O MST não é organização criminosa
Todos têm o direito de lutar pela Reforma Agrária
publicado
01/11/2016

Em tempo de criminalização dos
movimentos sociais ou daqueles que contestam o sistema patrimonialista
brasileiro, muito se discute sobre a legalidade do MST e de outras
organizações que lutam para fazer real a promessa constitucional de
Reforma Agrária. Este debate ganhou maior volume após a recente decisão
do STJ, notadamente em razão do julgamento do HC nº 371.135, por sua
Sexta Turma, em 18 de outubro de 2016. É que apressadas interpretações,
centradas em vícios ideológicos e preconceituosos, cuidaram de divulgar
versões destoantes dos fatos e das manifestações postas em julgamento.
O MST não estava sob julgamento,
tampouco se mencionou que ele simbolizava uma organização criminosa ou
mesmo geradora de atividade ilícita. Ao contrário, todos os ministros do
STJ presentes naquela histórica sessão ressaltaram que lutar,
organizadamente ou não, pela Reforma Agrária, não é crime. E não poderia
ser diferente, pois o Brasil abraçou em sua linha fundante e
fundamental o Estado Democrático de Direito.
O que se discutia no apontado HC era a
manutenção ou não dos decretos de prisões preventivas, expedidos pelo
juízo de Santa Helena-GO e confirmados pelo Tribunal de Justiça de Goiás
em desfavor de quatro militantes do MST. Julgava-se, em outras
palavras, se os apontados pacientes, em liberdade, trariam risco à ordem
pública, à instrução processual ou à aplicação da lei penal (art. 312
do CPP). Não se estava em jogo, ali, a condenação ou não destas pessoas
no tipo penal de organização criminosa (Lei 12.850/13).
Embora ainda caiba recurso da decisão,
registre-se que a Sexta Turma entendeu que deveria decretar a liberdade
de um deles e manter o decreto de prisão preventiva para os outros três,
por entenderem estarem presentes os requisitos autorizadores da prisão
preventiva. Durante o julgamento, repete-se, também por unanimidade,
todos afirmaram, apesar de ponderarem que isso não era objeto do litígio
judicial, que o MST não é organização criminosa e, logo, ser integrante
deste movimento não significa ser membro do crime organizado. Muito
pelo contrário, é um movimento que luta pela democratização do acesso a
terra, o que deve ser considerado elogiável e salutar para a ordem
democrática e constitucional do nosso país.
Trata-se de uma vitória parcial, pois
ainda restam três decretos de prisão em vigor, mas ainda sim uma grande
vitória, pois foi reconhecido judicialmente que a liberdade de um
militante da reforma agrária não acarretará em prejuízo à ordem pública,
à instrução criminal ou mesmo para aplicação da lei penal.
Dito de outra maneira, todos os
cidadãos brasileiros têm o direito de organização e de reunião,
inclusive para lutar pela Reforma Agrária ou para que todas as
propriedades do país cumpram sua função social, considerada um dos
princípios gerais da atividade econômica brasileira. De modo que, não
resta dúvida, que a organização de trabalhadores e trabalhadoras sem
terra para lutarem por Reforma Agrária encontra amparo no texto
constitucional. Reúnem-se e organizam-se na busca de efetivação de
direitos constitucionais, e não para cometerem crimes, como querem
afirmar alguns setores do agronegócio e dos meios de comunicação.
Há, no Brasil, 130 mil grandes
propriedades rurais, que concentram 47,23% de toda área cadastrada no
INCRA. Já os 3,75 milhões de pequenas propriedades equivalem, somados, a
10,2% da área total registrada. Junte-se a isso, segundo dados do Atlas
da Terra Brasil (CNPq/USP) de 2015, a existência de 175,9 milhões de
hectares improdutivos no Brasil, e teremos uma das situações agrárias
mais destoantes e extravagantes do mundo. Uma realidade fundiária
extremamente concentrada e onde predomina os grandes imóveis rurais
improdutivos e, portanto, que não cumprem sua função social.
Uma leitura sistemática e que leve em
conta a totalidade do espírito constitucional celebrado em 1988, já
seria o suficiente para caracterizar o MST e outros que lutam para
implantar a Reforma Agrária como fundamentais para a concretização do
Estado Democrático de Direito no Brasil. Exige-se, cada vez mais, dos
trabalhadores e das trabalhadoras rurais sem terra que exerçam seus
direitos e garantias coletivas de se organizarem e se reunirem para
alterar essa estrutura extremamente desigual do campo brasileiro e
também que lhes permitam concretizar um projeto agrário que garanta a
toda população brasileira uma alimentação saudável e um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida desta e das futuras gerações (art. 225 da CRFB/88).
Cezar Britto e Paulo Freire, advogados
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