domingo, 30 de setembro de 2018

Lula volta à TV pelas mãos do Judge Murrow

Fux ressuscitou a censura dos militares
publicado 30/09/2018
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O Conversa Afiada reproduz texto de José Augusto Ribeiro, jornalista e historiador:

Lula pode não voltar à TV com Florestan, mas volta com o Moro


Na sexta-feira 28 de setembro, véspera de um #Ele Não que ressoa no mundo inteiro, vivemos a reedição do domingo 8 de julho, quando o habeas corpus decretado em favor de Lula pelo desembargador Favretto, do TRF4, foi atropelado por sucessivas autoridades judiciárias e não-judiciárias, como o juiz Sérgio Moro e os desembargadores Gebran e Thompson Flores, do mesmo tribunal, a Procuradora Geral Raquel Dodge e o diretor da Polícia Federal, Rogério Galloro (este, é verdade, cumprindo ordens, como revelou em entrevista).

O que aconteceu na sexta-feira à noite foi um ministro do Supremo, Luís Fux, atropelar a liminar concedida de manhã por outro ministro, Ricardo Lewandowski, para que a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, pudesse entrevistar Lula na prisão. A decisão de Fux, com certeza, deve valer também para outra decisão de Lewandowski, de permitir que o jornalista Florestan Fernandes tenha acesso à prisão, com o equipamento necessário, e entreviste Lula para seu programa de TV.

Fux proibiu Lula de conceder qualquer entrevista – o que ainda não o impede de continuar mandando bilhetes e recados orais por seus advogados e visitantes – mas proibiu a publicação de qualquer entrevista que ele já tenha dado. Exatamente igual ao que vivíamos nos piores momentos da ditadura militar, quando o estafeta da censura chegava à redação do jornal e nos pedia para assinarmos o papel que nos proibia, por exemplo, publicar qualquer coisa sobre uma entrevista de D. Hélder Câmara ao Le Monde, de Paris.

Essa a má notícia. Agora, outra.

Lula pode não voltar à TV pelo programa do Florestan. Mas vai voltar e –imaginem – pelas mãos do Sérgio Moro!

Lula já tem em sua agenda novo encontro marcado com Moro, duas semanas depois do segundo turno da eleição presidencial: seu interrogatório no processo do sítio de Atibaia, que estava marcado para 11 de setembro e Moro, em agosto, adiou para 14 de novembro, a fim, como disse, de evitar “explorações eleitorais”.

Esse interrogatório tem de ser público e gravado em vídeo e possibilitará, caso não seja mesmo permitida a entrevista a Florestan, o primeiro aparecimento de Lula pela TV desde seu depoimento a 5 de junho ao juiz Marcelo Bretas, do Rio, num dos processos de Sergio Cabral.

É fácil imaginar o impacto do aparecimento de Lula na TV, não só depois da proibição decretada por Fux, mas ainda mais nas circunstâncias do processo de Atibaia.

Como Lula está preso em Curitiba e o caso de Atibaia corre também em Curitiba – embora Atibaia fique em São Paulo, tanto quanto o tríplex do Guarujá - o lugar natural desse interrogatório será a sala de audiências de Moro no prédio da Justiça Federal em Curitiba, a mesma onde Lula foi interrogado em maio de 2017 no processo do tríplex. Vai ser assim ou Lula será interrogado na própria Polícia Federal, por videoconferência?

Ainda que o seja - e a lei exige que atos processuais como o interrogatório sejam abertos ao público – o interrogatório de Lula vai apresentar outro problema, quando for suscitado um episódio que está nos autos desde 20 de junho deste ano. Nesse dia, Moro tomava por videoconferência, de São Paulo para Curitiba, o depoimento de Leotides Ferreira da Silva, testemunha de defesa de Fernando Bittar, um dos donos do sítio cuja propriedade tentam empurrar para Lula.

Perguntado pelo advogado Cristiano Zanin, Leotides contou que numa manhã de março de 2016 os homens de uma força tarefa desembarcada de um camburão da Policia Federal entraram de armas na mão em sua casa e levaram sua mulher, Rosilene da Luz Ferreira, e o filho de 8 anos do casal, para o sítio de Atibaia, onde ela trabalhava ou trabalhara como faxineira e foi interrogada sobre quem pagava seu salário e outras despesas do sítio. Rosilene, assustadíssima e com o filho agarrando-se a ela e chorando de medo, respondeu a todas as perguntas dizendo que quem pagava era sempre Fernando Bittar. O menino, acrescentou Leotides, estava desde então em tratamento psicoterápico, traumatizado por aquela exibição de violência.

Diante dos protestos de Zanin, Moro foi obrigado a determinar que o Ministério Público investigasse se tinha havido abusos de autoridade naquela condução coercitiva que poderia ser considerada um sequestro, porque nenhuma ordem escrita de autoridade judicial fora apresentada a Rosilene – ela foi simplesmente intimada, de viva voz, a prestar depoimento no sítio. Em resposta, o Ministério Público alegou que Rosilene fora levada no camburão por não dispor de condução própria.

Logo se verificaria que esse episódio aconteceu no dia 4 de março de 2016, como registrou o insuspeito site G1. A manhã de 4 de março de 2016 foi a mesma da condução coercitiva de Lula.

Na mesma hora em que Rosilene prestava depoimento no sítio de Atibaia, Lula era conduzido não para a Polícia Federal em São Bernardo do Campo, onde mora e o foram buscar, mas para uma repartição policial nas entranhas do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. De Congonhas, Lula poderia ser sigilosamente embarcado para Curitiba, com prisão preventiva decretada, caso Rosilene admitisse ter recebido algum dinheiro dele, mesmo que fosse o necessário para uma compra na padaria ou na farmácia.
Em tempo: sobre o Judge Murrow, leia a definição no imperdível ABC do C Af.

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