Declaração do Encontro de Lideranças do Movimento Indígena Morogitá Kagwahiwa em defesa dos Direitos Garantidos na Constituição Federal
Nós, caciques e lideranças indígenas do Amazonas, do Pará
e de Rondônia, reunidos no grande Encontro de Lideranças do Movimento Indígena
Morogitá Kagwahiwa, realizado na cidade de Humaitá/AM, com cerca de 300
participantes dos povos Tenharim, Parintintin, Mura, Jiahui, Munduruku, Gavião,
Miranha, Arara, Zoró, Karitiana, Torá, Apurinã, Jupaú, Mura Pirahã, Macuxi e
Sateré entre os dias 20 a 23 de outubro 2013, em aliança com outros movimentos e
organizações (Movimento Negro, Movimento Atingidos por Barragens, comunidades
tradicionais e Via Campesina), contando com o irrestrito apoio e solidariedade
de amplos setores e organizações sociais (ONG´s e entidades sócio-ambientais,
indigenistas, entre outros), vimos a público repudiar os ataques planejados pelo
Governo do Brasil com seus ministérios e parlamentares ruralistas do Congresso
Nacional que representam interesses de grandes grupos econômicos, contra os
nossos direitos originários e fundamentais, principalmente os direitos sagrados
à terra, territórios e recursos naturais garantidos pela Constituição Federal de
1988.
Com esta ofensiva a Bancada Ruralista quer a qualquer
custo eliminar os nossos direitos, sepultando a Constituição Cidadã, por meio de
dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição, em especial a PEC 215/00,
PEC 237/13, PEC 038/99, PL 1610/96 e PLP 227/12 e outras tantas iniciativas
legislativas nocivas, destinadas a legalizar a exploração e destruição,
disfarçada de progresso, dos nossos territórios e da mãe natureza, colocando em
risco a integridade física e cultural das atuais e futuras gerações dos nossos
povos e culturas.
O governo da presidente Dilma é conivente com essa
ofensiva que busca mudar a Constituição Federal. Por isso tem promovido a
desconstrução da legislação ambiental e indigenista que protege os nossos
direitos, cedendo às pressões dos ruralistas, por meio de negociatas e
compromissos pactuados principalmente pelos ministros José Eduardo Cardozo, da
Justiça; Luís Inácio Adams, da AGU, e Gleise Hoffmann, da Casa Civil,
articulados com a presidente da Confederação Nacional de Agricultura, senadora
Kátia Abreu. Se não fosse assim o governo Dilma já teria mobilizado a sua base
aliada para impedir os ataques que sofremos no Congresso Nacional e assegurado
uma agenda positiva, que permitisse a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas
e do projeto de lei que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista
(CNPI).
Essa conduta omissa e conivente, de pactuação e submissão
aos interesses do capital, materializa-se na edição de medidas que agravam a
desconstrução dos nossos direitos, tais como a Portaria Interministerial
419/2011, a Portaria 303/2012 da AGU, a Portaria 2498 e o Decreto 7957/2013, ao
mesmo tempo que promove a destruição dos nossos territórios por meio da expansão
do agronegócio, das hidrelétricas e de tantos outros grandes empreendimentos do
PAC. Para piorar, o governo Dilma paralisou, como seu antecessor, a demarcação
das terras indígenas, a criação de unidades de conservação, a titulação de
quilombos e a efetivação da reforma agrária. Toda essa ofensiva é destinada a
inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que
continuam usurpadas, na posse de não índios; reabrir e rever procedimentos de
demarcação de terras indígenas já finalizados; invadir, explorar e mercantilizar
as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos nossos povos.
Objetivos esses que aumentam o acirramento de conflitos, a criminalização das
nossas comunidades e lideranças, enfim, a insegurança jurídica e social que
perpetua o genocídio inaugurado pelos colonizadores contra os nossos povos há
513 anos.
Temos clareza que é por parte do Estado, flagrante
desrespeitos à Constituição Federal e aos tratados internacionais assinados pelo
Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a
Declaração da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, desconsiderando a contribuição milenar dos nossos povos e a
importância estratégica dos nossos territórios para o Bem Viver da humanidade e
do planeta terra.
Diante dessa realidade, de forma unânime, de uma só voz,
declaramos e exigimos do Estado brasileiro, inclusive do Poder Judiciário, do
Supremo Tribunal Federal que respeitem os nossos direitos, que valorizem a
diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira.
Reafirmamos que vamos resistir, inclusive arriscando as
nossas vidas, contra quaisquer ameaças, medidas e planos que violam os nossos
direitos e buscam nos extinguir, por meio da invasão, destruição e ocupação dos
nossos territórios e bens naturais, para atender aos interesses de grandes
empresas que geram grandes lucros e grandes impactos negativos para as
populações indígenas e não-indígenas locais.
Declaramos que exigimos sepultamento de todos os projetos
que querem modificar os procedimentos de demarcação das nossas terras e urgência
na tramitação e aprovação do Novo Estatuto dos Povos Indígenas. Seguiremos
resistindo e pautando as nossas vidas somente pelo que reza a Carta magna de
1988 e os tratados internacionais assinados pelo Brasil referentes aos nossos
direitos em memória dos nossos ancestrais, dos nossos antepassados e líderes
assassinados na luta pela Terra.
Por tudo isso, exigimos o fim de todos esses ataques aos
nossos direitos, o respeito irrestrito à Constituição Federal e aos demais
projetos que nos ameaçam de morte:
1. O sepultamento imediato e definitivo de todas as
iniciativas legislativas que afrontam os nossos direitos, sobretudo a PEC
215/00, PEC 237/13, PEC 038/99, PL 1610/96 e PLP 227/ que buscam suprimir os
nossos direitos originários, coletivos e fundamentais;
2. A criação de uma Comissão Especial com a participação
de indígenas em sua composição para impulsionar a aprovação urgente do Estatuto
dos Povos Indígenas, antes de qualquer outro projeto, bem como aprovação do PL
3571/2008 de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e da
PEC 320/2013 que propõe a criação de quatro vagas para deputados federais
indígenas;
3. A urgente revogação de todas as portarias e decretos
editados pelo governo Dilma e que afrontam os nossos direitos, principalmente a
Portaria 419/2011, Portaria 303/2012, Portaria 2498 e Decreto 7957/2013;
4. A retomada imediata da demarcação de todas as terras
indígenas, assegurando a sua proteção, extrusão e sustentabilidade, já que se
passaram 25 Anos da aprovação da Constituição e a mesma não foi cumprida, de
modo particular a terra indígena do Povo Mura do Itaparanã e Munduruku e Mura do
lago Capanã Grande;
5. Defendemos o fortalecimento da Fundação Nacional do
Índio (Funai), para que cumpra adequadamente a sua responsabilidade de zelar
pelos direitos indígenas, principalmente no tocante a demarcação, proteção e
etno-desenvolvimento de todas as terras indígenas, conforme determinou a
Constituição Federal de 1988, haja visto que terras indígenas como Uru Eu Wau
Wau, Suruí, Cinta Larga, Mura e Munduruku no rio Marmelo e Capanã Grande sofrem
invasão por madeireiros, garimpeiros, grileiros, fazendeiro e pressão por
instalação de unidade de conservação, rodovia BR 319 entre outros;
6. Diante da enganação e violação dos direitos dos povos
indígenas e populações tradicionais da bacia do Rio Madeira, no rio Xingú e no
rio Teles Pires onde estão construindo hidrelétricas para viabilizar hidrovias,
para os quais exigimos respeito, Reafirmamos que somos contra a
construção de barragens no rio Machado (UHE Tabajara), no rio Madeira (UHE
Ribeirão), no rio Tapajós, no rio Juruena e no rio Teles Pires, que se forem
aprovadas atingirão diversas terras indígenas. Não vamos aceitar compensações
para nos destruir, porque a água para nós é fonte de Vida e não de Morte. Onde
não for possível evitar, exigimos o pagamento de royalties às comunidades
envolvidas durante toda a vida útil do empreendimento. Exigimos incluir as
terras indígenas Igarapé Lourdes, Pirahã, Jiahui, Nove de Janeiro, Ipixuna,
Torá, Mura, Munduruku do Baixo Marmelo e todas as terra Tenharin e de índios
isolados como áreas que serão afetadas pela construção da hidrelétrica
Tabajara;
7. Exigimos respeito e cumprimento de nossos direitos,
reconhecidos pela Constituição Federal, assegurando para os nossos povos
efetivas políticas públicas, específicas e diferenciadas, nas áreas da educação,
da saúde e de todas as áreas do nosso interesse que gere melhoria na qualidade
de nossa vida. Somos contrários a política de compensação desencadeado por
empresas interessadas em T.I. que utilizam disso como fator de manipulação e
cooptação de lideranças;
8. Já na educação escolar indígena, estados e municípios
não cumprem as leis e tampouco os recursos destinados atendem às necessidades
porque temos um custo diferenciado na Amazônia que necessita ser revisto com
máxima urgência. No tocante aos territórios etno-educacionais, defendemos a
retomada urgente deste debate metodológico como unidade de planejamento e
execução da educação escolar específica e diferenciada;
9. Exigimos funcionamento urgente da SESAI a qual parece
que foi criada para não funcionar. Estamos cansados de ver nossas crianças e
idosos morrendo por falta de atendimento nas aldeias, fruto do descaso do
governo. Em muitas regiões não temos Polo Básico, não temos medicamentos, não
temos transporte, ou seja, não temos a condição mínima de atendimento e ficamos
a depender da boa vontade de quem e responsável. Por outro lado temos recursos
paralisados em prefeituras como a de Ji-Paraná, que deveriam ser utilizados na
melhoria da qualidade do atendimento e resolução de pendências antigas com
servidores e fornecedores, que por falta de deliberação da SESAI e Ministério da
Saúde corre o risco de se perder na corrupção institucional;
10. Exigimos a resolução da sobreposição de terras com
máxima urgência, para acabar com as sobreposições de T.I. com unidades de
conservação por isso pleiteamos que sejam declaradas terras indígenas;
11. Denunciamos que os povos que vivem na condição de
isolamento correm risco de vida diante da ofensiva dos projetos hidrelétricos e
expansão da agropecuária. Entre estes exigimos a inclusão da informação 70 no
rio Marmelo e na REBIO Jaru (Tarumã) e Jacundá para proteção antes de iniciar o
processo de licenciamento da UHE Tabajara;
12. Denunciamos que as Unidades de Conservacão que ocupam
um papel fundamental no equilíbrio ecológico correm risco de serem desafetadas
para dar lugar a lagos de usinas à exemplo do ocorrido no PARNA Campos
Amazônicos. Por isso reafirmamos nosso irrestrito apoio ao ICMBio no cumprimento
de sua função e na não violação do direito ecológico da Unidades de Conservação,
respeito o direito originário dos povos indígenas. Exigimos que também seja
ouvida a equipe local do ICMBio caso haja propostas de construção de
hidrelétricas ou qualquer outro tipo de empreendimentos que impacte unidade de
conservação;
13. Afirmamos que os grandes projetos desagregam vidas e
movimentos sociais, por isso decidimos participar da luta conjunta contra este
modelo de desenvolvimento excludente com o MAB e a Via Campesina. Ao mesmo tempo
solicitamos da presidência da FUNAI convocação urgente de Seminário para
discutir os grandes empreendimentos e seus impactos em terras indígenas;
14. Denunciamos que a maioria das Terras Indígenas na
Amazônia continuam sem o benefício do Programa Luz para Todos, embora é tido
como público prioritário do programa, que antes mesmo de cumprir sua meta social
já está em fase de extinção. Como potencializar os processos produtivos para
gerar renda e qualidade de vida se a eletricidade não chega até nossas aldeias.
Porque não utilizar o potencial de energia solar para atender as nossas demandas
e para apoiar o funcionamento de sistema de comunicação (telefonia rural)
benefício que até agora não chegou, deixando muitas aldeias isoladas e à mercê
da própria sorte com a ausência total do Estado brasileiro;
15. Solicitamos a priorização pelo Poder Judiciário,
sobretudo ao STF, do julgamento de processos de interesse dos nossos povos e
comunidades, de forma especial processos que envolvem a garantia de territórios
tradicionais, porque a garantia da terra significa menos violência física,
econômica e cultural. Que não sejam aplicadas nenhuma das 19 condicionantes que
foram colocadas pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive para a T.I. Raposa
Serra do Sol;
16. Deixamos claro que as políticas públicas devam atender
os povos indígenas das aldeias e os que vivem nos centros urbanos por algum
motivo, até porque o Brasil era todo nosso, logo não temos indígenas
desaldeados, porque se moramos no Brasil fazemos parte desta grande aldeia que
foi invadida a mais de 513 anos, que agora compartilhamos com os não-indígenas,
tratada com muita falta de respeito infelizmente pelos invasores;
Dessa forma, reiteramos a nossa determinação de
permanecermos unidos, em mobilização, em movimento formativo e informativo nas
aldeias, e em aliança com outros movimentos e organizações sociais que como nós,
lutam pela construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, justa e
plural.
Humaitá - AM, 23 de outubro de 2013.
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