quinta-feira, 6 de março de 2014

Energia

Choque de preços

O planejamento precário e os eternos problemas institucionais encarecem as tarifas e prejudicam a oferta
por Luiz Antonio Cintrapublicado 06/03/2014 05:18
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Roberto Vinicius / Flickr
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Problemas de planejamento aumentam os custos do serviço elétrico oferecido ao brasileiro
O mesmo ocorre com o valor do megawatt/hora do chamado Mercado Livre, que abastece os grandes consumidores, que disparou em razão da escassez de chuvas e a falta de reservatórios de água. Não bastasse, o PMDB, no controle do setor há anos, aproveita a crise para pressionar o Planalto, que esboçou recentemente, e de forma tímida, a intenção de profissionalizar os postos-chave do Ministério de Minas e Energia e das empresas públicas federais.
O quadro nunca foi tão grave? Segundo os especialistas, sim, mas apenas nos anos que precederam a crise de 2000. “Estamos melhor porque antes não havia planejamento algum, agora há, ainda que muito falho. Também não tínhamos as usinas térmicas, que podem ser acionadas para economizar a água dos reservatórios”, diz Ricardo Buratini, doutor em economia pelo IE-Unicamp e especialista na área.
Os atrasos recorrentes nas obras de hidrelétricas, a judicialização de projetos em andamento, o descumprimento de contratos pela iniciativa privada, como no caso das usinas que o Grupo Bertin se comprometera a construir, compõem o rol dos principais problemas destacados pelo economista. E ainda existem as geradoras eólicas que estão prontas, mas sem a linha de transmissão para ligá-las ao sistema. “A demanda por energia tem aumentado com a melhora na distribuição da renda, mas o sistema está sem capacidade excedente e as novas hidrelétricas não têm os mesmos reservatórios das antigas”, diz Buratini.
Alguns números ilustram o desequilíbrio atual. O custo de produção das usinas mais antigas, cujo investimento foi amortizado ao longo dos anos de operação, é muito menor do que o das usinas térmicas licitadas recentemente, mais fáceis de ser construídas, muitas delas, contudo, movidas a óleo pesado, diesel ou carvão, combustíveis altamente poluentes e mais caras. As hidrelétricas  amortizadas geram energia a 30 reais o MWh, as termoelétricas a 150/200 reais, em alguns casos, até acima de 500 reais.
No tiroteio verbal que o Planalto tem enfrentado, sobram críticas de matizes variados. Geradoras, distribuidoras e analistas financeiros acusam o governo de ter sido excessivamente intervencionista ao baixar no ano passado a MP 579, que condicionou a renovação automática das concessões, sem nova licitação, a uma mudança na fórmula de cálculo das tarifas pagas às geradoras. A medida foi mal recebida também pela maneira como foi elaborada, sem debates preliminares. Ela é criticada inclusive por quem concorda com a intenção de reduzir o custo da energia produzida no País, cara na comparação com países de matriz hidrelétrica, como o Canadá, ou alguns estados norte-americanos.
No modelo anterior, de livre negociação, as geradoras eram remuneradas pelo valor de mercado pago às usinas menos eficientes, mais caras. Empresas como Cemig, Cesp e a própria Eletrobras puderam assim comercializar o MWh a 200 reais, muito acima dos seus custos de geração das unidades já amortizadas, a essa altura a cerca de 30 reais. Foram anos e anos de lucros fabulosos. O caso da Cemig, que preferiu não aderir à renovação automática, é exemplar: entre 2008 e 2012, a companhia lucrou 12,7 bilhões de reais, segundo a consultoria Economática. A expectativa dos analistas, por sinal, é o lucro de 2013 e 2014 ser ainda maior, pois algumas geradoras, caso da Cemig, possuem energia excedente e têm aproveitado a alta do preço no Mercado Livre, em que o MWh tem sido negociado a mais de 800 reais. Já as distribuidoras estão com o caixa apertado, justamente por precisarem comprar energia cara no mercado à vista e não disporem da energia contratada por atrasos ou outros problemas na geração.
Diretor da ONG Ilumina, Roberto D’Araújo critica a fórmula de cálculo usada na MP 579, feita a partir de projeções da Empresa de Planejamento Energético (EPE), criada em 2004 para o desenvolvimento estratégico do setor. “Não dá para remunerar apenas o custo de produção da energia, porque uma usina não é uma fábrica de megawatts, ela em geral afeta toda uma região, por isso assume responsabilidades ambientais e sociais. E vão remunerar apenas as máquinas? Isso não existe.”
Com o caixa afetado pela remuneração reduzida, algumas geradoras viram suas ações despencar. Os papéis da Eletrobras chegaram a cair 70%. O maior risco nesse caso, diz D’Araújo, é a nova fórmula afetar a capacidade de investimento dessas companhias. “A deterioração da infraestrutura será constante, com disputas jurídicas entre as empresas e a União, para decidir quem arcará com os custos.”
Ex-presidente da Eletrobras, Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Coppe-UFRJ, considera que o governo precisa desatar alguns nós institucionais para tornar mais efetivas decisões tomadas no setor, a começar pela lentidão de várias obras de infraestrutura. “Nas obras em andamento, a Eletrobras fica com uma participação, mas não com o controle, porque existe a maldita Lei nº 8.666 (que regula as licitações públicas). Essa lei, patrioticamente, deveria ser eliminada, assim como precisa ser fechada a Controladoria-Geral da União (CGU), uma coisa que só atrapalha e não resolve o problema da corrupção endêmica, que precisa ser combatida na base da manu militari. (Leia a íntegra da entrevista em www.cartacapital.com.br.)”
Pinguelli Rosa centra suas críticas no aparato jurídico-burocrático que, diz, cercearia o trabalho dos funcionários públicos, por mais honestos que sejam. “O que fazia o SNI no passado, a espionagem da vida da gente, de prender, hoje faz esse sistema de procuradores, advogados... eles são o novo SNI. Acusam com muita facilidade, escrevem palavras horríveis e são absolutamente livres para isso.”
A curto prazo, o resultado do imbróglio em que o setor elétrico está metido será o aumento das tarifas para consumidores residenciais e empresas. No caso das térmicas, uma conta de 10 bilhões de reais, a ser paga mais cedo ou mais tarde por toda a sociedade.

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