Da última vez que eu falei com o escritor Leonardo Padura ele ainda se
chamava Leonardo Padura Fuentes e tinha acabado de ficcionalizar a passagem de
Ernest Hemingway por sua terra, Cuba. Isso foi em 2001, quando lançou no Brasil
o livro Adeus, Hemingway, em que coloca o autor norte-americano como
suspeito de assassinato. Padura deixou de usar o Fuentes por causa das confusões
com o seu sobrenome em países de língua inglesa –ora o chamavam de Padura, ora
de Fuentes… Preferiu padronizar usando um só, o do pai, que nos países
hispânicos é o do meio.
Daquela entrevista para esta, que fiz novamente pelo telefone, a diferença é
que, agora, Padura parece um pouco mais à vontade para falar de política interna
cubana. Na primeira, só falamos do livro (assinantes da Folha podem ler aqui).
Agora, o escritor de 58 anos, que vive em Havana, se posicionou abertamente
sobre a necessidade de mais abertura ao diálogo com divergentes na ilha
governada pelos Castro. E falou também de Leon Trotski, protagonista de seu
livro de 2009 lançado entre nós este mês: O Homem Que Amava os
Cachorros (Boitempo).
O mais impressionante para mim ao conversar com o escritor foi descobrir que
era proibido falar de Trotski em Cuba e que se sabia pouquíssimo sobre ele, na
verdade, até a publicação do livro. Segredo igual rondava Ramón Mercader, o
assassino do líder soviético, que chegou a ser acolhido lá por Fidel Castro em
1960, após cumprir 20 anos de pena no México. No livro de Padura, Mercader é o
algoz mas também a vítima de um período duro da história e da esquerda. O livro
não foi proibido em Cuba, ao contrário: foi reconhecido pelos leitores da ilha e
recebeu o Prêmio Nacional de Literatura no ano passado.
Socialista Morena– Como foi possível que os cubanos até recentemente
não soubessem nada de Trotski?
Leonardo Padura – Não se sabia praticamente nada porque se aplicou aqui a
mesma política da União Soviética. Havia uma aliança tão estreita que não podia
ser diferente. Trotski era o inimigo inominável. Não se publicavam obras dele
nem sobre ele, ninguém sabia quem era realmente. Só há poucos anos, quando, em
algumas feiras literárias, a editora norte-americana Pathfinder, que é
trotskista, trouxe alguns livros dele, e uma editora argentina trouxe sua
biografia, é que a informação passou a circular mais. Mas foi com o meu romance
que os cubanos o conheceram.
SM – Seu próprio interesse por Trotski começou como?
LP – Na época da universidade ouvi falar algo, mas não se mencionava ele nas
aulas. Esse fato aumentou ainda mais minha curiosidade a respeito de Trotski, e,
em 1989, na primeira vez que fui ao México, conheci a casa dele em Coyoacán.
Fiquei muito emocionado. Era um lugar escuro, sombrio… Claro que nem imaginava
que um dia iria escrever um livro a seu respeito. Uns anos depois dessa visita,
soube que Mercader viveu em Cuba, mas ninguém tampouco falava disso. Em 2005,
2006, quando decidi escrever o romance, procurei alguém que sabia que o
conhecera pessoalmente e a resposta que recebi foi um rotundo “não”.
SM – O que há de ficção e realidade na trama?
LP – Há muito dos dois. A vida de Trotski está toda biografada, cada minuto
de sua vida, então tem muito de investigação histórica nas cenas narradas. Com
Mercader é diferente porque se conhece muito pouco da vida dele. Sua vida é uma
mentira, uma criação dos órgãos de inteligência soviéticos. O terceiro
protagonista, o cubano que conduz a narrativa, também está documentado. Tudo que
acontece com ele aconteceu com pessoas da minha geração.
SM – Se deixa notar no livro que você sente simpatia por
Trotski…
LP – Creio que existe uma simpatia natural pelos derrotados, pelos que
perderam. Além disso, como Trotski tem a figura de Stalin como antagonista, ele
se torna um dos personagens mais simpáticos do mundo… Stalin é monstruoso.
Trotski manteve sempre esse pensamento utópico de que a revolução era
possível.
SM – Me parece uma pena que os cubanos não tenham conhecido o outro
lado dessa história.
LP – Sim, é um personagem que talvez pudesse dar aos cubanos uma alternativa
de pensamento socialista.
SM – Há quem ache que não faria diferença se fosse Trotski o vencedor
diante de Stalin. Você concorda?
LP – Essa seria uma especulação histórica e a história se analisa com o que
ocorreu, não com o que poderia ter ocorrido. Trotski talvez pudesse fazer a
mesma política, mas talvez não achasse necessário matar 20 milhões de pessoas
para isso. Trotski era um político, Stalin era um psicopata. Trotski poderia ser
duro, reprimir, mas não de uma maneira doentia.
SM – Você se incomoda de falar sobre a política em seu
país?
LP – Eu sempre prefiro falar de literatura, mas no caso de Cuba é inevitável.
É um país onde existe um governo e um partido que são a mesma coisa e onde todas
as decisões são políticas, então é impossível não falar.
SM – Há mais liberdade hoje em Cuba?
LP – Há mais do que há alguns anos. Há alguns anos eu não poderia ter
publicado este livro, por exemplo. O que não quer dizer que haja absoluta
liberdade de expressão, continua existindo censura. Em nível econômico houve
muitas mudanças importantes, imprescindíveis. Chegamos a um ponto de imobilismo
e crise insustentáveis. Se está movimentando economicamente o país. Mas as
mudanças têm que ser mais profundas. Tem de haver mais abertura comercial, mais
convênios com investidores estrangeiros, porque o país não tem capital para se
modernizar. Tem que ter também mais espaço para a crítica, um diálogo crítico
mais aberto para que se possa encontrar soluções, chegar ao consenso.
SM – O caminho está aberto?
LP – Está demarcado, mas a entrada é muito estreita… O modelo está mudando,
mas tem que mudar muito mais para que as pessoas que pensam diferente também
tenham direito à opinião.
Publicado em 22 de
dezembro de 2013
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