Resposta às "calúnias"
Em livro de
entrevistas, Bergoglio nega ter facilitado o sequestro de dois jesuítas pela
ditadura argentina
por Gianni Carta —
publicado 27/07/2013 10:06
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Tomaz Silva/ABr
Após o golpe de 1976, a Igreja Católica foi
vista como omissa e vários de seus clérigos, inclusive Bergoglio, foram acusados
até de cumplicidade com os militares responsáveis pelas mortes ou
desaparecimentos de 30 mil cidadãos. Em abril de 2010, o diário argentino
Página 12 afirmou em reportagem de capa que em maio de 1976 Bergoglio
esteve envolvido nos sequestros, realizados por oficiais navais, dos jesuítas
Orlando Yorio e Francisco Jalics. Ambos ficaram detidos por cinco meses, período
em que foram drogados e torturados.
O maior acusador do atual papa chama-se
Horacio Verbitsky, autor do livro El Silencio. Alega que Bergoglio fazia
parte da hierarquia da Companhia de Jesus e que por motivos ideológicos teria
cancelado a ordem de proteção dos dois sacerdotes, abrindo assim caminho para
serem sequestrados. Várias das acusações do livro de Verbitsky são baseadas em
entrevistas com Jalics. E há outras testemunhas, inclusive uma prisioneira que
esteve com os jesuítas cativos. Uma denúncia contra Bergoglio já havia sido
feita pelo advogado Marcel Parrilli, em abril de 2005, às vésperas do conclave
que elegeu Bento XVI.
Quando da eleição do papa Francisco, numerosos
diários europeus não falaram do assunto, preferiram não adentrar a esse sinuoso
debate. No entanto, Ezio Mauro, do diário italiano La Repubblica,
escreveu: “O papa Francisco deverá compreender que entre seus deveres universais
há também aquele de total transparência sobre seus elos com a ditadura militar
argentina (...) Terá de fazê-lo para ter as mãos livres”.
Em Papa Francesco:
Il Nuovo Papa si Racconta, o pontífice dá sua versão dos fatos para
sustentar que as acusações não passavam de “calúnias”. E enfatiza: “Nunca os
expulsei (Yorio e Jalics) da ordem e não queria que permanecessem sem
proteção”. Francisco lembra que Yorio e Jalics pretendiam deixar a Companhia de
Jesus em 1976, quando atuavam na favela de Bajo Flores, em Buenos Aires, para
criar uma congregação religiosa. Os superiores dos jesuítas os intimaram a
escolher entre a favela e a Companhia de Jesus. Yorio deixou a Companhia, mas
Jalics, que havia prestado um juramento solene e somente o papa poderia aceitar
seu pedido, ficou na Companhia. “Eu os adverti a ficar bastante atentos”, afirma
Bergoglio.
Os dois missionários foram presos. O papa
Francisco diz que rezou até uma missa para o ditador Jorge Videla para poder ter
uma audiência com o objetivo de liberar os jesuítas. Jalics, que permaneceu na
Companhia de Jesus, continuou próximo a Bergoglio. Quando passava por Buenos
Aires sempre o procurava. De todo modo, Francisco não se refere a Yorio no
livro. Bergoglio diz, ainda, que em 1976 era muito jovem (tinha, porém, 40
anos), e não sabia avaliar o que estava acontecendo no país. Não deixa de ser
surpreendente que um jesuíta maduro, em contato com o povo, não percebesse o que
de fato ocorria. O entrevistado afirma que os dois jesuítas foram soltos graças
aos esforços da Companhia de Jesus, e pelo fato de eles não serem “subversivos”.
Não está claro se para ele os “subversivos” seriam tão ruins quanto os
ditadores. Reconhece, contudo, que a Igreja não fez muito contra a ditadura e,
realmente, em 2000 fez um mea-culpa.
Não há razões para duvidar das palavras do
papa, embora ele pareça ter-se comportado de forma bastante ingênua, quando não
confusa e omissa. Mas, ao contrário de Bento XVI, que admitiu ter pertencido à
Juventude Hitlerista, Francisco quer reformar a Igreja. O indivíduo tem o
direito de mudar de ideia e, com a idade, ganha sabedoria, como diz o próprio
Francisco. Assim como João Paulo II e Bento XVI, ele nunca simpatizou com a
Teologia da Libertação, mescla de catolicismo e engajamento político a favor dos
perseguidos, algo visto pelos conservadores como um movimento marxista. No
entanto, ao ser eleito, Francisco fez um gesto simbólico: beatificou Oscar
Romero, bispo salvadorenho assassinado por extremistas de direita em 1980 e
considerado mártir da Teologia da Libertação. Desde 2005, Bento XVI havia
proibido sua beatificação.
Bergoglio hoje surge em cena
como um radical. O primeiro papa não europeu desde o sírio Gregório III, no
século VIII, quer criar uma “Igreja pobre para os pobres”. Desafia assim os
donos do poder em um mundo globalizante dominado pelas oligarquias financeiras e
pela tecnologia. Nas palavras de Gaetano Lettieri, professor de História do
Cristianismo e das Religiões da Universidade La Sapienza, de Roma, “Francisco
usa a simplificação como um desafio cultural para transmitir uma linguagem mais
radical”.
Ao ser eleito, disse: “Foram buscar um papa no
fim do mundo”. A mensagem do pontífice, segundo Lettieri, foi esta: “Para
entender Cristo é preciso adentrar a pobreza, quiçá no fim do mundo, do ponto de
vista social e econômico”. O Evangelho nasce desse patamar fundamental: a
pobreza. Segundo essa lógica, o papa vai à periferia e, como todo jesuíta, é um
missionário.
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