Entrevista - Maria Izabel Noronha
"Reforma do Ensino Médio é ataque frontal à docência"
por Thais Paiva
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publicado
09/11/2016 04h07
Presidente da Apeoesp condena o congelamento de gastos na educação e novo Ensino Médio
Renato Cerqueira/Futurapress, Tomaz Silva/ABr e Rodolfo Buhrer/Fotoarena

"A profissão docente voltará a ser um bico", diz a sindicalista
Aprofundamento
da desigualdade e aumento da evasão escolar. Eis os prováveis
resultados, segundo a educadora Maria Izabel Noronha, de duas medidas do
governo Michel Temer: o congelamento por 20 anos dos investimentos em
saúde e educação e a Medida Provisória que reformou o ensino médio.
“Uma grande parcela dos alunos vai
abandonar porque terá de optar pelo mercado de trabalho. O que estão
fazendo é criar ‘vias naturais’ para retirar o jovem da escola e reduzir
custos”, afirma a presidente do Sindicato de Professores do Ensino
Oficial do Estado de São Paulo.
Na entrevista a seguir, a professora discorre sobre o empobrecimento do currículo, a precarização da carreira docente, as ocupações das escolas e o projeto Escola Sem Partido.
CartaCapital: Como a senhora analisa a PEC 241 e seus impactos?
Maria Izabel Noronha: A redução dos investimentos em educação se dará por três vetores, a começar pela própria PEC 241,
que congela os recursos para a área. Não se trata de uma medida fiscal,
mas de austeridade, e feita da pior forma, pois corta dinheiro de onde
não deveria: saúde e educação.
Depois, por conta da alteração da metodologia na partilha do pré-sal, que resultará em uma perda substancial de recursos. Por fim, há a reforma do ensino médio, que levará à redução no número de estudantes.
CC: De que maneira?
MIN: Ao
implementar o ensino médio integral, o governo desconsidera a realidade
de desigualdade social do Brasil. Muitos jovens precisam trabalhar para
complementar a renda familiar. Eu, por exemplo, fui estudante do ensino
médio noturno, pois tinha de trabalhar durante o dia.
Minha mãe precisava do dinheiro. Se eu
não tivesse tido essa oportunidade, teria parado de estudar. Minha única
opção seria frequentar mais tarde a Educação de Jovens e Adultos. É o
que restará para esses jovens.
Ao implementar o ensino médio integral,
força-se a redução de matrículas. Uma grande parcela vai sair porque
terá de optar pelo mercado de trabalho. É uma forma de criar “vias
naturais” para retirar o jovem da escola e reduzir custos.
CC: A aprovação da PEC 241 e a MP do Ensino Médio ameaçam o Plano Nacional de Educação?
MIN: Sim, diretamente. Sem investimentos, podemos esquecer a meta 17 do PNE, de valorizar os profissionais do magistério
das redes públicas da educação básica, a fim de equiparar o rendimento
médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.
A MP faz um ataque frontal à carreira
docente. Na medida em que se admite que indivíduos “com notório saber”
possam dar aula, fica claro que não haverá investimento na formação de
professores. Faltarão docentes e muitos deixarão de ser professores.
Os especialistas “com notório saber” vão
fazer bicos na profissão docente. No fim da década de 80, aqui no estado
de São Paulo, tivemos os chamados professores não habilitados. Quem
eram esses profissionais?
O engenheiro que ia dar uma aulinha de
matemática para complementar seu salário, e por aí afora. A profissão
docente nada mais era do que um bico. Foi uma longa luta até a situação
ser, de certa forma, revertida pelo artigo 62 da Lei de Diretrizes e
Bases.
O artigo determina que para dar aula o
profissional precisava de formação pedagógica, mesmo se tivesse nível
superior. Essa determinação será revogada.
CC: E o piso nacional dos professores?
MIN: O piso salarial nacional também sofrerá os impactos da PEC dos Gastos,
vai se desidratar, pois será reajustado sempre pelo IPCA do ano
anterior. Na prática, o piso passará a ser teto. Segundo o ministro da
Educação, trata-se de “uma pauta sindical”. Como?
Historicamente, lutamos para igualar os salários dos professores aos demais profissionais de nível superior. No estado de São Paulo, a defasagem chega a 75,33%.
CC: A senhora concorda com a reorganização em áreas do conhecimento do novo currículo do ensino médio?
MIN: Concordo
com a reorganização dos conhecimentos dentro de áreas, mas não dessa
forma. Reorganizar por áreas não pode significar a supressão de
disciplinas. Ao contrário. Deveria representar um maior diálogo entre
elas.
A MP só garante nos três anos de ensino
médio as disciplinas de português e matemática. O mundo não se resume a
isso. Ao permitir que cada sistema opte por trabalhar com até duas áreas
do conhecimento, a verdade é que a medida provisória transfere a
escolha para o secretário de Educação, não para o aluno.
Na prática, quem vai escolher será o
secretário e sob uma ótica: aquela da demanda de professores. Se há
falta de professores de física, obviamente não será oferecida a área de
ciências da natureza naquele sistema.
CC: A reforma aprofundará a distância entre as redes privada e pública?
MIN: Será que as escolas
nas quais a elite estuda vão oferecer só duas áreas do conhecimento?
Não. Eles vão estudar tudo e um pouco mais, vão ter o currículo máximo.
Agora, os dominados vão ter o currículo mínimo.
A MP do Ensino Médio trará
de volta o debate da dualidade entre escola para pobre e escola para
rico. A medida provisória é mais desonesta que a profissionalização
implantada na ditadura. Não pior, mais desonesta.
Naquela época, houve grande investimento nos cursos
técnicos, pois o País precisava de mão de obra barata. Havia um projeto
de desenvolvimento, de industrialização, mas faltava mão de obra. Agora,
de novo, empurram a profissionalização, mas como uma casualidade. É
mera certificação, escola feita para enxugar a demanda, não para formar.
É uma escola de passagem, não de formação. O ensino
profissionalizante tem de ser intencional, ter um projeto por detrás.
Não basta ensinar técnicas, tem de ensinar tecnologia, a ciência da
técnica. Mesmo nessa modalidade, o jovem precisa de autonomia
intelectual.
CC: Mais de mil escolas foram ocupadas Brasil afora em resposta à reforma.
A senhora acredita que o movimento conseguirá conquistas semelhantes
àquelas obtidas em São Paulo, no ano passado, quando os secundaristas
conseguiram barrar a reorganização escolar do governo Alckmin?
MIN: Sim. Quando os alunos
ocupam a escola, o fazem para defendê-la. Está mais do que certo, a
escola é nossa, de quem paga impostos. É essa a simbologia de ocupar. E
as ruas precisam ser ocupadas também, até pelo fato de a mídia não
cobrir as ocupações.
No caso de São Paulo, no ano passado, o movimento foi
muito mais articulado no sentido de envolver alunos e professores e deu
resultado. Atualmente, nos locais ocupados, é preciso mobilizar a
população local para estar na frente das escolas e defendê-las também.
CC: Como a senhora define o Escola Sem Partido?
MIN:
O programa vem para fiscalizar os professores. É uma escola que, no
nome, é sem partido, mas que na prática é contra um determinado partido.
Eles usam um nome para capturar a consciência ingênua.
Se você me perguntar se eu quero que
minha filha estude em uma escola com partido eu vou dizer que não. Quero
que minha filha estude em uma escola que trabalhe todos os
posicionamentos políticos e concepções pedagógicas para ela tomar suas
próprias decisões.
Essa é a escola ideal, totalmente o
oposto do que acontecerá, caso seja implementado o projeto Escola Sem
Partido. O que eles querem fazer é uma tabuleta do que pode e do que não
pode ser ensinado. Quem agiu assim no passado? A ditadura.
*Publicado originalmente na edição 926 de CartaCapital com o título "Escola Desigual"
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