sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Raimundo Gomes: a perda sem tamanho do grande Mamede

27 de dezembro de 2012


Por Raimundo Gomes da Cruz Neto
Educador Popular


Despedimos de mais um grande companheiro das nossas fileiras de lutas pela verdadeira Reforma Agrária e pela transformação da sociedade nesta semana.

Foi enterrado o corpo de Mamede Gomes de Oliveira, assassinado brutalmente na manhã do dia 23 de dezembro. O assassinato ocorreu no seu lote, a 200 metros de sua casa, no Projeto de Assentamento Mártires de Abril, município de Mosqueiro, Estado do Pará.
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O assassino já foi identificado e preso, mas até o momento não revelou qual a sua motivação ou interesse para tirar a vida de Mamede, com o disparo de dois tiros fatais sem que a vitima pudesse se defender.

Foi uma perda imensurável, por tratar não apenas de um assentado, como deverá ser divulgado pela imprensa medíocre deste país, mas por tratar de um exemplar de homem que viveu para construção de uma humanidade, que ainda está por ser construída por todos aqueles que não se cansam e nem se entregam diante das barreiras impostas.

Mamede tinha 57 anos muito bem vividos como fazem todos que desde cedo encaram o desafio de construir seu próprio destino. Nasceu no Estado do Piaui, viveu sua juventude até adulto no Estado do Maranhão, no município de Pedreiras, no final da década de 1980 veio para o Pará. É a trajetória de muitos nordestinos, em busca da terra prometida.

Foi no ano de 1999 que militantes do MST e Mamede tiveram o grande prazer de se encontrarem, nas mobilizações realizadas na cidade de Ananindeua, área metropolitana de Belém do Pará, para ocupação dos latifúndios naquela região.

Nessa época, Mamede militava na Comunidade Eclesial de Base, com a experiência trazida do Maranhão. Experiência desenvolvida para enfrentar a opressão imposta pelas famílias latifundiárias, corruptas e assassinas daquele Estado, dentre elas a de José Sarney.

Com a luta organizada as famílias de trabalhadores conquistaram uma área de terra no município de Mosqueiro, que depois as famílias e o movimento fizeram ser criado um projeto de assentamento, o Projeto de Assentamento Mártires de Abril, em memória ao massacre de 17 de abril de 1996, na curva do S, no município de Eldorado de Carajás, contra militantes do MST, realizado pela policia do Estado, quando governador Almir Gabriel.

Agroecologia

Ali no assentamento Mamede se realizava e construía experiências e ensinamentos para companheiros e para o mundo. Junto com sua esposa passaram a se dedicar em um grande projeto que viesse apontar para a transformação da sociedade. Homem culto, não abonava suas leituras  dos revolucionários, de Marx, os marxistas, ao poeta Maiakóvski.

Pelo seu afinado conhecimento e forma de lhe dar com as pessoas desempenhou importante papel como comunicador, educador e dirigente do movimento, sem nunca se propor a abandonar a luta e deixar de enfrentar as grandes dificuldades que se apresentavam no dia a dia.

A sua dedicação maior, sem desprezar a militância, a educação e a cultura, mas fazendo destas uma interação necessária e produtiva,  foi com a agroecologia. Seu lote era um exemplo de diversificação de cultivos de plantas para fins medicinais, ornamentais e para produção de alimentos e a criação de pequenos animais. Dedicação na transformação de plantas em produtos de uso medicinal e alimentício.

Mas como para a crueldade não há defesa e precaução suficiente par evitá-la quando ela nos ronda permanentemente, em um momento de vivência e dedicação com seu a fazer, Mamede foi covardemente assassinado quando reparava a situação de umas colméias.

Portanto, não foi só o MST, mas sim o mundo que perdeu, na flor da idade, um grande exemplar de homem educador, comunicador, dirigente, defensor e praticante da agroecologia, que acreditava na transformação da sociedade, com a destruição do capitalismo a partir de de acúmulos de fundamentações teóricas pelos indivíduos mas também necessariamente com a prática.

Lamentamos profundamente que a barbárie se alastra pelo mundo sem que nossas forças sejam suficientes para barrá-la. Lamentamos profundamente que diante da situação muitos valiosos lutadores do povo se deixem levar pelos imbróglios da conjuntura política retrógrada e alienante que impera no país. Lamentamos profundamente pela perda de mais um comunista.

Como foi na casa de Mamede, quando da participação de um encontro estadual do MST, que tomei conhecimento do poeta russo Maiakóvski, em memória vou citar um dos poemas que de imediato me chamou a atenção:

E então que quereis?...
Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também porque razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
haveremos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

Mamede.
Presente!
Até a vitória sempre!

 

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