DCM: Moro-Youssef. O que um sabe do outro
Quem vai reabrir as páginas sujas do Banestado
publicado
30/10/2016

O Conversa Afiada reproduz artigo de Paulo Muzell, publicado pelo DCM:
Moro e Youssef: personagens de uma longa história
Os dois são paranaenses, quarentões.
Sérgio Moro de Maringá, Alberto Youssef de Londrina. O primeiro vem de
uma família de classe média alta, filho de professor universitário,
formou-se cedo em direito, fez pós-graduação, tornou-se juiz federal,
estudou no exterior. O segundo, o Youssef não teve a mesma sorte. Filho
de imigrantes libaneses pobres, aos nove anos já vendia pastéis nas ruas
de Londrina. Muito esperto, ainda guri, pré-adolescente, já era um
ativo sacoleiro. Precoce, antes de completar 18 anos já pilotava
monoplanos o que lhe possibilitou uma mudança de escala, um considerável
avanço nas suas atividades de contrabandista e doleiro. Com menos de
trinta anos tornara-se um bem sucedido “homem de negócios”, dono de
poderosa casa de câmbio, especialista em lavagem de dinheiro e remessa
ilegal de dólares para o exterior. Em meados dos anos noventa operava em
grande escala repassando recursos que “engordavam” o caixa 2 das
campanhas de políticos importantes do Paraná e de Santa Catarina, dentre
eles Álvaro Dias, Jayme Lerner e Jorge Bornhausen.
Alberto Youssef foi, também, figura
central na transferência ilegal de bilhões de dólares oriundos de
atividades criminosas e de recursos desviados na farra das privatizações
do governo FHC.
Em novembro de 2015, o jornalista
Henrique Berangê publicou na revista Carta Capital uma instigante
matéria com o seguinte parágrafo inicial: “O juiz Sérgio Moro coordena
uma operação que investiga sonegação de impostos, lavagem de dinheiro,
evasão de divisas intermediadas por doleiros paranaenses. Foram
indiciados 631 suspeitos e remetidos para o exterior 134 bilhões de
dólares, cerca de 500 bilhões de reais.” Operação Lava Jato, 2014? Não,
ele se referia ao escândalo do Banestado ocorrido no final dos anos 90. A
privatização desse banco estatal comprado pelo Itaú segundo estimativas
trouxe um prejuízo de no mínimo 42 bilhões de reais aos cofres públicos
do país. Mas antes do banco ser vendido, sua agência em Nova York foi o
porto seguro dos recursos bilionários para lá transferidos pelos
fraudadores.
Na segunda metade dos anos noventa
através das contas CC5 o então presidente do Banco Central Gustavo
Franco escancarou as portas para uma sangria de recursos que daqui
migraram para engordar as polpudas reservas de empresários, políticos,
grupos de mídia no exterior. Sem dúvida o maior episódio de corrupção da
história do país. Foi aberta uma CPI no Congresso, virou pizza; o Banco
Central boicotou as investigações e a imprensa silenciou. Só a Globo
enviou 1,6 bilhões de dólares, mais de 5 bilhões de reais. Além das
grandes empreiteiras na lista dos fraudadores lá estavam também outros
grupos da mídia: a editora Abril, o Correio Brasiliense, a TVA, o SBT,
dentre outros. A justiça foi convenientemente lenta, os crimes
prescreveram, só foram punidos alguns integrantes da “arraia miúda”.
Ironias da história: a corporação Globo, futura “madrinha” de Moro
cometeu os mesmos ilícitos que mais tarde seriam por ele denunciados na
operação Lava Jato. Desta vez, porém, as diligências policiais e ações
judiciais não foram arquivadas e Moro pôde posar de “campeão na luta
contra a corrupção, herói nacional.”
O silêncio da mídia repetiu-se em 2015
quando a operação Zelotes denunciou que membros do Conselho de
Administração de Recursos Fiscais, o CARF estavam recebendo propinas
para livrar grandes empresas de multas aplicadas por prática de
sonegação de impostos. Bilhões de reais de dívidas da Gerdau, da RBS, do
Banco Safra, do Banco de Boston, da Ford, do Bradesco, dentre outras
empresas e grandes grupos da mídia. As apurações preliminares estimaram
que mais de 20 bilhões de dólares foram desviados dos cofres públicos,
sendo este montante apenas a “ponta do iceberg”. Certamente a
continuidade das investigações chegaria a valores muito maiores.
Começou lá nos primeiros anos da década
passada, o idílio Moro-Youssef, em 2003 para ser mais preciso. Apesar
do protagonismo central do doleiro na prática de ilícitos, ele foi
beneficiado pela delação premiada, ficando livre, leve e solto.
Prosseguiu, é claro, na sua longa e bem sucedida carreira de crimes
bilionários. Observe-se que na delação premiada a redução da pena ou o
perdão é concedido ao réu sob expressa condição de promessa de ilibada
conduta futura.
É claro que a biografia de Youssef não
poderia alimentar nenhuma esperança de regeneração, de que ele
abandonasse as práticas ilícitas.
Onze anos depois, em março de 2014, na
fase inicial da operação Lava Jato, Youssef foi novamente preso por
Moro. Foi constatado que ele era o principal operador das propinas que
alimentaram o caixa das campanhas de inúmeros políticos especialmente do
PP e do PT no chamado Mensalão 2, ocorrido em 2005. O primeiro, o
Mensalão 1, o da compra dos votos para a reeleição de FHC não teve
consequências porque Geraldo Brindeiro, o Procurador Geral da República
das 626 denúncias criminais dos seus oito anos no cargo (de 1995 a
2003), arquivou mais de 90% delas, encaminhando para indiciamento pelo
Judiciário apenas 60, justamente as de importância menor e que envolviam
personagens secundários. Brindeiro ficou por isso nacionalmente
conhecido como o “engavetador-geral da República“. A grossa corrupção
que marcou os dois períodos do governo Fernando Henrique foi varrida
para de baixo do tapete: o Ministério Público Federal e o Poder
Judiciário taparam o nariz e fecharam os olhos.
A delação premiada de Youssef realizada
em 2014 e 2015 foi justificada por Moro pela importância que teve para a
obtenção de provas que culminaram em dezenas de indiciamentos e prisões
de importantes figuras, possibilitando a comprovação de desvios
bilionários. Fala-se que a Lava Jato apurou pagamentos de propinas de
valores acima dos 10 bilhões de reais, valor expressivo mas que, pasmem,
representa apenas 1,7% dos valores desviados dos cofres públicos nos
episódios do Banestado e da operação Zelotes.
Segundo o noticiado, Youssef foi
indiciado em nove inquéritos. Algumas ações com sentenças já transitadas
em julgado resultaram em condenações que totalizaram 43 anos de prisão
em regime fechado. Há ainda outras ações que, na hipótese de ocorrer a
condenação, poderiam resultar em 121 anos e 11 meses de prisão. Sérgio
Moro anunciou este mês que pela contribuição que a delação de Youssef
trouxe para a operação Lava Jato, sua pena foi fixada em três anos, dois
quais dois anos e oito meses já cumpridos. A partir de novembro ele
deixará o regime fechado e vai passar os meses restantes em prisão
domiciliar.
A legislação penal tipifica o ilícito e
determina a pena de acordo com sua gravidade. Cabe ao juiz na sentença
aplicar a sanção que a lei determina. O que pode ser questionado na
delação premiada é que não existe na lei a dosimetria que imponha ao
magistrado um limite para a redução da pena. O caso de Youssef é um
exemplo típico: Sérgio Moro, se considerarmos as graves ilicitudes, os
valores envolvidos e as inúmeras reincidências do doleiro foi
extremamente indulgente, generoso. Alberto Youssef estaria certamente
fadado a morrer na prisão cumprindo as penas a que foi condenado. Em
novembro, no entanto, já estará em casa e em março do ano que vem solto.
Muito provavelmente preparado e disposto a cometer novos crimes.
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