Medo de Lula
O ex-presidente deixa um recado para o futuro,
valioso para entender o presente
Ricardo Stuckert/Instituto Lula

A imagem assustadora do único, verdadeiro líder popular
Impecável texto assinado por Luiz Inácio Lula da Silva publicou a Folha de S.Paulo
na terça 18, debaixo do título “Por que querem me condenar”. Um
documento para a história, altivo e sereno, digno de um estadista, e
impecável, repito, na forma e no conteúdo.
O ex-presidente da República
escreve infinitamente melhor do que a larga maioria dos jornalistas
nativos e, ao contrário destes, deita os advérbios no lugar certo.
Irretorquível a demonstração das razões da perseguição e da
inconsistência das acusações, a não ser que sobrem apenas, como única
prova, a política social e a política exterior postas em prática pelo
governo Lula em seus dois mandatos. A isto acrescentaria uma verdade
factual: o ex-presidente parte favorito de qualquer pleito presidencial.
Inútil acentuar que as razões acima chocam-se de frente
com os interesses da casa-grande, admiravelmente defendidos pelo regime
de exceção em vigor, graças ao conluio dos três poderes afinados no golpe,
a contarem com a força da polícia e a propaganda da mídia. Trata-se de
um arremedo fascistoide, adequado ao país da casa-grande e da senzala,
como se fossem possíveis acenos de modernidade em plena Idade Média.
Outra prova emerge do texto de Lula, sem contar a ironia da publicação na página 3 do Folhão,
o jornal que o convidara para um almoço em julho de 2002, a incluir no
cardápio uma entrevista. Bom recordar: o filho do anfitrião Otavio
Frias, o Otavinho diretor da redação, cuidou na ocasião de duvidar
abertamente da capacidade de um ex-metalúrgico exercer a Presidência da
República. O hóspede ergueu-se, jogou o guardanapo sobre a mesa e
dirigiu-se para os elevadores. O velho Otávio seguiu o ofendido, ao
tentar demovê-lo da decisão de se retirar. Não houve jeito. Mais tarde
Lula reconheceu o gesto fidalgo do dono da casa.
Quanto à prova, é de evidência solar: o
Brasil é hoje um país sem lei e sem Justiça, uma espécie de faroeste, ou
de Chicago na época da Grande Depressão. Carecemos, porém, de
jornalistas como aquele de uma das obras-primas de John Ford, O Homem Que Matou o Facínora,
impávido defensor da verdade factual. Contamos, em contrapartida, com
os porta-vozes iletrados da casa-grande, sabujos dos patrões, dos quais
assumem ódio e raiva para externá-los nas páginas impressas, no vídeo,
nos microfones, pela internet.
O papel da mídia nativa
é oposto àquele da personagem de Ford. Fundamental neste contexto
tragicômico bastante peculiar, em que a encenação de uma ópera-bufa se
transforma em tragédia e nela se cristaliza. A mídia foi e é decisiva
para tornar verdade a mentira, realidade a ficção, ao estabelecer um
círculo vicioso entre vazamentos seletivos, delações premiadas, a pronta
divulgação do material que a república de Curitiba fornece
pontualmente, o retorno aos promotores milenaristas para a solicitação
do indiciamento a partir de suas convicções, aceitas de imediato como provas pelo camisa preta Sergio Moro.
Logo se entende por que Michel Temer trata de pagar a
conta dos prestadores do mais eficaz serviço a bem do golpe, e o prêmio é
imponente como será provado pela reportagem de capa desta edição. Quem
dá recebe, e a mídia exorbitou na sua contribuição, determinante, é o
caso de dizer. A publicidade governista rega generosamente as hortas
midiáticas e lhes traz alento quando as ameaça a aridez do momento, tão
incerto, por exemplo, para a imprensa propriamente dita.
CartaCapital é excluída dessas
benesses porque o regime é de exceção e quantos praticam o jornalismo
honesto e, portanto, denunciam o golpe e condenam o seu resultado, não
merecem favores. Pelo contrário, na esperança golpista habilitam-se à
morte lenta, tanto mais em tempos de penúria da publicidade privada.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, também sofremos um capitis diminutio neste específico aspecto, graças ao denodado esforço do então ministro Andrezinho Matarazzo.
Quando Lula foi empossado pela primeira
vez, janeiro de 2003, chamou-me a Brasília para falar das coisas da
vida, as nossas e as do País. Somos amigos há muito tempo, no ano
próximo celebraremos 40 anos de convívio bem-sucedido. Vinha eu da
deplorável experiência sofrida com FHC e disse ao amigo presidente
esperar do novo governo a isonomia na distribuição da publicidade
governista. O então chefe da Casa Civil, José Dirceu, que se juntara a
nós tão logo o assunto veio à baila, anotou diligentemente o meu pedido.
Isonomia foi. Em termos, só mesmo os
governos do PT agiram democraticamente e, às vezes, até exageraram.
Deu-se, por exemplo, que lá pelas tantas a revista Exame, da Editora Abril, quinzenal de negócios, tivesse mais anúncios governistas do que a semanal CartaCapital,
de política, economia e cultura. Entregues ao dever democrático e
republicano, os governos petistas aplicaram com rigor calvinista um
certo “critério técnico”, baseado em tiragens e audiências. Há exceções à
regra mundo afora, a se levar em consideração a influência do órgão
midiático junto a setores da sociedade ou ao próprio poder, onde quer
que se situe.
Exceções não houve, de todo modo. Nem por isso, escapamos à pecha de “revista chapa branca”, levada adiante até o naufrágio da nau de Dilma Rousseff,
por jornalistas, colunistas, editorialistas, com intrépida dedicação e
irredutível fervor. Havia mesmo quem, a cada edição, fizesse as contas
dos nossos anúncios para concluir que, às vezes, em maioria eram do
governo, sem falar dos balanços periódicos publicados pelo Folhão.
As calúnias partiam de medíocres recalcados, escribas ou
bichos falantes inclinados a iniciar o período com um porém ou um
gerúndio, e a banir de vez o uso do subjuntivo, além de alimentarem a
certeza de que, por nos agredir, agradavam ao patrão antes do seus egos.
Mas os patrões enchiam as burras graças ao PT. Agora, com o governo do
golpe, já não corremos o risco de acusações mentirosas. Voltamos ao
nosso lugar.
Trata-se de um reconhecimento importante. Da nossa honestidade, do nosso antigolpismo,
da nossa independência. Do irredutível respeito que temos pelos
leitores. Contra o festival de hipocrisia, prepotência e velhacaria que
assola o País, como diria Stanislaw Ponte Preta. Nesta moldura, vale
enquadrar a prisão de Eduardo Cunha. A enganação prossegue
impavidamente: não passa de uma preliminar da prisão de Luiz Inácio Lula
da Silva.
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