenda Cedro para determinar se é produtiva e legal. Caso constatem irregularidades, terá início um processo de expropriação e depois serão entregues parcelas aos camponeses. Para 22 de maio está prevista uma audiência com a fiscalização agrária do Incra no Fórum de Justiça de Marabá. Este será o primeiro passo, após anos de ocupação e acampamento.
Por Fabíola Ortiz
Da Terramérica/IPS
Sob o sol abrasador e a umidade do clima amazônico, Waldemar dos Santos, de 60 anos, cuida da horta comunitária de camponeses sem terra no Estado do Pará, à espera de que a reforma agrária lhe proporcione uma vida melhor. “Meu sonho é um terreninho. Nosso desejo é acabar com a fome neste país, que está caindo montanha abaixo pela necessidade”, disse ao Terramérica o camponês natural da Bahia, que ainda criança, para fugir da seca, emigrou para o Pará.
Sua família é uma das 280 que desde 8 de agosto de 2010 vivem no acampamento que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) batizou de Frei Henri des Roziers, em homenagem ao padre dominicano de 82 anos que, como advogado da Comissão Pastoral da Terra, continua defendendo os direitos humanos na região.
Às margens da rodovia federal BR-155, a cerca de cem quilômetros da cidade de Marabá, estes camponeses ocupam a propriedade Fazendinha, uma área com mais de 400 hectares sobre a qual pesam denúncias de ter sido ganha com o desmonte da Amazônia e a invasão de terras públicas, além de ser improdutiva. Este é o argumento de quase todas as ocupações de movimentos sociais que reivindicam a reforma agrária no Brasil.
Só no sudeste do Pará, onde a luta pela terra é mais violenta, há mais de 500 assentamentos de pequenos agricultores que foram legalizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Mas restam mais de cem acampamentos de famílias que vivem em barracas e ranchos de palha à espera de que o governo federal concretize a legalização. Conseguir do governo o confisco de uma fazenda e sua destinação à reforma agrária demora, em média, cinco anos.
Para chegar ao acampamento Frei Henri é preciso percorrer um longo trecho da poeirenta BR-155, cheia de ondulações e caminhões carregados de minerais que viajam dia e noite. A região era rica em castanheiros, dizimados para dar lugar a pastagens. Em plena Amazônia profunda, a beleza das árvores de copas altas deixou de existir há muito tempo, e a paisagem é plana e lisa, sem rastros da selva exuberante.
A ocupação da Fazendinha acontece em meio a um duro confronto com os latifundiários locais, que estão organizados e contratam segurança privada armada para intimidar os camponeses e arruinar seus cultivos. “Plantamos para ter um alimento saudável. Os fazendeiros não produzem nada e dizem que suas terras são produtivas. As ameaças são constantes. A justiça no Pará é muito lenta. É um espera e desespera”, descreveu Santos.
“Aqui a terra é poder”, definiu Maria Raimunda César, de 39 anos e integrante da coordenação do MST no Pará. “O conflito é permanente. No Pará se mata gente como se mata boi. Um corte bovino para exportação vale mais do que um ser humano. Há muita injustiça e um processo de opressão e violência crescentes”, afirmou. E acrescentou que a reforma agrária está ausente das políticas nacionais. Tanto o atual governo de Dilma Rousseff como o de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) “retiraram o tema da agenda”.
Aqui ocorre um ciclo perverso no uso da terra, segundo Raimunda. Primeiro se abre caminho para a mineração e o corte de árvores para carvão, depois chega a invasão privada de terrenos fiscais, a devastação da selva e a plantação de capim, uma gramínea que serve de pasto para o gado. Em média, há uma cabeça de gado por hectare, garantiu.
Pela mesma BR-155, mas próximo de Marabá, fica o acampamento Helenira Resende, que desde 1º de março de 2010 abriga 150 famílias sem terra. Além das provocações por parte de homens armados, a ameaça aqui também chega pelo ar. Os camponeses denunciam o uso de venenos agrícolas jogados sobre suas casas e plantações.
egundo o argentino Raúl Montenegro, que integrou uma missão internacional de solidariedade aos camponeses do Pará, “o uso de bala e veneno combinados é como uma luta química contra essas populações”.
“Os latifundiários dizem que jogam esses produtos em suas terras, mas é uma maneira de se livrar da responsabilidade”, acrescentou Montenegro, ganhador em 2004 do prêmio Nobel alternativo concedido pela Fundação Right Livelihood Award, com sede em Estocolmo.
“Pudemos comprovar que grupos armados chegaram a sitiar uma comunidade inteira sob uma chuva noturna de disparos e bombas que provocavam barulho ensurdecedor no acampamento Frei Henri des Rozier. Também vimos que empresas como a Santa Bárbara aplicam pesticidas por via aérea”, disse ao Terramérica o presidente da Fundação para a Defesa do Meio Ambiente, com sede na cidade argentina de Córdoba. “Esse veneno chega com total impunidade a crianças, adolescentes e adultos, sem que o Estado controle, sem a existência de estudos epidemiológicos ou ambientais”, criticou Montenegro.
“Nosso lema é ocupar e resistir, mas eles são um grupo poderosíssimo. Os homens da fazenda estão fortemente armados e atiram”, contou Aldemir Monteiro de Souza, de 28 anos, que vive no acampamento Helenira Resende, uma área de 50 hectares dentro da fazenda Cedro, com extensão de quase 15 mil hectares. Os poderosos a que se refere são os proprietários da Agropecuária Santa Bárbara, que tem como um de seus principais acionistas o banqueiro Daniel Dantas, detido em 2008 por crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Segundo o MST e a Comissão Pastoral, apenas nos últimos dez anos, esse grupo comprou 800 mil hectares de terras em seis municípios do Pará. “O grupo se apropria de terras públicas, utiliza trabalho escravo e comete crimes ambientais”, denunciou Charles Trocate, da coordenação do MST neste Estado.
A esperança é que técnicos do Incra inspecionem a fazenda Cedro para determinar se é produtiva e legal. Caso constatem irregularidades, terá início um processo de expropriação e depois serão entregues parcelas aos camponeses. Para 22 de maio está prevista uma audiência com a fiscalização agrária do Incra no Fórum de Justiça de Marabá. Este será o primeiro passo, após anos de ocupação e acampamento.
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