Editorial
Em busca da consciência
As demandas do povo brasileiro estão nas ruas e o governo ilegítimo e a mídia tentam minimizar os fatos. Em vão
por Mino Carta
—
publicado
12/09/2016 16h59

A insatisfação popular fermenta e transforma o "Fora Temer" em "Diretas Já"
Um
especialista em humores da casa-grande expõe a tese, mas pode ser
resultado de conversas a portas fechadas, de que o golpe foi desfechado
na previsão de uma reação internacional adversa, e nem por isso capaz de
alterar a rota. Todos os riscos haveriam de ser corridos para atingir o
objetivo, destruir o Partido dos Trabalhadores. Bastava, e basta, a
pronta anuência de Tio Sam. O Brasil da casa-grande acomoda-se
prazerosamente à condição de satélite dos Estados Unidos.
Se for assim, Michel Temer não se incomodou ao ser escanteado na reunião do G-20. A capitis diminutio sofrida
pelo presidente do Brasil atinge e humilha o País, mas nada disso
importa diante das consequências imediatas do golpe praticado contra a
nossa frágil democracia. Em pleno andamento em relação ao PT, pois a
tarefa será cumprida somente se Lula for definitivamente afastado da corrida presidencial marcada para daqui a dois anos.
A serem estes os propósitos dos
golpistas, e sempre que haja perfeita afinação entre eles, e disso cabe
duvidar, resta perguntar aos botões quanto diria a respeito o espírito
de Garrincha. É suficiente hoje em dia ser súdito ao império do Grande
Irmão do Norte, como se lia nos vetustos editoriais do Estadão, para gozar de sono tranquilo?
O mundo mudou bastante, mudou demais,
gastar palavras sobre o tema é desperdício. Tio Sam é ainda poderoso,
contudo não é mais aquele. Por exemplo, está largamente endividado e a
China é seu imponente credor. A política exterior do governo Lula
desvencilhou o Brasil da tradicional sujeição às vontades de Washington,
com evidentes vantagens para o País. Recordo um lance importante do
período: se os EUA tivessem aceito a exitosa mediação de Lula junto aos
aiatolás, sete anos atrás, a questão do Irã teria sido encaminhada para a
solução bem antes do que, de fato, se deu. Na ocasião, o Brasil
desempenhou papel de potência, bem diverso daquele de Temer na reunião
do G-20.
No mundo atual, a repercussão negativa do
golpe brasileiro não parece conveniente para um país necessitado de
investimento estrangeiro, a contar exclusivamente com capitais que aqui
chegam apenas para engordar. Na moldura cabe até a recomendação do papa
Francisco de orar pelo Brasil e a dúvida que o toma em relação à
possibilidade de uma visita até ontem programada para o ano próximo. A
registrar o patético esforço do presidente Temer ao pretender que o
pontífice, de certa forma, reze pela aceitação do golpe, ou, se
quiserem, pela paz dos cemitérios, sempre a mais conveniente para a
casa-grande.
E lá vem outra pergunta do espírito do nosso inesquecível Mané: era o golpe o que o povo brasileiro queria?
Talvez não seja o caso de imaginar um país rachado por uma polarização
exacerbada. A insatisfação popular fermenta, porém, tanto mais porque
manifestada sem meios-termos, com vigorosa clareza, por milhões de
cidadãos outrora tidos como “cordiais”, no sentido de resignados, para
não dizer covardes. A violência de um aparato policial digno de uma ditadura,
pronto a intervir ao mínimo aceno de rebeldia, prova a semelhança com
situações já vividas por outros países, em outros continentes, oprimidos
por regimes antidemocráticos.
A demanda de quem protesta é inquestionável: Fora Temer e Diretas Já.
Ou, pelo menos, tão logo possível. A máquina da propaganda midiática
empenha-se para minimizar os fatos e maquiar as situações, e é cada vez
mais ineficaz no seu intento. As Diretas Já de 1984 foram um
extraordinário, inédito movimento popular nos estertores da ditadura.
Agora, 32 anos após, começa a ser escrito o segundo capítulo do mesmo
enredo. Há tempo, desde a primeira metade de 2015, CartaCapital adere à proposta de eleições antecipadas, solução inteligente para uma crise de outra forma insolúvel.
A ilegitimidade do governo Temer é nítida
não somente a olhos estrangeiros, e o “Fora Temer” já sobrepuja o tom e
o efeito do “Fora Dilma”. Bons sinais em meio ao caos. Apreciaria
evitar ilusões pela enésima vez, mas lá vou eu, de novo. E me arrisco:
quem sabe algum dia o brasileiro do futuro, próximo, espero, possa dizer
que o golpe de uma quadrilha a serviço da casa-grande teve o condão de
despertar a consciência nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário