sexta-feira, 20 de abril de 2018

Cultura

Entrevista

Chico de Oliveira: “A esquerda reformista ainda tem futuro"

por Sergio Lirio publicado 29/03/2018 00h30, última modificação 28/03/2018 16h58
Segundo o sociólogo, que acaba de lançar um novo livro, cabe ao campo progressista insistir nas mudanças pela via institucional

Cauê Gomes
Chico de Oliveira: "Não tem mais revolução possível"
Não há nada antes nem depois de Getúlio Vargas, avalia Oliveira.
Na manhã da entrevista, Chico de Oliveira parece recomposto da hemodiálise semanal. Está bem disposto e afiado. Faz piada de si mesmo e do cenário político. Transpira, na verdade, a essência de seu mais recente livro, “Brasil: Uma Biografia Não Autorizada”, uma coletânea lançada pela Boitempo que mescla textos inéditos com artigos publicados nos anos recentes.
Apesar das reformas do governo Temer, que visam destruir de vez a era varguista, Oliveira soa otimista em relação ao futuro. Segundo ele, ainda há espaço para uma esquerda reformista, em contraposição ao esgotamento do pensamento revolucionário. Insistir nas reformas, ressalta, é o papel das forças progressistas no mundo contemporâneo.
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Em certa medida, o sociólogo, que trocou o PT pelo PSOL, atenua suas críticas ao partido de Lula. A legenda, diz, “transformou a estrutura política em algo mais fundamentado na estrutura social”.
O sociólogo compara ainda o PSDB à UDN, partido de oposição a Getúlio Vargas. “Os tucanos jamais vencerão uma eleição. Eles são a UDN dos anos 40, 50 e 60”.
Confira os principais trechos da entrevista:
O Brasil atual
O Brasil cresceu muito desde o século XX, mas de uma maneira muito desequilibrada. Essa é uma característica do País. Não foi assim na Europa Ocidental ou nos Estados Unidos. Não conseguimos realizar uma distribuição de renda mais equilibrada.(...)
(...) Passou o tempo em que grandes reformas estruturais poderiam melhorar a situação dos mais pobres na escala social e econômica. O máximo que uma economia dessa faz é tapar o sol com a peneira.
Temos 200 milhões de habitantes, não é mais tão fácil equilibrar as classes sociais. Não há na história mais reformas para esse contingente. A revolução é um conceito ultrapassado. Não se espera mais revoluções sociais capazes de mudar a estrutura econômica e de classes.

Brasil: Uma Biografia Não Autorizada
Francisco de Oliveira
Boitempo
176 págs.
R$ 45

O PT
O PT não era uma força revolucionária e nunca se propôs a isso, portanto não enganou ninguém. Sempre foi um partido reformista, mas forte. Esse reformismo determinado se esvaiu.
O PT realizou uma missão e seria torpe não reconhecer. O impulso reformista também se atenuou. E o interessante: isso aconteceu não pelo fracasso, mas pelo êxito (...) O Brasil é muito mais complexo hoje do que nos anos 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder. A estrutura de classes é muito mais complexa.
O partido transformou a estrutura política em algo mais fundamentado na estrutura social. O Brasil era um país de classe média sem um partido de classe média. Os partidos comunistas desapareceram no mundo todo. Não desapareceram à toa. A Itália moderna é uma criação do Partido Comunista com os democratas-cristãos. Eles realizaram uma enorme tarefa, de modernizar o capitalismo.
O processo contra Lula
Dificilmente uma sentença como esta é justa. Ela tem forte caráter político, sem dúvida. E esse forte caráter político anula as possibilidades do Lula. Ele não é revolucionário, nem nunca bancou, portanto, se os recursos não prevalecerem, ele terá de cumprir a sentença. Depois serão outros quinhentos. Haverá uma batalha política formidável e essa batalha levará provavelmente a uma absolvição. Aí estão as esperanças dele.
O fim das revoluções e o papel das esquerdas
Não tem revolução possível, pois as reformas estruturais foram feitas. Vargas não é à toa. É o grande reformista político no Brasil. O Juscelino era o “oba-oba” do desenvolvimentismo. O grande político da história do Brasil chama-se Getúlio Vargas. O que temos hoje é o que o Getúlio implantou. Não tem nada para trás e nada para a frente.
Cabe insistir pelas reformas. Esse é o papel das esquerdas. A esquerda reformista tem futuro, a esquerda revolucionária não tem. Esta já fez o que tinha de fazer.
Assista à entrevista em vídeo:

A herança varguista e a Petrobras
Os Estados Unidos nunca perdoaram ao Brasil a solução estatal do petróleo. Sempre foi o ponto de choque. Mas podemos dizer que a Petrobras hoje é estatal?. A Petrobras está entre as 50 maiores empresas do mundo. E é a maior brasileira. Isso é um fracasso? Com as armas do capitalismo você empurrou a economia brasileira para o centro do sistema. A solução estatal foi vitoriosa. 
O PSDB
A crítica neoliberal dá em quê? Dá em que os tucanos jamais vencerão uma eleição. Os tucanos são a UDN dos anos 1930, 40, 50. Vocês não sabem o que era a UDN. Chamava-se União Democrática Nacional. Mas não era uma união, não era democrática e não era nacional. O grande partido da revolução brasileira nenhum de nós aceita, por que temos o coração à esquerda. O grande partido se chamou Partido Social Democrata, que não era partido, não era social e não era democrata. Era o partido dos grandes proprietários rurais, que fizeram o Brasil moderno. A grande contradição brasileira é que o País moderno foi construído por um partido de base rural.
Ditadura
A ditadura foi a solução de parte das classes dominantes para o impasse político. João Goulart não era um herdeiro à altura de Vargas. Nem a direita nem a esquerda tinham força para ocupar o poder. A esquerda havia perdido toda a capacidade reformista e a direita não tinha nenhuma. Isto é a ditadura, que durou 20 anos. Não por acaso, a ditadura brasileira não foi retrógrada do ponto de vista econômico. Ela empurrou a economia. E como a gente sai da crise, de 20 anos de ditadura? Nenhum de vocês teria motivos para se envergonhar, são jovens. Eu teria. A gente sai com Tancredo Neves (risos). Tancredo Neves era a solução. Era um absurdo tão grande..., mas a história realiza absurdos.

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