Confusão política, fascismo e caos institucional, por Aldo Fornazieri
seg, 02/04/2018 - 07:08

Confusão política, fascismo e caos institucional
por Aldo Fornazieri
A
confusão política está instaurada no país e perpassa as esquerdas e
chega à centro-direita. As esquerdas estão demorando em demasia para
formar uma frente antifascista, não para concorrer às eleições, embora
isto fosse desejável, mas para defender a democracia e para barrar a
violência política que ameaça as suas lideranças. Algumas iniciativas
positivas, contudo, se revelaram nos últimos dias: a presença de Boulos e
de Manuela D'Avila no encerramento da caravana de Lula e Curitiba e o
ato que se fará no Rio de Janeiro com os partidos de esquerda e
progressistas em repúdio ao fascismo e em defesa da democracia. Ciro
Gomes precisa ser convidado e precisa participar dessa frente.
Mas
é nas análises que setores de esquerda continuam a semear confusão. Uns
temem que as eleições de 2018 possam não ocorrer. Como já se disse em
outros artigos, não há nem ambiente interno e nem internacional para que
as eleições não ocorram. O Brasil precisa relegitimar o comando
político quase que desesperadamente. Não há a menor condição de
continuar com Temer ou com um substituto de Temer para além deste ano.
Se a situação política e institucional está caótica, a economia entraria
em nova recessão. A não eleições geraria ainda mais incertezas do que a
sua realização está gerando.
É
improvável que a detenção dos amigos de Temer (com a posterior soltura)
tenha força suficiente para afastá-lo do poder. Não porque Temer seja
forte. O governo acabou quando foi decretada a intervenção federal na
segurança do Rio de Janeiro. Mesmo com o governo acabado, tirar Temer
não interessa a um conjunto de forças, notadamente ao PMDB. Tudo incerto
com Temer, as incertezas ficariam maiores sem ele. Ninguém vai querer
arriscar.
Note-se
que a intervenção no Rio fracassou. Não porque as Forças Armadas sejam
incompetentes, mas porque não têm muito o que fazer naquela situação.
Foram chamadas, de forma oportunista e eleitoreira, para uma missão que
não é sua. Até agora, no período que marca a intervenção, se tem a
execução de Marielle e uma montanha de cadáveres.
A
centro-direita (PSDB e agregados) está atônita. Não tem credibilidade.
As confusões de Alckmin acerca dos atentados à caravana de Lula deixou
muita gente perplexa. Depois da execução de Marielle, FHC vê risco de
fascismo, de barbárie, o que é verdade, e apela para a unidade. Mas ele e
o PSDB foram artífices da quebra do consenso democrático ao apoiarem o
golpe. Perdidos, buscam uma tábua de salvação. Sua confusão deverá
aumentar se Joaquim Barbosa se tornar candidato.
Outra
confusão se situa nas expectativas em torno dos desdobramentos que
envolvem Lula. As esquerdas continuam mobilizando as base em atos
convocados para os 45 minutos da vigésima quarta-hora, quando não para a
vigésima quinta, como foi o caso da reforma da Previdência. Há uma
confiança excessiva de que Lula levará o habeas corpus e que possa ser
candidato às eleições. Não se o que fazer se o HC for negado. A única
coisa que parece estar corretamente definida, mas que vem sendo
questionada por setores petistas, é a de que Lula será candidato até o
fim, mesmo que esteja preso.
Mas
é preciso não jogar Lula na vala comum de Temer e de outros
investigados na Lava Jato. Alguns analistas escreveram que o ministro
Barroso, do STF, é inimigo comum de Lula e de Temer. Trata-se de um erro
brutal qualquer aliança tática com os criminosos do PMDB - agora MDB -
para enfrentar a Lava Jato. Se é para enfrentá-la, o PT e as esquerdas
precisam enfrentá-la sozinhos. Sem se misturarem com golpistas.
Lula
deve ser defendido porque é inocente e porque foi condenado sem provas.
Já, Temer e sua quadrilha, vêm cometendo crimes de corrupção no Porto
de Santos há anos, segundo investigações. Não deve ser defendido. Se são
vítimas de erros judiciais, que se defendam. A confrontação à Lava Jato
deve ser feita pelos seus erros e não por seus acertos. Deve ser
confrontada pelo seu caráter persecutório, pelos seus atos de exceção e
pela violação dos direitos e das leis. O jejum de Dallagnol para ver
Lula preso, além de ser ridículo, prova, mais uma vez, o caráter
persecutório da Lava Jato. É urgente, contudo, que as esquerdas se
reapropriem da bandeira do combate à corrupção - inclusive da corrupção
do Judiciário, nas várias formas e na forma de seus privilégios - por
todos os danos que a corrupção causa ao povo e ao país.
Base paramilitar do fascismo
Não
resta dúvida de que os grupos que se articulam em torno da candidatura
Bolsonaro, do MBL, do Vem Pra Rua, do Ceticismo Político e de outros
movimentos, estão constituindo as bases políticas do fascismo no Brasil.
Mas a execução de Marielle e os atentados contra a caravana de Lula
estão indicando que o fascismo está passando de uma fase política para
uma fase paramilitar. Dois grupos armados são facilmente mobilizáveis
para constituir milícias paramilitares fascistas: 1) os milicianos,
particularmente no Rio de Janeiro, e grupos de policiais militares e
civis que atuam à margem da lei ou na linha limítrofe entre o legal e o
ilegal em vários estados; 2) fazendeiros e agroboys, que sempre foram
armados.
Numa
situação de caos político e institucional, de anomia social, de crise
econômica e, diante da percepção de que dificilmente a extrema direita
chegará ao poder pela via das eleições, a opção paramilitar poderá ser
incrementada. E, mesmo admitindo-se a hipótese, hoje improvável, de
vitória de Bolsonaro, a organização de milícias paramilitares fascistas
seria ainda mais facilitada. Existe um colapso da noção de autoridade,
pois Executivo, Legislativo e Judiciário estão desmoralizados e boa
parte dos cidadãos não acredita em saída política. Esta é uma massa
disponível para ser manobrada pela ideologia fascista. Daí a urgência de
articular uma frente e adotar medidas antifascistas e de defesa da
democracia.
Caos Institucional
Depois
que a crise varreu o Executivo e o Legislativo, o Judiciário se
instituiu em artífice do caos constitucional e institucional. Era o
único poder que poderia usar o freio de arrumação. Mas ao invés disso,
soltou o freio e jogou o país rumo ao abismo. Validou e ele mesmo
promoveu inúmeros ataques à Constituição: não reagiu a um impeachment
sem crime de responsabilidade, chancelando o golpe; de forma
inescrupulosa, o STF, com o prego derradeiro de Cármen Lúcia, abriu mão
do poder de controle constitucional da própria Corte para salvar Aécio
Neves, conferindo poder judicial ao Senado; contra a Constituição,
validou a prisão após condenação em segunda instância derrubando o
princípio da presunção de inocência; no caso Maluf, dois ministros
negaram o habeas corpus e um o concedeu; Cármen Lúcia se negou a colocar
novamente em exame o instituto inconstitucional da prisão após segunda
instância por interesse pessoal de prejudicar Lula; uma turma do STF
mantém a prisão de condenados em segunda instância e a outra manda
soltá-los, e assim vai. São dezenas de atos ilegais e contra a
Constituição cometidos pelo STF e por juízes de tribunais inferiores.
É
preciso perceber o seguinte: qualquer Suprema Corte tem o poder de
criar norma onde há vácuos, fendas, na Constituição e nas leis. Mas
nenhuma Suprema Corte pode criar normas contra a Constituição, contra
sua letra e contra o seu espírito, sua intenção e seus princípios. O STF
está criando normas contra a Constituição, está interpretando contra o
espírito e a letra da Constituição e está julgando contra a
Constituição. Isto é o fim da ordem constitucional. É o caos
institucional.
O
fim, a desmoralização da autoridade constitucional e judiciária é campo
fértil para o crescimento do fascismo. Neste momento trava-se uma luta
tenaz entre a democracia e o fascismo. Se os democratas forem ingênuos,
se acreditarem num judiciário corrompido, desmoralizado e tomado de
ideologia, o que resta de democracia correrá riscos terríveis. Por outro
lado, não se pode crer que os fascistas utilizarão métodos democráticos
e pacíficos na luta política. É preciso preparar-se e organizar-se para
detê-los.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP)
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