Lutamos contra o machismo, contra o patriarcado e buscamos romper barreiras
Meu nome é Leilane Domitilla Sousa Vasconcelos, tenho 32
anos e sou filha da Vila de Alter do Chão, região balneária do município
de Santarém, no Oeste do Pará.
Faço parte do povo Borari, nome indígena dado aos nativos
aqui da Vila que hoje, na maioria, vivem uma vida que poderíamos chamar
de urbana, ainda que muito mais conectada com a natureza do que um
sudestino poderia sonhar.
De 2000 a 2016, usei o nome Leilane Domitilla. Nessa época, ocupei um
posto muito importante aqui em Alter do Chão: o de Rainha do Çairé do
Boto Cor de Rosa.
Çairé ou Sairé é uma festa profano-religiosa. A parte laica, para
quem nunca ouviu falar, pode ser explicada fazendo um paralelo com o
Carnaval do Rio, de São Paulo, ou com o Boi de Parintins. No
“Çairódromo” construído no coração da vila, acontece anualmente, em
setembro, uma disputa de alegorias, danças e performances apresentadas
por dois botos, o Cor de Rosa e o Tucuxi.
Traduzindo em números: em 2018, o Çairé tinha público estimado de 12
mil pessoas numa vila que hoje tem 6 mil habitantes e, portanto, é uma
importante fonte de renda para os moradores da vila.
Durante 16 anos no posto de Rainha do Çairé, aproveitei a
visibilidade para desenvolver um papel social para a Rainha, que foi de
educação ambiental a palestras sobre a cultura local. Hoje, a Rainha do
Çairé não tem somente o compromisso de estar ensaiada, linda e
ornamentada no dia da grande festa, a Disputa dos Botos. Ela também é
exemplo e inspiração para outras mulheres de Alter do Chão.
Como Rainha, obviamente, minha imagem ganhou exposição. As pessoas
notaram meu corpo. Um corpo de mulher índia. Um recado importante para
você que me lê e acaba vendo fotos minhas e de minhas companheiras:
jamais entenda o fato de valorizarmos nossa beleza física e nossos
traços, que para os não-indígenas podem parecer exóticos, usando
ornamentos e pinturas corporais, como um convite a uma apreciação
sexual.
Esse entendimento, muito comum, está vinculado a abusos e violências
que estão no cerne da nossa luta. Trabalhamos nossa autoestima. Muito.
Estética ou intelectualmente. Mas uma mulher indígena lindamente
retratada ou dançando, livre, não está a serviço de fetiches étnicos ou
de qualquer tipo.
O foco maior é o da luta pelas mulheres indígenas. Infelizmente,
quase não há registros sobre violência contra a mulher indígena no
Brasil. Algo que deixa invisível uma questão real e grave.

(Foto: Daniel Gutierrez Govino)
Um dos caminhos de resistência é o Coletivo de Mulheres Indígenas
Suraras do Tapajós. Surara é um grito de Guerra em Nheengatu. O grupo
nasceu em 2016 com a missão de combater a violência contra a mulher
indígena e o racismo, promovendo o acolhimento e fortalecimento da
autoestima e contribuindo para o empoderamento econômico e politico, em
defesa se seus territórios. Hoje, o Coletivo é composto por 30 mulheres
guerreiras. Para o sustento financeiro, há uma loja de artesanato
indígena de mesmo nome na orla de Alter do Chão.
Lutamos contra o machismo, contra o patriarcado e buscamos romper
barreiras, até algumas que para os não-indígenas podem soar
incompreensíveis: o direito de tocar o tambor numa roda de Carimbó por
exemplo.
Não assino mais Leilane Vasconcelos, do registro em cartório e herança dos portugueses colonizadores da minha região.
Nem Leilane Domitilla, a rainha do Çairé.
Sou Leila Borari, nome que carrega minha ancestralidade, etnia e resistência.
Surara!
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