terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O FUTURO É VERDE

 

Com a mão na massa e uma conexão total com a natureza, uma escola de Bali inova ao relacionar na prática o conceito de sustentabilidade ao ensino. Foto: Carol da Riva

Passeando no campus da Green School, uma escola internacional em Sibang Kaja, na Ilha de Bali, Indonésia, você se imagina explorando o esconderijo de um mundo perdido. Localizada num cenário paradisíaco, todas as construções são feitas de bambu e tijolos de lama e palha. Os caminhos são demarcados por pequenos seixos, o mobiliário é feito de madeira esculpida e velas de barco assumem o lugar das janelas em algumas salas e aula. Entre as classes, árvores enormes, coqueiros, terraços de arroz de todos os matizes de verde sendo traçados por búfalos, jardins floridos e hortas em volta das salas de aula, onde os alunos plantam e colhem vegetais, tomates, pepinos, cana-de-açúcar e cacau. Um ambiente acadêmico ecologicamente saudável onde estudam 272 crianças (dos 3 aos 17 anos de idade) de 47 nações (10% delas balinesas bolsistas), que nasceu do sonho de um canadense apaixonado pelos balineses, John Hardy.
Hardy era daqueles garotinhos que choravam para ir à escola. “Minha escola foi construída pelas mesmas pessoas que ergueram o hospital e o manicômio, com o material. Não era permitido pensar fora da caixa. Eu detestava estudar”, diz. Em 1975, com 25 anos se mandou para Bali, conheceu a sua mulher, Cinthia, e montaram uma pequena joalheria. O negócio cresceu. Ganhou filial em Hong Kong, depois Nova York. Em 2007, vendeu a empresa e se aposentou. Vivia uma vida de rei em Bali, até que sua mulher o convidou para ir ao cinema ver o filme do Al Gore, Uma Verdade Inconveniente. John resmungou, mas foi. “Esse filme arruinou a minha vida. Pensei que, se somente uma parte do que Al Gore disse for verdade, meus quatro filhos não terão a mesma vida que eu tive. Nesse dia, eu decidi passar o resto da minha vida lutando para melhorar as suas possibilidades.”
John apostou na educação. Sonhou com uma escola verde, que ligasse a vida das pessoas ao ensino. Mandou chamar os arquitetos balineses. A escola precisava inspirar e servir de exemplo em cada ato, com o máximo de respeito à comunidade local e aos seus costumes. “Aqui em Bali, ninguém entra de sapato na casa dos outros. Foi essa a metáfora que dei”, diz. Também proibiu o uso de material químico, derivados de petróleo ou madeira nativa. “Como pode uma escola falar sobre sustentabilidade com os alunos sentados em carteiras de madeira, quando essas estão praticamente extintas em Bali?” Foi, então, que pensou no bambu. “Com três meses, o bambu sai da terra e ultrapassa a altura de um coqueiro. Com três anos, pode ser colhido.” E assim fez a escola.
Quem visita a Green School fica encantado com o seu urbanismo, arquitetura, paisagismo e sustentabilidade. O prédio principal, no centro do campus de 8 hectares, é uma imensa estrutura de bambu composta de duas torres em espiral. É o chamado Coração da Escola, onde acontece boa parte das atividades.
O bambu também serve de estrutura para as outras as salas de aula, as traves do campo de futebol, o balanço das crianças, a cesta de basquete, as cadeiras, as mesas e as lousas. Não há pisos nem calçadas. Os alunos transitam de uma sala para outra por passeios de brita e pedras vulcânicas. O espaço não construído é mata ou horta, cultivada pelos alunos. Parte das hortaliças é destinada ao almoço, outra é vendida aos pais.
Tudo na escola é pensado pelo viés da sustentabilidade. Os banheiros, por exemplo. Cada recinto possui duas privadas. E nenhuma tem descarga. Na do número 1 joga-se água no vaso. Na do número 2, em vez da porcelana, fica um balde. Após usar, joga-se palha moída para tapar o “produto”. Não fica cheiro. De hora em hora, uma funcionária retira o balde que vira adubo. “Nosso impacto ambiental é quase zero”, diz Ben Macroy, diretor de Comunicação da escola que também é um sucesso em energia. Graças às placas solares, a uma pequena turbina chamada vortex e ao biogás, a escola gera watts o suficiente para não depender da rede elétrica. “Também porque toda a iluminação da escola é de luz natural. Não usamos lâmpadas”, diz Ben.
Na hora do almoço, mais ecologia. Duas mesas são colocadas no Coração da Escola. Uma com receitas indonésias, outra com comida de gringo. Ambas são servidas em cestas de palha forradas com folhas de bananeira. Após comer, todos têm de deixar essa folha e o resto de comida nos baldes para adubagem. Só os talheres são lavados.
Todos os pais são bem-vindos na escola. Eles podem circular pelo campus, levar seus computadores para se conectarem na rede wi-fi, jogar prosa fora no café, almoçar com as crianças, ou envolver-se em projetos de sustentabilidade. Uma vez por semana, ocorre a assembleia geral com pais, professores e alunos e, a cada 15 dias, os pais se reúnem no chamado Changemaker Forum. “Com tanta gente bacana, seria um desperdício não usar esse coletivo para alavancar projetos comunitários que façam a diferença para um mundo melhor”, diz Ben Macroy. Os projetos são os mais variados: energia renovável, inglês para os balineses, ajuda aos animais em risco de extinção e até um recente, para transformar plástico em algo lucrativo (o plástico é um dos maiores problemas de Bali).
Outra preocupação da escola é com a comunidade ao redor da escola, composta de muitos balineses. “Estamos com muitos carros no ir e vir. Quero que todas as famílias morem perto o suficiente para que as crianças possam vir para a escola a pé”, diz Hardy.
“A escola tem um astral maravilhoso, uma espécie de ímã. Todo esse verde, os espaços abertos. É algo que nos seduz”, diz David Porteus, que há dois anos trocou a Big Island, no Havaí, por Bali, junto com a mulher e os filhos. “Fui me aproximando tanto da escola, que acabei sendo escalado para tomar conta da Student Villa, a vila dos estudantes entre 14 e 16 anos, que estão na escola sem os pais.
A sua história é a de muitos outros, como Chris Thompson, atual CEO da escola. Chris deixou 23 anos de trabalho para uma multinacional do Vale do Silício, a Electronic Arts (EA), ao escutar John Hardy falar. “Em um mês, larguei tudo e trouxe meus filhos para cá. As pessoas perguntam como eu tive coragem. Foi a decisão mais fácil da minha vida”, diz Chris, que chegou como pai e logo assumiu o cargo de diretor-geral. “Tudo é orgânico e de acordo com a vocação”, diz.
A metodologia de ensino da escola é toda feita de mão na massa e de maneira holística. “Nós seguimos o currículo oficial de Cambridge, mas não temos um modelo fixo. O mais importante não é o que ensinamos, mas como ensinamos”, afirma Chris Thompson.
Para o professor do quarto ano, Shaun McGurgan, a escola é um organismo vivo, que ensina sobre o mundo real e na linguagem de cada criança, de cada ano. “Nosso método é centrado no aluno e não nas matérias”, diz. Segundo o professor, cada aluno aprende no seu tempo, com respeito. “E todas as matérias estão interconectadas e integradas”, afirma. “Neste ano, criei um jogo de mitologia nórdica, que auxilia as crianças com música e teatro e histórias, a desenvolver o inglês e a matemática. ”
O calendário das aulas que começam às 8h15 e terminam às 3h15 é dividido em três pilares. As normais: Inglês, Matemática e Ciências; Artes, como drama, pintura, música, dança; e os estudos verdes. Mas nenhuma é totalmente normal. Nas aulas de drama, por exemplo, os alunos podem declamar Shakespeare na mata. No estudo verde, as crianças vão ao campo de arroz, mas fazem o cerimonial de pedir a bênção hindu antes de plantar com os mestres balineses. “Tudo o que eles aprendem é na prática. Não precisam decorar nada e não esquecem mais”, diz Chris Thompson. Questionado se as crianças gostam da escola, Chris dá risada. Pai de dois filhos que estudam na escola, ele diz que, quando dá uma bronca nos filhos, diz: “Se vocês não se comportarem, amanhã não vão para a escola. Vão ficar em casa”. E eles obedecem? “Na hora”, afirma Chris.
Quando questionado se não querem abrir uma filial no Brasil, Chris Thompson disfarça. “Existem escolas verdes no mundo todo. Não é preciso copiar modelos. É preciso estar aberto a inovar e usar a bagagem local. Cada um cada um.” Chris pode ter razão, mas que dá vontade de ver muitas Green School no Brasil e pelo mundo, isso não dá para negar.

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