Índia guarani-kaiowá estuprada tem medo, mas diz que não sairá de área ocupada em fazenda em Mato Grosso do Sul
Lilian Ferreira
Do UOL, em Iguatemi (MS)
Do UOL, em Iguatemi (MS)
“Sinto medo, mas vou ficar aqui”, disse uma índia de 23 anos à reportagem do UOL, que esteve na aldeia Mbarakay-Pyelito Kue, em Iguatemi (470 km da capital Campo Grande), em Mato Grosso do Sul. No final de outubro, ela foi estuprada quando saía da aldeia de carona em uma moto. O motorista desviou o caminho para a fazenda São Luiz, onde a garota diz ter sido recebida por oito pistoleiros que queriam que ela os levasse até os líderes indígenas.
Os índios guaranis-kaiowás ocupam há um ano uma área de dois hectares da fazenda Cambará e, no último dia 30, receberam permissão da Justiça Federal para continuar na região até que a Funai conclua relatório sobre a posse da terra. Enquanto isso, episódios de violência não são raros na região, como relata a indígena estuprada.
“Eles colocaram alguma coisa no meu nariz e eu desmaiei. Acordei, quatro horas depois, cheia de dores no corpo, não sei ao certo o que fizeram comigo”, conta. Ela fez exame de corpo de delito que comprovou o estupro, segundo o Cimi, Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica e que atua na região desde 1972. A polícia espera o laudo final da perícia para dar andamento às investigações.
"No dia seguinte ao ocorrido, a encaminhamos aos órgãos competentes em Naviraí para que as providências fossem tomadas", disse a chefe do serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Funai no local, Juliana Vieira. "A Polícia Civil abriu inquérito, e as investigações agora correm em segredo."
Mesmo sem saber ao certo quem são os autores do crime, a indígena relata que sofreu represália dentro da própria aldeia. “Tem gente na aldeia que tem ligação com eles”, afirma ela, ao contar que foi perseguida por um índio com uma faca após o registro do estupro. Além disso, o motoqueiro que a levou teria sido enviado pelo marido de uma tia.
Apesar de o fato recente ter amedrontado um pouco a garota, o tom geral entre os indígenas não é de medo, e nem se fala mais em morte – vale lembrar que a disputa pela área ganhou repercussão nacional com a divulgação de uma carta dos índios que falava em morte coletiva caso tivessem que deixar as terras.
Metade dos índios que estão ali é de Sassoró, os demais vieram de várias aldeias guaranis-kaiowás da região. Ainda que afirmem que mais de 170 índios estão na área ocupada, durante a visita do UOL ao local, havia apenas cerca de dez adultos e dez crianças.
Segundo a índia, algumas pessoas estavam caçando ou na cidade. O que se pode perceber é que muitos índios passam temporadas ali, mas não se desfizeram totalmente de suas casas em outras aldeias. É o caso de Helena, que tem uma casa na Aldeia de Limão Verde, onde vivem seus quatro filhos, mas montou uma cabana em Mbarakay -Pyelito Kue.
Carlo Afonso, 49 anos, outro líder local, tem história parecida. Ele conta que, em junho de 2011, participou da retomada da terra, mas só ficou ali por seis meses, quando foi ajudar outros índios a implantarem sua aldeia.
O apoio, nessas horas, vem da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Força Nacional. A índia diz que foi orientada a ligar para as entidades ao menor sinal de problema, seja de saúde ou de segurança.
“Não estamos aqui para brigar, queremos defender nosso território”, diz Carlo. Ele é seguido por Helena, outra líder dos guaranis-kaiowás: “Eu não tenho medo, eu já entreguei na mão de Deus. Há mais de 20 anos que a gente só espera, espera, espera que o governo resolva essa situação. O que estão esperando para resolver?”, questiona.
Durante o dia em que passou na cidade e imediações, a reportagem do UOL viu os agentes da Força Nacional quatro vezes, uma das quais durante a visita à área ocupada.
Os homens da Força e da Funai chegaram às margens do rio Iguatemi, do lado da aldeia Sassoró, pouco depois de a reportagem ter atravessado o rio, e pediram para conversar com uma representante indígena. Ela nadou até o outro lado e conversou com os agentes por cerca de meia hora. Na volta, disse se tratar de uma visita de rotina para saber “se estava tudo bem”.
Mas o clima não é de tranquilidade total. Um funcionário da empresa de segurança Gaspen, que trabalha em uma fazenda vizinha à Cambará e não quis se identificar, afirmou que os fazendeiros da região intensificaram a segurança para garantir que suas propriedades não sejam invadidas. Por outro lado, Wanderley, administrador da fazenda Cambará, vive com a mulher e dois filhos próximo à área ocupada e diz que não enfrentou problemas com os índios.
O proprietário, Osmar Bonamigo, foi procurado na fazenda, mas estava em Brasília. Contatado por telefone, sua mulher, Rejane, disse que ele não falaria com a imprensa.
Índios guaranis-kaiowás brigam por seus territórios em Mato Grosso do Sul
“Eles colocaram alguma coisa no meu nariz e eu desmaiei. Acordei, quatro horas depois, cheia de dores no corpo, não sei ao certo o que fizeram comigo”, conta. Ela fez exame de corpo de delito que comprovou o estupro, segundo o Cimi, Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica e que atua na região desde 1972. A polícia espera o laudo final da perícia para dar andamento às investigações.
"No dia seguinte ao ocorrido, a encaminhamos aos órgãos competentes em Naviraí para que as providências fossem tomadas", disse a chefe do serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Funai no local, Juliana Vieira. "A Polícia Civil abriu inquérito, e as investigações agora correm em segredo."
Mesmo sem saber ao certo quem são os autores do crime, a indígena relata que sofreu represália dentro da própria aldeia. “Tem gente na aldeia que tem ligação com eles”, afirma ela, ao contar que foi perseguida por um índio com uma faca após o registro do estupro. Além disso, o motoqueiro que a levou teria sido enviado pelo marido de uma tia.
Apesar de o fato recente ter amedrontado um pouco a garota, o tom geral entre os indígenas não é de medo, e nem se fala mais em morte – vale lembrar que a disputa pela área ganhou repercussão nacional com a divulgação de uma carta dos índios que falava em morte coletiva caso tivessem que deixar as terras.
População da aldeia
A indígena é da aldeia Sassoró, localizada na margem direita do rio Iguatemi. Do outro lado, está a área ocupada da fazenda. Ela morava com a mãe, mas mudou-se para Mbarakay com os dois filhos há cerca de seis meses.Metade dos índios que estão ali é de Sassoró, os demais vieram de várias aldeias guaranis-kaiowás da região. Ainda que afirmem que mais de 170 índios estão na área ocupada, durante a visita do UOL ao local, havia apenas cerca de dez adultos e dez crianças.
Segundo a índia, algumas pessoas estavam caçando ou na cidade. O que se pode perceber é que muitos índios passam temporadas ali, mas não se desfizeram totalmente de suas casas em outras aldeias. É o caso de Helena, que tem uma casa na Aldeia de Limão Verde, onde vivem seus quatro filhos, mas montou uma cabana em Mbarakay -Pyelito Kue.
Carlo Afonso, 49 anos, outro líder local, tem história parecida. Ele conta que, em junho de 2011, participou da retomada da terra, mas só ficou ali por seis meses, quando foi ajudar outros índios a implantarem sua aldeia.
Onde fica
- Iguatemi está a 470 km de Campo Grande
Saúde e alimentação
Para sobreviver, a aldeia conta com a doação de duas cestas básicas a cada 15 dias. Alguns índios ainda recebem o bolsa família do governo federal. A indígena destaca que a dificuldade de acesso à área, feito somente pelo rio, é um dos problemas dos acampados. A falta de tratamento de saúde também é lembrada por ela: “Se uma criança fica doente, a gente tem que atravessar o rio para ter médico. Outro dia, uma delas ficou doente e a gente levou a menina para ser atendida do outro lado, mas não quiserem nos atender porque somos da área ocupada e não da aldeia de Sassoró”.O apoio, nessas horas, vem da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Força Nacional. A índia diz que foi orientada a ligar para as entidades ao menor sinal de problema, seja de saúde ou de segurança.
Proteção
Ela conta que os índios fazem patrulhas 24 horas por dia, mas que a situação está mais tranquila. “Agora a gente tem mais coragem porque a Força Nacional está aqui”, disse. O destacamento do Ministério da Justiça, sob coordenação da Polícia Federal, intensificou o patrulhamento em áreas indígenas de conflito com 20 homens desde 5 de outubro.“Não estamos aqui para brigar, queremos defender nosso território”, diz Carlo. Ele é seguido por Helena, outra líder dos guaranis-kaiowás: “Eu não tenho medo, eu já entreguei na mão de Deus. Há mais de 20 anos que a gente só espera, espera, espera que o governo resolva essa situação. O que estão esperando para resolver?”, questiona.
Durante o dia em que passou na cidade e imediações, a reportagem do UOL viu os agentes da Força Nacional quatro vezes, uma das quais durante a visita à área ocupada.
Os homens da Força e da Funai chegaram às margens do rio Iguatemi, do lado da aldeia Sassoró, pouco depois de a reportagem ter atravessado o rio, e pediram para conversar com uma representante indígena. Ela nadou até o outro lado e conversou com os agentes por cerca de meia hora. Na volta, disse se tratar de uma visita de rotina para saber “se estava tudo bem”.
Mas o clima não é de tranquilidade total. Um funcionário da empresa de segurança Gaspen, que trabalha em uma fazenda vizinha à Cambará e não quis se identificar, afirmou que os fazendeiros da região intensificaram a segurança para garantir que suas propriedades não sejam invadidas. Por outro lado, Wanderley, administrador da fazenda Cambará, vive com a mulher e dois filhos próximo à área ocupada e diz que não enfrentou problemas com os índios.
O proprietário, Osmar Bonamigo, foi procurado na fazenda, mas estava em Brasília. Contatado por telefone, sua mulher, Rejane, disse que ele não falaria com a imprensa.
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