Salvemos o Brasil
Com o golpe naufraga o país, cuja importância transcende a desastrada
prepotência dos golpistas. Como escapar a este enredo trágico, mas
também ridículo?
Ricardo Stuckert
A 17 de abril de 2016, a Câmara aprovou o impeachment da
presidenta Dilma Rousseff e deu início ao processo que se concluiria
com o golpe e a posse do governo ilegítimo de Michel Temer. Um ano
depois, a nau dos insensatos soçobra miseravelmente, mas o naufrágio não
é somente dos golpistas, e sim do País.
Simples explicar por quê. A tripulação do barco furado é bem maior do que a lista de Fachin.
Nela figura com o devido destaque o próprio Supremo Tribunal Federal,
conivente com o golpe e com irregularidades, deslizes e absurdos
jurídicos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato,
que tão eficazmente cuidou de destruir inteiros setores da nossa
economia, além de perseguir com prioridade Lula e seu partido.
E na tripulação cabe a Polícia Federal,
que se prestou a desservir ao País para funcionar como braço armado do
golpe em substituição aos tanques de 1964. E cabe à mídia nativa,
decisiva na obra de propaganda destinada a empolgar os burguesotes
empafiosos e quem os inveja na crença de que bastaria defenestrar Dilma
para ser feliz. E não esqueçamos os paneleiros e os marchadores de
camiseta canarinho, e os patos da Fiesp e os extasiados rentistas, fiéis do deus mercado.
Se nove ministros são denunciados, como haverá de cumprir
sua missão o governo? E todos sabemos que, caso não tivesse sido o
indicado pela hipocrisia do golpe, Temer estaria no rol com toda a
honra.
E como poderá atuar um Congresso em que a denúncia alcança
mais de 20 senadores e mais de 40 deputados? Sem contar que ali em um
dos mais imponentes palácios de Niemeyer, hospeda-se uma maioria de
merecedores do anátema da deusa vendada.
Não há como duvidar do acerto de inúmeras
denúncias, mesmo assim no Brasil Têmis costuma dobrar-se à vontade do
mais forte e de caso pensado tira a venda. Mais forte no país medieval é
a casa-grande, movida a ódio de classe e inaudita prepotência.
É do conhecimento até do mundo mineral
que o primeiro objetivo da Lava Jato, alavanca do golpe, foi alijar Lula
da corrida presidencial de 2018 e demolir o partido por ele fundado
logo após a reforma eleitoral editada pela ditadura. Aos botões, a
pergunta: haverá eleições em 2018?
CartaCapital passou
a profetizar o caos desde a vitória de Dilma em 2014. Raymundo Faoro
ensinou-me que o verdadeiro profeta é em verdade mensageiro, sujeito a
uma lógica inescapável em lugar de virtudes divinatórias.
A constatação da incompetência e da
parvoíce dos golpistas e da credulidade da maioria permitia prever o
desfecho. O próprio governo Dilma caiu no jogo ao oferecer contribuição a
um fenômeno de autofagia da chamada classe política que encontra
escassos paralelos na história do homem. Talvez nenhum.
Desastre anunciado, em suma, precipitado
pela aliança entre mafiosos desastrados e fanáticos do apocalipse, a se
valerem da tradição de impunidade e da ignorância da plateia, disposta a
aceitar, sempre e sempre, a imposição da lei do mais forte.
O único líder popular brasileiro, Luiz
Inácio Lula da Silva, alvo privilegiado dos milenaristas de Curitiba, é
também o único em condições de esclarecer a nação aturdida a respeito
das chances futuras em meio a uma situação trágica, conquanto não isenta
de aspectos francamente ridículos.
CartaCapital sabe que neste exato instante Lula convoca os envolvidos do PT na
lista de Fachin para que exponham suas razões. Por ora, é convicção do
ex-presidente de que tudo terá ainda de ser provado, tanto a respeito de
adversários quanto de correligionários.
Sabe das falsas acusações atiradas contra ele e admite a
possibilidade de que haja muitos outros injustiçados. De todo modo,
parece certo que ainda haverá um seu pronunciamento a respeito de um
momento de tamanha incerteza.
CartaCapital entende que da sua capacidade de
ponderação, do seu faro político e do seu poder de liderança, que o
tornam favorito ao próximo pleito, depende em grande parte o
comportamento da maioria. Onde está a saída?
A menos traumática, na convocação de eleições no mais
curto espaço de tempo possível, de sorte a entregar ao povo a palavra
final. Seria da responsabilidade da presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia,
a convocação eleitoral, a garantir o respeito à Constituição traída.
Uma dúvida subsiste: que esperar desta Alta Corte, inerte diante do
golpe?
A outra saída,
imaginável agora ao rufar dos tambores da divulgação da lista de Fachin,
está na agitação social. Haverá quem fale da “cordialidade” do povo
brasileiro, ou da sua tradicional resignação.
A situação, entretanto, é severamente
complicada pelo avanço inexorável da recessão, com todas as suas
consequências, a começar pelo desemprego em alta. Até quando haverá de
funcionar uma tradição a afundar raízes em três séculos e meio de escravidão? Até por isso, o comportamento de Lula é determinante quando afloram sinais de inconformismo popular.
A atitude do ex-presidente terá também notável influência
no plano internacional. Na tarde de terça-feira 11, dois advogados de
Lula tiveram em Roma uma reunião em uma sala da Câmara italiana com a
presença de autoridades, parlamentares e juristas, e expuseram com
clareza a situação do País e do seu representado, acusado sem provas
pelos promotores curitibanos.
Convincentes aos ouvidos dos presentes, não conseguiram
registro na mídia. A Itália e a Europa também vivem uma crise enquanto
as bombas do terrorismo explodem em todo canto e a cada hora. Só a
presença de Lula pode tornar a situação do Brasil e do ex-presidente um
caso internacional.
A despeito do golpe e de seus resultados,
o Brasil tem enorme peso político e econômico no cenário mundial.
Perdeu o papel de protagonista que já exerceu, bastaria pouco para
retomá-lo, a partir de um raide europeu do próprio Lula para levar o
mundo a compreender a dimensão de uma crise que também o atinge.
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