#EleNão: as mulheres na linha de frente da resistência a Bolsonaro
por Carol Castro e Rodrigo Martins*
—
publicado
22/09/2018 00h15,
última modificação
21/09/2018 16h05
Famosas e anônimas se organizam e usam as redes sociais para se
posicionarem contra o autoritarismo e o preconceito defendidos pelo
candidato

Patrícia Pillar e Daniela Mercury ajudaram a
difundir a hashtag. Mesmo celebridades de perfil mais conservador, como
Rachel Shererazade, repudiaram o presidenciável do PSL
*Colaboraram Carol Scorce e Gabriel Bonis
A três semanas das eleições, atrizes,
apresentadoras e cantoras aderiram à campanha contra Jair Bolsonaro nas
redes sociais. Das sempre combativas Camila Pitanga, Daniela Mercury e
Patrícia Pillar a celebridades de perfil conservador ou até reacionário,
como Claudia Raia e Rachel Sheherazade, elas ajudaram a difundir
publicações com as hashtags #EleNão e #EleNunca, em repúdio às atitudes misóginas, homofóbicas, racistas e intolerantes do presidenciável do PSL.
O movimento espontâneo ganhou força após a página no Facebook “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, com mais de 2,5 milhões de participantes, ser hackeada
no sábado 15 e restaurada no dia seguinte, um ataque orquestrado por
bolsonaristas que, desde o início, tentam intimidar as responsáveis pela
criação do gigantesco grupo de discussão política.
“Não à violência, não ao machismo, não ao
preconceito, não à homofobia, não à intolerância, não à xenofobia e não
para toda forma de pensamento que pregue o retrocesso de nossos
direitos”, escreveu Claudia Raia. “Não tem a ver com política (só). Tem a
ver com moral.
Com a liberdade e a dignidade de ‘ser’ e
de pensar, que eu espero que a minha filha tenha. E os filhos de todos
vocês tenham também. É por isso que #EleNão”, justificou no Twitter a
também atriz Deborah Secco.
A cantora Daniela Mercury compartilhou
uma antiga declaração da atriz Fernanda Montenegro: “Pedir a volta dos
militares é coisa de doentes mentais”. Patrícia Pillar, por sua vez, fez
uma bem-humorada edição da célebre obra O Grito, de Edvard
Munch. Na versão da artista global, o personagem retratado pelo pintor
norueguês expõe claramente a razão de seu horror: “Ele não!”
Após o general Hamilton Mourão, vice de
Bolsonaro, afirmar que lares chefiados por mães e avós são “fábricas de
desajustados”, mão de obra do narcotráfico, até mesmo Sheherazade, que numerosas vezes desrespeitou os direitos humanos nos telejornais do SBT, aderiu à campanha.
“Sou mulher. Crio dois filhos sozinha.
Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos
heroínas! #EleNão”, escreveu no Twitter. Atacada por um séquito de
bolsonaristas, a apresentadora não recuou: “Pare de se iludir e tentar
encobrir todas as atrocidades do seu candidato. Faça um exame de
consciência e veja se é esse clima de ódio que você deseja para o nosso
país”.
A adesão das celebridades
deve fermentar protestos convocados por mulheres para o sábado 29. Pelo
Facebook, mais de 65 mil indivíduos confirmaram presença no ato do
Largo da Batata, em São Paulo. Outros 210 mil manifestaram a intenção de
participar.
No Rio de Janeiro, a convocatória para a
Cinelândia contava, até a quarta-feira 19, com 17 mil confirmações e 75
mil interessados. Eventos semelhantes estão previstos em capitais como
Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza e Recife.
Na verdade, o número de mulheres
dispostas a ocupar as ruas pode estar subestimado após os ataques
cibernéticos promovidos por bolsonaristas, que roubaram dados pessoais
de administradoras do grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” para
ameaçá-las. O caso é investigado pelo Grupo Especializado de Repressão
aos Crimes por Meios Eletrônicos, da Polícia Civil da Bahia.
Na avaliação do advogado Jonatas Lucena,
especializado em crimes digitais, os responsáveis pelo ciberataque podem
ter incorrido em várias práticas ilegais. “Se você acessa o perfil de
outra pessoa, age como se fosse ele. É falsidade ideológica”, explica.
Ao ameaçar divulgar dados das administradoras do grupo para forçá-las a deletar a página, os hackers
também podem ter cometido crime de extorsão, punido com até dez anos de
reclusão. “Soube que elas foram xingadas. Isso pode render outro
processo por calúnia e difamação.”
Para a advogada Paula Bernardelli, os
invasores violaram ainda a legislação eleitoral. Como representante da
candidata a deputada distrital Ilka Teodoro (PSOL), ela apresentou uma
denúncia à Procuradoria-Geral Eleitoral.
“A propaganda negativa é lícita, e só
pode ser retirada se configurar ofensa à honra, ser caluniosa,
difamatória, injuriosa ou divulgar fatos mentirosos. O pedido para que
não se vote, a oposição organizada, como o grupo, não desborda esses
limites, sendo mera propaganda espontânea de eleitor”, distingue a
advogada. A legislação pune, no entanto, aqueles que tentam ou conseguem
“inutilizar, alterar, perturbar ou impedir a propaganda”.
A pena prevista é de multa a seis meses
de prisão. “O ataque pode ter configurado o impedimento do exercício
desse direito, uma vez que as mulheres ficaram sem acesso ao grupo”, diz
Paula Bernardelli.
A reação truculenta dos partidários de Bolsonaro
não chega a surpreender. “O incômodo é porque eles sabem da potência
desse grupo. Mais de 2 milhões de mulheres organizadas, motivadas e
discutindo são capazes de mobilizar suas mães, filhas e amigas.
Imagine o impacto disso”, afirma a
antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, docente da Universidade Federal de
Santa Maria (RS) e professora visitante da Universidade de Oxford, no
Reino Unido. “Não nos quiseram nas redes, agora terão de nos aguentar
nas ruas”, emenda a pesquisadora.
Desde que foi vítima de um ataque à faca,
Bolsonaro tem crescido nas pesquisas. Dois dias antes do atentado, ele
figurava com 22% das intenções de voto, segundo o Ibope. Na sondagem
divulgada na terça-feira 18, tinha 28%. Mas a rejeição ao capitão da
reserva do Exército atinge 42% dos eleitores, a mais elevada entre todos
os postulantes ao Planalto.
Seu calcanhar de aquiles é justamente o
eleitorado feminino: 49% das mulheres dizem que não votariam em
Bolsonaro de modo algum, de acordo com o Datafolha de 14 de setembro.
Leia também:
Por que há mulheres que votam em Bolsonaro?“Grupo contra Bolsonaro incomoda por causa de seu potencial”, diz Rosana Pinheiro-Machado
Por que há mulheres que votam em Bolsonaro?“Grupo contra Bolsonaro incomoda por causa de seu potencial”, diz Rosana Pinheiro-Machado
“O eleitor típico de Bolsonaro é o homem
branco, de classe média, com ensino superior completo e das regiões Sul e
Sudeste”, observa a socióloga Esther Solano, professora da Universidade Fe-deral de São Paulo e autora do livro O Ódio Como Política (Boitempo Editorial).
Segundo Solano, a existência de um
candidato sem pudor de encampar um discurso preconceituoso e intolerante
permitiu à extrema-direita sair do armário. “Não podemos esquecer que
temos uma sociedade muito machista e racista. O Brasil é o país que mais
mata transgêneros no mundo, que tem elevada taxa de feminicídios.
Infelizmente, é um país construído sobre uma base de ódio contra o
diferente, no discurso e na prática.”
Enquanto as mulheres resistem a
Bolsonaro, algumas celebridades do universo masculino seguem na
contramão. No domingo 16, o volante palmeirense Felipe Melo dividiu a
torcida do seu time ao dedicar a Bolsonaro o gol do empate contra o
Bahia.
Dois dias antes, a equipe masculina de
vôlei da Seleção Brasileira postou uma foto com suposto apoio ao
presidenciável – Wallace e Maurício parecem reproduzir, com os dedos, o
número do candidato do PSL. A torcida atleticana, por sua vez,
protagonizou um lamentável espetáculo de intolerância. “Ô cruzeirense,
toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”, entoou um ruidoso grupo,
durante a última partida entre as duas equipes, em Belo Horizonte.
A diretoria do Palmeiras limitou-se a
publicar uma lacônica nota, na qual afirma que o posicionamento do seu
jogador foi “uma manifestação particular, e não da instituição”. O
Atlético Mineiro manifestou “repúdio a quaisquer gestos de preconceito
ou de incitação à violência” por parte da sua torcida.
A Confederação Brasileira de Vôlei apagou
a polêmica foto em seu perfil no Instagram e disse não compactuar com
manifestações políticas de atletas no momento em que eles representam a
Seleção.
O ambiente conservador favorece esse tipo de conduta, lamenta o cientista
social Marcel Tonini, pesquisador da Universidade de São Paulo que
estuda o racismo no futebol. “Não consigo imaginar um atleta, em uma
entrevista após o jogo, apoiar um político como o Lula, por exemplo”,
diz.
“Se ele soltasse um ‘Lula Livre’,
a repercussão seria absurdamente maior e as represálias no clube também
seriam piores. Acho que não seria mais nem convocado para as próximas
partidas.”
*Colaboraram Carol Scorce e Gabriel Bonis
Nenhum comentário:
Postar um comentário