O carteiro só toca uma vez
Ninguém me tira da cabeça que Lula poderia ter evitado o golpe
Ricardo Stuckert

As caravanas encheram as praças, tarde demais, porém
Uma carta chegou a Lula no
cativeiro curitibano. Assinada por um fiel companheiro do ex-presidente,
deixa claro que ele preferia outro em lugar do ungido Haddad.
Teme que se repita quanto se deu com Dilma Rousseff. Diz ter ouvido
referências preocupantes a respeito de comportamentos do escolhido na
prefeitura de São Paulo: centralizador e escassamente inclinado a manter
contato com gente do povo.
Entra em jogo, segundo o missivista, uma questão de classe
social, de sorte a imaginar em Haddad um resistente natural à ideia de
radicalizar, a ser cultivada desde já na perspectiva do futuro. O
ex-prefeito, uma vez alçado a candidato à Presidência, precisa entender
de imediato que, se vencer o pleito, terá sido graças à força de Lula e
do esforço coletivo de quem se empenha a favor do PT.
A carta existe, não é invenção do acima assinado, e tal é a
verdade factual. E navega sobre a falta de esclarecimentos a respeito
das razões da escolha e sobre a apressada convocação de um vice do vice enquanto o ex-presidente continua candidato.
Lula tem autoridade e poder para ungir quem bem entende,
assim como a teria se escolhesse a si próprio em vez de Dilma em 2014,
ou após a reeleição, no momento de formar o novo governo, assumisse a
chefia da Casa Civil, ou desde a posse da presidenta organizasse as
fluviais caravanas que tardiamente promoveu quando a Inquisição já o
condenara.
Houve um misto de hesitação e confiança
temerária nas chances de negociação, embora o golpe se perfilasse no
horizonte próximo com o objetivo final de alijar da eleição presidencial
o favorito absoluto. Fica provada a incapacidade de perceber, em toda a
sua dimensão, a ferocidade da casa-grande, capaz de promover a politização do Judiciário, de se valer das quadrilhas instaladas no Executivo e no Legislativo, e de se manifestar por meio da mídia nativa.
O problema é a forma mentis: não
faltam no PT os crentes da conciliação velha de guerra, embora não
participem da chamada elite, enquanto um respeitável número de tucanos
honorários se declara petista.
Sou amigo de Lula
há mais de 40 anos e, desde o começo de 1978, acompanhei as greves
deflagradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema,
desassombrada forma de resistência à ditadura, e a gestação do Partido
dos Trabalhadores, enfim surgido com um forte ideário de esquerda após a
reforma partidária do final de 1979, levada a cabo pela ditadura com o
propósito de estilhaçar o MDB do doutor Ulysses.
Daí em diante, sempre votei no partido e
no seu fundador, na qualidade de cidadão e de jornalista, na certeza de
que um forte partido de esquerda seria indispensável à modernização do
País. Nunca me filiei ao PT, a despeito da insistência de outro amigo,
Jacó Bittar, dono, aliás, do famoso sítio de Atibaia posto à disposição
nos fins de semana da família Lula da Silva em proveito da fúria
inquisitória de Sergio Moro.
O apoio a Lula acabou por me indispor com dois patrões em fases distintas de IstoÉ,
Fernando Moreira Salles, em 1981, e Domingo Alzugaray, em 1993, quando
já havíamos deixado de ser sócios. Em ambas as situações, perdi o
emprego.
No galope do tempo, o PT abrandou a sua plataforma
ideológica, o que aos meus olhos pareceu boa estratégia à luz dos
acontecimentos mundiais, mas no poder portou-se como as demais
agremiações políticas brasileiras, duradouras ou de ocasião, o que
configura outra verdade factual. Mesmo assim, em momento algum me
afastei de Lula, como meus leitores hão de ter constatado.
Nem por isso abandono a convicção de que o ex-presidente
poderia ter evitado o golpe e tudo quanto se seguiu até o objetivo final
da sua condenação sem provas e prisão sem crime.
Acertada, a meu ver, a manutenção da candidatura até o derradeiro
instante possível, e acredito na vitória de Fernando Haddad nas próximas
eleições, conquanto, sem Lula, não passem de uma fraude.
Permito-me apenas perguntar aos meus pensativos botões como no caso reagirão os golpistas. Veremos o que veremos, respondem.
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