As 5 propostas de Álvaro García Linera para a esquerda mundial
Linera: “A esquerda não pode se contentar apenas com o
diagnóstico e a denúncia. Precisa construir um novo sentido comum, recuperar a
democracia e voltar a reivindicar ideais universais”
O
vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, foi convidado a participar do
IV Congresso do Partido da Esquerda Europeia, realizado de 13 a 15 de dezembro,
em Madri. Falando para representantes de 30 organizações da esquerda europeia,
Linera apresentou um programa de cinco propostas para superar a situação de
debilidade da esquerda hoje na Europa e em outras regiões do mundo. Álvaro
Linera é hoje um dos principais pensadores da esquerda mundial, aliando
capacidade intelectual com a experiência de governo que vem tendo na Bolívia.
Nestes dias onde se fala muito de crise da representação e de crise da política,
vale a pena ler as propostas de Linera para a esquerda mundial. As cinco
propostas que ele apresentou são as seguintes:
1.
Construir um novo sentido comum
A
esquerda não pode se contentar apenas com o diagnóstico e a denúncia. O
diagnóstico e a denúncia servem para gerar indignação moral e é importante a
expansão da indignação moral, mas não gera vontade de poder. A denúncia não é
uma vontade de poder. Pode ser a antessala de uma vontade de poder, mas não é a
própria. A esquerda europeia e a esquerda mundial, diante desse turbilhão
destrutivo, depredador da natureza e do ser humano, impulsionado pelo
capitalismo contemporâneo, tem que aparecer com propostas ou com iniciativas.
Nós precisamos construir um novo sentido comum. No fundo, a luta política é uma
luta pelo sentido comum. Pelo conjunto de juízos e conceitos. Pela forma como,
de modo simples, as pessoas ordenam o mundo. Esse é o sentido comum. É a
concepção de mundo básica com a qual ordenamos a vida cotidiana. A maneira pela
qual valoramos o justo e o injusto, o desejável e o possível, o impossível e o
provável. A esquerda mundial tem que lutar por um novo sentido comum,
progressista, revolucionário, universalista.
2.
Recuperar o conceito de democracia
Em
segundo lugar, necessitamos recuperar o conceito de democracia. A esquerda
sempre reivindicou a bandeira da democracia. É nossa bandeira. É a bandeira da
justiça, da igualdade, da participação. Mas para isso temos que nos livrar da
concepção da democracia como um fato meramente institucional. A democracia são
instituições? Sim, são instituições. Mas é muito mais do que isso. A democracia
é votar a cada quatro ou cinco anos? Sim, mas é muito mais do que isso. É eleger
o Parlamento? Sim, mas é muito mais do que isso. É respeitar as regras da
alternância? Sim, mas não é só isso. Essa é a maneira liberal, fossilizada, de
entender a democracia na qual às vezes ficamos presos. A democracia são valores?
São valores, princípios organizativos do entendimento do mundo: a tolerância, a
pluralidade, a liberdade de opinião, a liberdade de associação. Está bem, são
princípios, são valores, mas não são somente princípios e valores. São
instituições, mas não são somente instituições.
A
democracia é prática, é ação coletiva. A democracia, no fundo, é a crescente
participação na administração dos bens comuns que uma sociedade possui. Há
democracia se os cidadãos participam dessa administração. Se temos como um
patrimônio comum a água, então democracia é participar na gestão da água. Se
temos como patrimônio comum o idioma, a língua, democracia é a gestão comum do
idioma. Se temos como patrimônio comum as matas, a terra, o conhecimento,
democracia é a gestão comum destes bens. Crescente participação comum na gestão
das matas, na gestão da água, na gestão do ar, na gestão dos recursos naturais.
Teremos democracia, no sentido vivo, não fossilizado do termo, se a população (e
a esquerda trabalhar para isso) participar de uma gestão comum dos recursos
comuns, das instituições, do direito e das riquezas.
3.
Recuperar a reivindicação dos ideais universais
A
esquerda tem que recuperar também a reivindicação do universal, dos ideais
universais. Dos comuns. A política como bem comum, a participação como uma
participação na gestão dos bens comuns. A recuperação dos bens comuns como
direito: direito ao trabalho, direito à aposentadoria, direito à educação
gratuita, direito à saúde, a um ar limpo, direito à proteção da mãe terra,
direito à proteção da natureza. São direitos. Mas são universais, são bens
comuns universais frente aos quais a esquerda tem que propor medidas concretas,
objetivas e de mobilização. Na Europa, usaram recursos públicos para socorrer os
bancos. Usaram bens comuns para socorrer o privado. O mundo está ao
contrário!
4.
Reivindicar nova relação entre o ser humano e a natureza
Também
precisamos reivindicar, em nossa proposta como esquerda, uma nova relação
metabólica entre o ser humano e a natureza. Na Bolívia, por nossa herança
indígena, chamamos isso de uma nova relação entre ser humano e natureza. Como o
presidente Evo diz, a natureza pode existir sem o ser humano, mas o ser humano
não pode existir sem a natureza. Mas não é o caso de cair na lógica da economia
verde, que é uma forma hipócrita de ecologismo. Converteram a natureza em outro
negócio.
É
preciso restituir uma nova relação, que é sempre tensa. Porque a riqueza que vai
satisfazer necessidades humanas requer transformar a natureza e ao fazermos isso
modificamos sua existência, modificamos a biosfera. Ao modificarmos a biosfera,
muitas vezes destruímos a natureza e também o ser humano. O capitalismo não se
importa com isso, porque para ele tudo não passa de um negócio. Mas para nós
sim, para a esquerda, para a humanidade, para a história da humanidade.
Precisamos reivindicar uma nova lógica de relação, não diria harmônica, mas sim
metabólica, mutuamente benéfica, entre entorno vital natural e ser humano.
5.
Reivindicar a dimensão heroica da política
Por
último, não resta dúvida que precisamos reivindicar a dimensão heroica da
política. Hegel via a política em sua dimensão heroica. E seguindo a Hegel
suponho, Gramsci dizia que as sociedades modernas, a filosofia e um novo
horizonte de vida, tem que se converter em fé na sociedade. Isso significa que
precisamos reconstruir a esperança, que a esquerda tem ser a estrutura
organizativa, flexível, crescentemente unificada, que seja capaz de reabilitar a
esperança nas pessoas. Um novo sentido comum, uma nova fé – não no sentido
religioso do termo -, mas sim uma nova crença generalizada pela qual as pessoas
dediquem heroicamente seu tempo, seu esforço, seu espaço e sua dedicação.
A
esquerda tão débil hoje na Europa não pode se dar ao luxo de ficar dividida.
Pode haver diferença em 10 ou 20 pontos, mas coincidimos em 100. Esses 100 tem
que ser os pontos de acordo, de proximidade, de trabalho. E deixemos os outros
20 para depois. Somos demasiados fracos para nos darmos ao luxo de seguir em
brigas doutrinárias e de pequenos feudos, nos distanciando dos demais. É preciso
assumir novamente uma lógica gramsciana para unificar, articular e promover
ações comuns.
É
preciso tomar o poder do Estado, lutar pelo Estado, mas nunca devemos esquecer
que o Estado, mais do que uma máquina, é uma relação. Mais do que matéria, é uma
ideia. O Estado é fundamentalmente ideia. E um pedaço é matéria. É matéria como
relações sociais, como força, como pressões, como orçamentos, acordos,
regulamentos, leis. Mas é fundamentalmente ideia como crença de uma ordem comum,
de um sentido de comunidade. No fundo, a luta pelo Estado é uma luta por uma
nova maneira de nos unificarmos, por um novo universal. Por uma espécie de
universalismo que unifique voluntariamente as pessoas.
Isso
requer uma vitória prévia no terreno das crenças, uma vitória sobre os nossos
adversários na palavra, no sentido comum, ter derrotado previamente as
concepções dominantes de direita no discurso, na percepção do mundo, nas
percepções morais que temos das coisas. A política é, fundamentalmente,
convencimento, articulação, sentido comum, crença, ideia compartilhada, juízo e
conceito compartilhado a respeito da ordem do mundo. E aqui a esquerda não pode
se contentar somente com a unidade de suas organizações. Ela tem que se expandir
para o âmbito dos sindicatos, que são o suporte da classe trabalhadora e sua
forma orgânica de unificação. É preciso ficar muito atento também a outras
formas inéditas de organização da sociedade, à reconfiguração das classes
sociais na Europa e no mundo, às formas diferentes de unificação, formas mais
flexíveis, menos orgânicas, talvez mais territoriais, menos por centros de
trabalho.
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