Jogo de Carta
Requião: "O Brasil precisa de um New Deal"
por Mino Carta e Rodrigo Martins
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publicado
06/11/2016 08h05,
última modificação
06/11/2016 09h43
Se deseja crescer com soberania, o País deve rejeitar o projeto de
Estado mínimo e inspirar-se em Roosevelt e Vargas, afirma o senador

"O New Deal de Roosevelt e Vargas foi uma reação ao liberalismo que corroía a economia mundial"
Enquanto a Lava Jato
avança em sua cruzada paladínica contra a corrupção, o Brasil é forçado
a engolir um projeto de Estado mínimo, que reduz a nação ao papel de mero exportador de commodities.
Com o Banco Central
controlado pela banca, o País ostenta uma das mais altas taxas de juro
do planeta, a tornar mais atrativas as aplicações financeiras do que a
produção. A indústria agoniza. O povo não tardará perder acesso a
direitos básicos, como saúde e educação, com o congelamento dos investimentos públicos por duas décadas.
O aguçado diagnóstico é do senador Roberto Requião,
ex-governador do Paraná e presidente da representação brasileira no
Parlamento do Mercosul. Em entrevista ao programa Jogo de Carta, exibido na tarde da segunda-feira 31 pelo site de CartaCapital e pelo Facebook, o parlamentar defendeu a adoção de um programa de desenvolvimento nos moldes do New Deal de Roosevelt e Vargas.
De acordo com Requião, não é hora de economizar. “Durante a
crise de 2008 e 2009, os Estados Unidos investiram pesadamente para
reativar a economia.”
Jogo de Carta: Como o senhor se sente na República de Curitiba?
Roberto Requião: Mal, sobretudo pela seletividade da ação de Sergio Moro.
Quando fui governador, fizemos algumas operações com ele, um juiz
célebre. Hoje, está equivocado. Foi influenciado por uma visão
distorcida da Mani Pulite, de que ele não poderia enfrentar a
corrupção de forma horizontal, pois seria bombardeado pelo sistema
corrompido. E ele se deslumbra com os prêmios e os elogios que recebe
dos EUA. Tornou-se instrumento de uma mudança de rumos da economia
nacional.
JC: Que mudança é essa?
RR: Atrás
desse trabalho de Moro e dos procuradores sediados no Paraná, vemos a
construção do Estado mínimo, a redução do Brasil ao papel de mero
produtor de commodities. Pretende-se firmar o País como celeiro do mundo, enquanto o povo passa fome.
É a destruição da nossa economia, com o fim da indústria. A política do ministro Henrique Meirelles é a do antecessor Joaquim Levy multiplicada
por dez. Em 1980, o Brasil produzia industrialmente mais do que
Tailândia, Malásia, Coreia do Sul e China. Hoje, produzimos 10% do que
eles produzem. A financeirização da economia acabou com a indústria
nacional.
JC: Não seria também fruto da incompetência dos industriais?
RR: É
mais fruto da financeirização. No Brasil, é mais interessante aplicar
dinheiro do que produzir. Parece que o Brasil esqueceu que o PT
e Lula só cresceram pelo fracasso absoluto do PSDB no governo. Esse
momento lembra o fim da era getulista. Em 1936, o presidente americano
Franklin Delano Roosevelt visitou o Brasil.
Na ocasião, declarou que o New Deal,
o pacto americano em reação ao liberalismo que corroía a economia dos
Estados Unidos e do mundo, era uma criação dele e de Getúlio Vargas. O
brasileiro com a Consolidação das Leis do Trabalho, com o salário
mínimo, com Volta Redonda, e Roosevelt com o mesmo tipo de política por
lá. Getúlio lançou as bases do Brasil industrializado.
E nos EUA Roosevelt fez algo semelhante
com as ideias de Henry Ford, de Frederick Taylor e de Hjalmar Schacht,
que recuperou a economia alemã ao acabar com a remuneração do capital
vadio. Schacht baixou a taxa de referência de juros na rolagem da dívida
e estabeleceu uma taxa interna de retorno para quem investisse em
parcerias com as empresas alemãs, em projetos de infraestrutura. Hoje, o
que se combate no Brasil é o New Deal.
JC: O economista John Maynard Keynes, grande referência do New Deal, deve se revirar no túmulo ao pensar no Brasil.
RR: Não mencionei Keynes
porque acredito que ele foi o grande sistematizador disso tudo. Inovou
em algumas ideias do Ford, do Taylor, mas o precursor é o Schacht. Fato é
que o Brasil rema na direção contrária.
Essa PEC 241,
que agora é 55 no Senado, é a paralisação do Brasil. Ford previu que a
automação iria aumentar a produção americana, mas que não haveria
consumo para absorvê-la. Propôs o aumento dos salários e a redução das
horas de trabalho. Foi o que o Roosevelt fez. O que fazemos por aqui?
JC: Havia uma preocupação de formar um mercado interno.
RR: Sim, pois isso garante o crescimento de um país soberano.
JC: Lula parece ter percebido isso, não?
RR: Dilma mais do que Lula, ao menos num primeiro momento do seu governo, com o ministro Guido Mantega. Ele reduziu os juros, mas não resistiu à pressão da mídia.
JC: Voltemos por um instante à República de Curitiba. Por que o juiz Moro atua de forma seletiva, golpeia apenas o PT?
RR: Moro costuma dizer que não é da Polícia Federal nem do Ministério Público.
O juiz julga e decide aquilo que lhe chega às mãos, não define os rumos
da investigação, mas é evidente a seletividade. E essas viagens
repetidas de Moro aos Estados Unidos são inexplicáveis. A vaidade é o
pecado preferido do diabo.
JC: Moro julga o que lhe chega às mãos. No momento, ele recebe toda sorte de “convicções” dos procuradores.
RR: Sim,
convicções de procuradores que manifestamente tinham ódio ao PT e, pelo
que sabemos, portaram-se como militantes da campanha de Aécio Neves. Recentemente, emergiu a tese de que o problema da corrupção é excepcional e, portanto, exige medidas excepcionais.
É a posição do jurista Carl Smith na
República de Weimar. Esses procuradores se consideram paladinos.
Colocaram na cabeça que o combate deles à corrupção vai salvar o Brasil.
Enquanto isso, nós estamos entregando o País, acabando com a indústria
nacional.
JC: Os defensores da austeridade fiscal enfatizam o desequilíbrio das contas públicas. O que seria um remédio mais adequado?
RR: O New Deal de Roosevelt e Vargas.
JC: Então não é a hora de economizar, de cortar gastos públicos?
RR: Pelo contrário, é hora
de investir. O economista Carlos Lessa usa um exemplo magnífico. Imagine
uma família com um teto de gastos, que não pode ultrapassar. Então o
filho quebra a perna, e decide-se manter a perna dele quebrada, porque a
família precisa pagar os juros estabelecidos pela banca, e todas as
outras despesas são proibidas. É uma loucura. Durante a crise de 2008 e
2009, os Estados Unidos investiram pesadamente para reativar a economia.
JC: Qual é o objetivo de Temer?
RR: Conheço Temer
e ele nunca falou em Estado mínimo. Falava em redistribuir o Orçamento
para reforçar estados e municípios. Tinha ojeriza de algumas distorções
da aposentadoria, que realmente existem. O estabelecimento do Estado
mínimo é coisa do Meirelles, daquele Denis Rosenfield, articulista do Estadão
e integrante do Instituto Millenium, do Marcos Lisboa. Temer não propôs
nada, e agora está acreditando nisso. É um erro brutal, porque parte de
uma análise equivocada da origem da crise.
Assista à íntegra da conversa, em vídeo:
JC: E qual seria a origem da crise?
RR: Ela emerge da carga brutal de juros de dívida pública não auditada.
Se a dívida fosse em dólar, estava resolvida, porque o dólar andou com
juros negativos nos EUA. Atualmente, os americanos pagam taxas anuais de
0,50%. No Brasil, é de 14%.
JC: Haverá algum tipo de reação popular?
RR: Depois de sentir o
sabor do acesso ao consumo, da ampliação de possibilidades de trabalho, o
povo não vai tolerar ser jogado para baixo de novo. Estamos assistindo a
uma blitzkrieg da imprensa. A mídia vem, demoniza tudo e daí a maldade está colocada. A classe média idiotizada concorda com tudo. A PEC do congelamento é uma tolice total. Tolice maior ainda é o projeto do Serra da securitização da dívida. Foi o que quebrou a Grécia.
JC: Há chance de barrar a PEC dos gastos públicos no Senado?
RR: Temos uma anestesia na opinião pública, patrocinada pela mídia.
Soma-se a isso a fisiologia do Congresso. Poucos estão preocupados com o
Brasil. A maioria pensa em como manter os mandatos e buscar reeleição.
Vejo, porém, setores do País se levantarem contra a PEC 241.
A CNBB deixou clara sua posição. Essa proposta corta os
investimentos no Brasil, principalmente os sociais, mas abre uma porta
sem limites para o pagamento dos juros da dívida. Juros administrados
pela própria banca, porque o Banco Central é ocupado por indicações do
Bradesco, do Itaú, dos rentistas. Se houver uma pressão forte, o Senado
pode acordar.
JC: Faz sentido estabelecer um prazo de 20 anos para a vigência dessa proposta? E se a economia voltar a crescer em breve?
RR: Só faz sentido para o
projeto de Estado mínimo. O objetivo é estabelecer um liberalismo
econômico absoluto. Outro dia, vi Temer e Serra defender a entrada do
Brasil na área de livre-comércio do Transpacífico. Repare: os
presidenciáveis Donald Trump e Hillary Clinton já disseram que aquilo não serve aos EUA, pois ameaça os empregos dos americanos.
Mas Temer e Serra,
nessa vassalagem absoluta, apoiam. Não devem se considerar mais
brasileiros. Conheci o Serra da UNE. Era militante, hoje é de uma
submissão total. O WikiLeaks
denunciou o compromisso assumido por ele com petrolíferas estrangeiras
de acabar com a partilha do pré-sal. Agora privatizam a BR
Distribuidora, o segredo do sucesso da Petrobras.
JC: Quanto tempo dura essa tormenta?
RR: Acredito que terá vida
curta. Não dou seis meses para essa proposta explodir, até porque a
campanha paladínica de combate à corrupção será ampliada. Aqueles
procuradores da “espada de fogo do Senhor” vão prosseguir. E a cúpula política do Brasil inteira está envolvida nessa corrupção sistêmica.
JC: Enquanto não chega essa hora, o que acontece com Lula?
RR: Nada. Eles queriam liquidar com a imagem dele.
RR: Não acredito. Dilma
saiu do governo, diminuiu a carga de responsabilidade dela. Essa crise é
resultante do encolhimento da China e potencializada pela corrupção do
sistema político brasileiro. O povo ainda guarda a imagem do sucesso do
governo Lula. A gestão ficou marcada pela inclusão de milhões de
brasileiros no mercado de trabalho e de consumo.
JC: Como o senhor avalia o resultado das eleições municipais?
RR: É a
desmoralização da política. Os que diziam não serem políticos tinham
espaço enorme, mas foi a vitória do financiamento dos candidatos. Os
vitoriosos não ganharam por ser ou não políticos, e sim por ter dinheiro
para a campanha.
JC: Onde estavam os eleitores de Lula e de Dilma?
RR: Decepcionados.
RR: Ele é majoritário no primeiro turno, no segundo
aperta. Mas, na medida em que essa política de Estado mínimo entrar
pela porta dos brasileiros, volta a memória do bom governo de Lula. Ele
era o líder político mais popular do planeta. Era “o cara” para Barack Obama. Esse sujeito existe na memória. A ascensão de Lula é diretamente proporcional ao insucesso de Temer.
JC: Diante dessa louvação ao Estado mínimo, da submissão aos interesses estrangeiros, onde estão os militares nacionalistas?
RR: Castelo
Branco instituiu a aposentadoria compulsória de generais. Essa
rotatividade acabou com as grandes lideranças. De certa forma, o
Exército tornou-se uma corporação que pensa mais no quanto a União
destina aos seus profissionais.
JC: O senhor arrisca algum palpite sobre o cenário em 2018?
RR: Acredito que esse
projeto amalucado de Estado mínimo fracassará antes. Aí teremos uma
grande discussão. Agora, a imprensa está dominada. Estou conversando na CartaCapital,
mas não tenho nenhum acesso à chamada grande mídia. Fui governador do
Paraná três vezes, prefeito da capital, estou em meu segundo mandato de
senador. E eu posso andar no arame do Senado Federal pelado que não vou
ser notícia.
JC: Seria um espetáculo.
RR: Não seria porque eu iria cair (risos). Neste caso, talvez virasse notícia: “O porra-louca do senador morreu”.
JC: O senhor acha que Lula e Dilma erraram no trato com a mídia? O que poderia ser feito para assegurar maior pluralidade?
RR: Poderiam ter feito o que Cristina Kirchner fez na Argentina. A concentração da mídia potencializa a crise. É um monopólio, o capital segura verticalmente a comunicação no País.
JC: O PT errou ao acreditar na conciliação com as elites?
RR: Sim. Tem aquela velha
história que repeti mil vezes, mas vale a pena recordar. Como governador
do Paraná, dei uma força enorme para a televisão pública do estado. Um
dia eu fui conversar com Lula e propus a ele: “Por que você não cria uma
televisão pública forte no País?” Ele pediu para eu conversar com José
Dirceu. Fui até ele e me surpreendi com a resposta: “Ah, nós já temos
uma televisão”. Perguntei qual seria, e ele respondeu: “Temos a Globo”.
Estavam completamente equivocados.
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