Sociedade
20 anos depois de levante
“Zapatismo foi um movimento indígena com características ocidentais”
Para o geógrafo
britânico David Harvey, a experiência em Chiapas foi influente. Mas a esquerda
deve pensar em outras formas de se organizar na cidade
JORGE SILVA / AFP
O geógrafo concedeu uma entrevista à reportagem
de CartaCapital, na qual fala sobre o legado do Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que há vinte anos tomou o controle de
parte da pobre província mexicana de Chiapas.
Harvey destaca as novidades trazidas pelo levante,
como a ênfase no direito das mulheres. Ele, porém, se diz “cansado” das pessoas
acharem que a revolução “sairá de Chiapas”. Para o geógrafo, a esquerda deve
achar uma forma própria de se organizar na cidade. Leia abaixo as falas do
geógrafo sobre o levante:
Movimento indígena com características
ocidentais
O zapatismo é retratado às vezes como somente um
movimento indígena. Mas ele não é isso. É um movimento indígena com
caraterísticas ocidentais. Um movimento horizontal, mas com formas militares
hierarquizadas. Ou seja, é uma forma híbrida.
Obviamente o zapatismo teve um impacto muito grande
na esquerda. A esquerda mundial ficou muito impressionada com suas formas
horizontais de governança, mas falhou em reconhecer que a parte militar dessa
organização a modificou muito.
Direitos das mulheres
Os zapatistas abordaram muitas questões importantes
para essas sociedades (indígenas), como os direitos das mulheres, de uma maneira
muito importante. Foi muito excitante ver a questão de gênero, em toda sua
dimensão, ser propriamente abordada e articulada pelos zapatistas. [Diversas
das figuras mais proeminentes do movimento eram mulheres e, logo após o levante,
os zapatistas fizeram uma serie de reivindicações específicas em relação a
elas].
Os direitos das mulheres estavam arraigados muito
neste movimento, o que não é necessariamente verdade em outras populações
indígenas e na esquerda. Mais uma vez, nessa questão, eles tinham
características especiais.
Teologia da libertação
O movimento era uma combinação brilhante de
pensamento indígena com perspectivas do iluminismo ocidental. Particularmente,
havia uma influência de doutrinas do catolicismo, como dos franciscanos
[conjunto de ordens católicas com forte presença na América Latina]. Eu
acho que foi a expressão de ideias como respeito e dignidade, vindas de Chiapas,
que agarraram a imaginação do mundo.
Foi uma combinação peculiar, onde a posição do
subcomandante Marcos foi extremamente crucial. Não só em termos de organizar a
parte militar, mas também de apresentar suas ideias ao mundo, que muito
dificilmente poderiam ser entendidas. Então, quando ele falava de respeito e
dignidade, ele estava em uma longa história da teologia da libertação, por
exemplo. E as pessoas responderam a isso.
Ação fora do Estado
Havia também a característica de que aquele não era
um partido político, não queria tomar o poder do Estado. Os zapatistas só
queriam autonomia, e isso foi atraente para muitas pessoas ao redor do mundo.
Eles estavam, desta forma, se protegendo da exploração. Quando se faz isso, você
mantém-se fora dos limites, mas isso também gera muitos problemas. Eles precisam
de recursos, eles precisam de armas, é uma história muito complicada.
A revolução não sairá de
Chiapas
As vezes eu fico um pouco cansado porque em partes da
Europa e da América do Norte as pessoas acham que a revolução vai sair de
Chiapas e salvar a nós todos. Meu argumento é que a gente não pode simplesmente
tirar aquilo do México e trazer para cá, nós temos de inventar nossas próprias
maneiras de fazer política, de acordo com as nossas próprias
circunstâncias.
Nós não estamos vivendo em Chiapas, nós estamos
vivendo em Pittsburgh, em Detroit, em São Paulo. E a gente precisa pensar nas
nossas próprias formas de se organizar em grandes cidades como
essas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário