Abertura
A política econômica dos mosquitos
A China soube barrar as piores pragas, mas o Brasil decidiu ser chamariz
por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo
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publicado
29/09/2016 04h54
Sukree Sukplang/ Reuters/ Latinstock e Jodi Hilton/ The New York Times/ Latinstock

Rosengren (à esq.) acenou com o aumento dos juros.
Rodrik (à dir.) explica que a "tela antimosquitos" chinesa protegeu o
emprego e exigiu transferência de tecnologia
No
início desta semana, em conjunto com a revisão trimestral do Banco de
Compensações Internacionais (BIS), o economista Claudio Borio chamou
atenção para o aumento da dependência dos mercados financeiros em
relação aos bancos centrais, que estão sobrecarregados por tempo
prolongado. A atuação das autoridades monetárias tem impulsionado os
preços dos ativos, ainda que os “fundamentos econômicos” não tenham se
alterado.
Após o quantitative easing a
liquidez assegurada pelos Bancos Centrais permanece represada na posse
dos controladores da riqueza já acumulada, que rejeitam a possibilidade
de vertê-la em criação de riqueza nova, ante o medo de perdê-la nas
armadilhas da capacidade produtiva sobrante e do desemprego disfarçado nos empregos precários com rendimentos cadentes.
Desamparados do empuxo da demanda, os
bancos centrais rebaixam suas taxas de juro para o subzero, tentam
mobilizar a liquidez empoçada para o crédito e do crédito para a demanda
de ativos reais ao longo do tempo. Mas a coisa não anda ou trota a
passos de Rocinante.
O relatório trimestral do BIS destaca os
níveis historicamente baixos dos rendimentos dos ativos de renda fixa:
“As taxas de juro de curto prazo próximas de zero nos Estados Unidos e
no Reino Unido equivalem ao vale do pós-Grande Depressão, enquanto as
taxas de curto prazo na Alemanha e no Japão alcançaram níveis sem
precedentes”. O volume de dívida governamental negociada a taxas negativas ultrapassou o valor de 10 trilhões dólares em julho desse ano.
Junto à queda nas taxas de juro, o
relatório do BIS relata a elevação nos preços das ações, o que chamou de
“dissonância aparente”. Em agosto deste ano o site Zero Hedge publicou
matéria com a epígrafe “Comprador misterioso revelado: o Swiss National
Bank aumentou sua posição em ações de empresas norte-americanas em 50%
no segundo trimestre de 2016, alcançando o recorde de 62 bilhões de
dólares”.
Entre os aproximadamente
30 bilhões de dólares em ações comprados pelo Banco Nacional Suíço
estão empresas como Apple, Exxon Mobil, Microsoft, Johnson &
Johnson, At&T, General Electric, Amazon, Facebook, Procter & Gamble e Coca-Cola.
O Zero Hedge aponta outro ator estatal na
compra sem precedentes de ações de empresas americanas, o General
Pension Investment Fund do Japão. Com poder de fogo de 1,3 trilhão de
dólares, o fundo de pensão japonês adquiriu bilhões em ações nos últimos
meses. Segundo a matéria “isso responde a recorrente pergunta de quem
tem comprado ações enquanto os outros vendem: bancos centrais”.
O aumento na liquidez não anima as
grandes corporações que, segundo Joseph Stiglitz, estão sentadas em
centenas de trilhões de dólares, pois já detêm capacidade produtiva em
excesso, ou os bancos que ainda estão relutantes em repassar taxas de
curto prazo negativas aos seus depositários, conforme afirma o relatório
do BIS.
Nesse cenário, a proposta de passar por cima dos bancos e injetar liquidez diretamente nas pessoas (helicopter money), para retirar as economias da letargia, parece cada vez menos teórica e hipotética. Usado originalmente por Milton Friedman para ilustrar os efeitos da política monetária sobre
a inflação, e não como uma proposta real, o conceito vem crescendo no
debate entre economistas como alternativa mais efetiva para elevar a
demanda agregada, especialmente em situações de armadilha da liquidez.
Ao longo do século XX, políticas
econômicas foram forjadas, almejando estabilizar uma economia com fortes
inclinações à instabilidade, sob o receio de reedição do desastre
social e econômico ocorrido na Grande Depressão dos anos 30.
As políticas anticíclicas cumpriram o que
prometiam ao sustar a recorrência de crises de “desvalorização de
ativos”. Mas, ao garantir o valor dos estoques de riqueza já existente,
as ações de estabilização ampliaram o papel dos critérios de avaliação
dos Mercados da Riqueza nas decisões de gasto de empresas, consumidores e
governos.
- Outros países que apostaram na globalização como motor do seu crescimento falharam em arquitetar uma estratégia doméstica. (GEPR)
As injeções de liquidez concebidas para
evitar a deflação do valor dos ativos já acumulados incitaram
colateralmente a conservação e valorização da riqueza na sua forma mais
estéril, abstrata, que não carrega qualquer expectativa de geração de
novo valor, de emprego de trabalho vivo. O que era uma forma de evitar a
destruição da riqueza abstrata provocou a necrose do tecido econômico e
o sufocamento do espírito empreendedor pelo garrote do rentismo
refestelado nas bolhas de ativos.
Não por acaso, o Federal Reserve hesita
em subir a taxa de juros. O choque sobre a pirâmide de ativos
sobrevalorizados ficticiamente pode ser fatal. Enredadas nas teias da globalização financeira, as economias nacionais balançam
entre uma reunião e outra do Comitê de Política Monetária de Tio Sam.
Umas sacodem mais que outras. O BIS “aponta para potenciais preocupações
no Brasil, China, Canadá e Turquia”. O Brasil apresenta o maior custo
de serviço da dívida dos países listados, quase 30% acima da Turquia,
que detém o segundo maior, figurando em posição extremamente vulnerável
no caso de uma eventual elevação das taxas de juro internacionais.
A nova equipe econômica no Planalto tenta
vender a “redução estrutural da taxa de juros” a partir da aprovação do
teto para as despesas primárias e reforma da Previdência. Anuncia o
“Projeto Crescer”, com projeções de queda na Selic de 3,25 pontos para
os próximos 12 meses. Faltou combinar com o presidente do Federal
Reserve de Boston, Eric Rosengren. Sua declaração de que o BC
norte-americano enfrenta cada vez mais riscos se esperar muito tempo
para elevar a taxa de juros foi suficiente para provocar a maior alta
diária do dólar ante o real dos últimos quatro meses. Na quarta-feira 21
de setembro a presidente do Fed jogou a ameaça para as próximas
reuniões do FOMC. Alívio na Tropicália.
A política monetária nacional
está subsumida à forma de inserção passiva do Brasil na hierarquia
entre nações e suas moedas. A saliência da taxa Selic expressa a volátil
correlação de uma moeda não conversível com os capitais em movimentos
da finança globalizada. A valorização do real por meio da exorbitância
da Selic é o expediente empregado (há mais de 20 anos) por nossas
autoridades monetárias para conter a inflação e ceifar a indústria
nacional.
Dany Rodrik, economista de Harvard,
afirma que ao analisarmos economias como Japão, Coreia do Sul e China,
veremos que todas se engajaram globalmente de forma seletiva e
estratégica. A China impulsionou exportações, mas também administrou as
importações para proteger o emprego em empresas estatais e exigiu de
investidores estrangeiros a transferência de conhecimento para
companhias domésticas.
Outros países que apostaram na
globalização como motor do seu crescimento falharam em arquitetar uma
estratégia doméstica. O proclamado Novo Renascimento dos anos 90
transmutou-se na Decadência do Novo Primata Exportador.
Rodrik relata a descrição de um estudante chinês da estratégia de globalização do seu país. A China abriu uma janela para a economia mundial, mas colocou uma tela nela.
O país recebeu o ar fresco necessário – aproximadamente 700 milhões de
pessoas foram alçadas da pobreza extrema desde o início dos anos 1980 –,
mas manteve os mosquitos fora.
No Brasil, a abertura financeira infestou a economia de moscas e mosquitos.
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