Mulheres em evidência
Para ser pilar é preciso não se mover. Assim nos quer a Igreja
A nós não interessa ser pilar. Nos interessa o movimento dialético da
história que nos impulsiona a seguir abalando as estruturas patriarcais
Dieine Andrade/Catarinas

'A Igreja nos quer mulheres imóveis, sustentando estruturas pesadas nos ombros'.
Com o tema “A mulher: pilar na edificação da igreja e da sociedade na América Latina”,
reuniu-se a Comissão Pontifícia para a América Latina entre os dias 6 e
9 de março no Vaticano para tratar da relação entre a mulher e a Igreja
Católica. O tema, segundo o jornal do Vaticano L'Osservatore Romano, foi escolha do papa Francisco.
De cara o tema nos suscita questionamentos importantes
no que se se refere à visão hegemônica manifestada pela hierarquia
católica a respeito da posição que ocupa e/ou deve ocupar a “mulher”
(termo é utilizado no singular) na estrutura eclesial segundo o
entendimento desta mesma hierarquia.
Pensemos na expressão “pilar” que é utilizada para
caracterizar em relação a Igreja Católica. Pois bem, pilar em uma
definição simples, é um elemento que confere sustentação, suporte a uma
determinada estrutura.
Para tanto, não é possível que se mova, que modifique
sua posição, muito menos que ganhe vida própria. Imagine um pilar
dançando por aí, dando cambalhotas, ou mesmo dando um passo tímido
sequer. Não pode! Faria desmoronar toda a estrutura sustentada sobre sua
imobilidade. Transpondo estas características para o campo figurativo, o
título nos leva a suspeitar que características análogas se pretende em
relação às mulheres (o plural é nosso).
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Se o tema nos chega em caráter de suspeita, o
documento final e as manifestações de integrantes da comissão não
deixam a menor dúvida de que o entendimento da mulher enquanto pilar
pressupõe a permanência de sua posição dentro das estruturas de maneira
inalterada. Ou seja, a manutenção de seu alijamento das funções
relacionadas ao poder e decisão católicos.
Não há o reconhecimento das mulheres enquanto
intelectualidades válidas, historicamente negligenciadas, ou qualquer
indicação de alteração estrutural de modo que possam participar da
Igreja em igualdade de condições, cumprindo as mesmas funções, inclusive
sacerdotais, que os homens.
Pelo contrário, há um esforço em estabelecer limites à
participação efetiva das mulheres, conferindo a estas limitações um ar
aparente de benevolência e avanço. Ao mesmo tempo que afirma que Igreja
Católica na América Latina deve reconhecer e apreciar o papel das
mulheres e parar de usá-las apenas como trabalhadoras submissas nas
paróquias, deixa claro que este papel se relaciona a características
maternas de cuidado e orientação.
Exemplo disso, é a indicação de que as mulheres devem
fazer parte "das equipes de formação, dando-lhes autoridade para ensinar
e acompanhar os seminaristas, bem como a oportunidade de intervir no
discernimento vocacional e no desenvolvimento equilibrado dos candidatos
ao ministério sacerdotal".
Também é possível perceber críticas a uma “influência
negativa das telenovelas” sobre as mulheres, apontando as mesmas como
destruidoras de casamentos e da família tradicional. As novelas, dizem
eles, tentam sabotar a maternidade, que é representada nos folhetins
como algo que aprisiona e reduz as possibilidades do bem estar e
progresso das mulheres.
A figura de Maria como "uma mulher livre e forte,
obediente à vontade de Deus", também é reivindicada pelo documento como
podendo ser crucial para "recuperar a identidade da mulher e seu valor
na igreja". que evidencia uma associação iniludível, neste
entendimento, entre mulher e mãe.
Não é preciso dizer muito a respeito da obediência à
uma suposta vontade de Deus, a qual o clero se julga conhecedor. Não
cabe às mulheres nesta perspectiva questionar a posição que lhe é
destinada.
Neste mesmo sentido, Dom Odilo,
que participou dos trabalhos da comissão, afirmou que “a mulher será
dignificada não a medida que ela ocupa o lugar do homem, ou está
disputando o mesmo lugar do homem. A mulher será importante à medida que
desempenhar aquilo que é próprio dela.”
As mulheres seguem sendo vistas e enquadradas em uma
concepção essencialista, “natural”, portanto não passível de alteração.
Mas o que seria próprio da condição feminina? Seria de fato possível
estabelecer algo como universalmente válido para toda e qualquer mulher,
em qualquer espaço, em qualquer tempo? Seriam as mulheres imunes ao
movimento histórico, às transformações culturais?
Na realidade sabemos, e há muito vem sendo
problematizado pelas feministas, que a afirmação de uma pretensa
essência das mulheres, serve em última instância à manutenção de
estruturas de poder baseadas em múltiplas desigualdades, entre elas, a
de gênero. Ou seja, a mulher tem sua importância desde que não ouse sair
do seu lugar, podendo servir a Igreja como orientadora, cuidadora,
restrita ao que é “próprio de sua condição”.
Neste momento em que a Igreja Católica estuda a
realização de um sínodo sobre “a mulher na vida e na missão da igreja”,
como resultado do encontro de março, nos parece evidente que estará
presente mais uma vez esta visão limitante, que nos é apresentada como
grande avanço na tratativa do papel da mulher na Igreja Católica.
Uma reunião dos príncipes da Igreja passa ao largo de
apresentar uma mudança significativa que dê conta de alterar estas
estruturas sustentadas pela desigualdade. Estrutura da qual são parte
privilegiada.
A Igreja nos quer assim, mulheres imóveis, sustentando
estruturas pesadas nos ombros, sem movimento, sem questionamentos, sem
alterar o lugar que nos é determinado pela ordem patriarcal. Inertes
diante da desigualdade.
Mas a nós não interessa ser pilar. Nos interessa o
movimento dialético da história que nos impulsiona a seguir abalando as
estruturas patriarcais.
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