Economia
A economia brasileira à beira do precipício
por Carlos Drummond
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publicado
14/11/2016 00h12
As previsões para o PIB pioram, as expectativas se frustram e o País afunda na austeridade radical do governo Temer
Antonio Pinheiro, Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas

Foi preciso que 120
bancos, gestores de recursos, distribuidoras, corretoras, consultorias e
empresas não financeiras confirmassem, na segunda-feira 31, a piora das
expectativas econômicas para o noticiário abrir uma brecha na produção
incessante de notícias otimistas. Participantes da pesquisa Focus do Banco Central,
aquelas instituições aumentaram sua previsão anterior de queda do
Produto Interno Bruto neste ano, de 3,22% para 3,30%, e reduziram a
projeção de expansão do PIB, em 2017, de 1,23% para 1,21%.
As revisões apenas confirmam as análises dos economistas
preocupados com as graves consequências da austeridade fiscal radical do
governo, PEC 55 incluída, na intensificação da crise. Um desses efeitos
é a queda vertiginosa da arrecadação federal de setembro em 8,27%,
diante do mesmo mês de 2015. Foi o menor recolhimento de impostos e
tributos dos últimos sete anos, informou a Receita Federal.
A suposta melhora das expectativas dos empresários no
início do atual governo, apoiada em presumidos bons efeitos do arrocho
fiscal na economia, não se confirmou. Ainda na segunda-feira, a Fundação
Getulio Vargas divulgou a queda da confiança em 15 dos 19 setores
industriais pesquisados e a diminuição do Índice de Expectativas do
setor de serviços em 4,3 pontos, para 86,7 pontos, no maior recuo desde
setembro do ano passado. Esse rebaixamento, diz a FGV, sugere acomodação
e o início de uma fase de ajuste para baixo.
Os indicadores decepcionantes incluem o desemprego de 11,8%, segundo o IBGE.
No terceiro trimestre, a taxa foi 2,4%, a maior na crise atual. Não
fosse o pequeno aumento da força de trabalho, em 0,8%, em vez do 1,8%
dos trimestres anteriores, “a taxa de desocupação atingiria 12,7%, isto
é, muito além dos 11,8% verificados pelo IBGE”, chama a atenção o
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Isso porque a
taxa de desocupação é o porcentual de desocupados em relação ao total de
integrantes da força de trabalho.
A situação das empresas também é grave, com o recorde
histórico de 244 pedidos de recuperação judicial em setembro. No mês
anterior, houve 137 solicitações e em setembro de 2015, 147. Nos
primeiros nove meses deste ano, o aumento acumulado chegou a 62% em
relação ao mesmo período do ano passado.
Há diminuição generalizada na
concessão de crédito, mas o encolhimento adquire maior magnitude para as
empresas, com recuos de 12,5% no primeiro trimestre, 13,9% no segundo e
16,4% no terceiro, mostram dados do Banco Central e do Iedi. O crédito
para a aquisição de veículos diminuiu respectivamente 20,4%, 14,5% e
7,8%. No crédito pessoal, houve retrações de 14,8%, 8% e 9,8%.
A contração dos financiamentos e as altas taxas de juro
pioraram a situação financeira das firmas, com grandes estragos a partir
de 2010, mostra trabalho do Centro de Estudos do Mercado de Capitais do
IBMEC sobre o endividamento de 605 empresas não financeiras. Os dados
agregados indicam endividamento crescente entre 2010 e 2015, acompanhado
de redução da relação entre geração de caixa e despesas financeiras,
com forte queda no ano passado, quando a geração de caixa passou a
representar só 58% das despesas financeiras.
Os efeitos combinados da recessão, desvalorização cambial e
queda dos resultados das vendas “fizeram com que 49% das empresas
apresentasse geração de caixa inferior ao valor das despesas financeiras,
porcentagem essa que era de 22,6% em 2010”. Dados do primeiro semestre
de 2016 relativos somente às companhias de capital aberto mostram um
aumento da proporção com geração de caixa inferior às despesas
financeiras, de 50,2%, em 2015, para 54,9%, nos 12 meses terminados em
junho de 2016. Essa situação financeira resulta do crescimento do seu
endividamento entre 2010 e 2016, combinado à queda das vendas e redução
da margem de geração de caixa, com ápice em 2015 a partir do agravamento
da recessão, do forte impacto da desvalorização cambial e da elevação
da taxa de juros sobre o valor da dívida e das despesas financeiras a
ela associadas. “Com isso, metade das pesquisadas não tem conseguido
gerar caixa nem para cobrir as despesas financeiras.” 

Nas exportações, saída
habitual para atenuar o efeito da queda das vendas internas, a situação é
problemática, avaliam os analistas do Iedi. O saldo da balança
comercial em outubro, de 2,3 bilhões de dólares, foi o menor desde
fevereiro, inclusive quando aferido pela média por dia útil. A média
diária de exportações chegou a 686,1 milhões, com queda expressiva de
10,2% diante de outubro de 2015. Essa piora recente pode ser “um sinal
dos efeitos da valorização da taxa de câmbio, que ultrapassa 20% entre
janeiro e outubro, em termos nominais”. Há outro motivo de preocupação
com o desempenho da balança comercial. O recuo da importação de bens de
capital em outubro e a queda da produção interna desses bens em
setembro, de 7,2% diante do mesmo mês no ano passado, mostra que “as
perspectivas para o investimento não são das melhores”.
Entre todos os setores empresariais, a indústria é
acompanhada com especial preocupação por seu papel estratégico na
inovação, no aumento da produtividade e na geração de empregos de maior
qualidade. Aí também não há notícias alvissareiras. A produção
industrial cresceu 0,5% em setembro, segundo dados do IBGE. É pouco,
diante da queda de 3,5% em agosto. Além de que a elevação se limitou a 9
dos 28 setores acompanhados pela instituição.
“Dessa maneira, restam poucas dúvidas de que foi ruim o
desempenho da indústria no terceiro trimestre do ano. A queda de 1,1%
diante do segundo trimestre de 2016 interrompeu, na série com ajuste
sazonal, uma trajetória de redução das perdas iniciada na virada do ano e
que já começava a dar alguma esperança de recuperação”, concluem os
redatores do informativo Análise Iedi. A queda da produção da indústria
como um todo foi de 11,5% no primeiro trimestre, 6,6% no segundo e 5,5%
no terceiro.
Melhores perspectivas dependem em grande medida de uma
política econômica apropriada à recuperação, mas daí não surgem sinais
animadores. O oposto é verdadeiro. O arrocho fiscal atrofiou o BNDES,
único banco fornecedor de crédito de longo prazo a taxas viáveis para
os investimentos das empresas. A Associação Brasileira da Indústria de
Máquinas e Equipamentos e a Federação das Indústrias de São Paulo
protestaram contra o pagamento antecipado ao Tesouro Nacional de 100
bilhões de reais transferidos ao BNDES no governo anterior, mas o banco
já respondeu que considera a medida essencial para melhorar o desempenho
fiscal e a confiança do mercado.
A quitação desidrata a linha de crédito Financiamento de
Máquinas e Equipamentos (Finame), o dispositivo mais próximo de uma
política industrial no País. Uma proposta de emenda constitucional em
tramitação no Senado prevê a retirada do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) do banco público e pretende-se liquidar a carteira da BNDESPar.
Por temor de complicações com
a Lava Jato, a instituição anunciou, no mês passado, a suspensão de
pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de serviços de
engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5
bilhões de reais.
Receia-se o descarte definitivo das
empreiteiras nacionais por meio de relicitações dos projetos com
contratação de construtoras estrangeiras. Um cálculo desta revista
estima em 31 bilhões de reais o valor de projetos aprovados de
aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, com capacidade de gerar 900
mil empregos, parados porque o financiamento com o BNDES contratado com
as vencedoras das licitações não sai, por estarem envolvidas na Lava Jato.
A obstinação do governo em impor uma austeridade
anacrônica e muito além da capacidade de absorção da economia e da
sociedade é garantia de perenização de uma crise, em boa medida,
desnecessária.
*Reportagem publicada originalmente na edição 924 de CartaCapital, com o título "Um verso a partir da dor". Assine CartaCapital.
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