domingo, 12 de janeiro de 2014

"STF tem a obrigação de revisar a decisão sobre a Anistia"

Viviana Krsticevic, diretora do Centro pela Justiça e o Direito Internacional, afirma que o Supremo deve se pronunciar sobre decisão da Corte Interamericana
por Cynara Menezespublicado 05/12/2013 05:59
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Gláucio Dettmar
Viviana Krsticevic
Para Viviana Krsticevic, o problema é a interpretação da Lei da Anistia feita pelo STF
"O STF (Supremo Tribunal Federal) tem a obrigação internacional de pelo menos revisar a decisão sobre a lei de Anistia", defende Viviana Krsticevic, diretora-executiva do Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), ONG que presta assistência legal em casos envolvendo a defesa dos direitos humanos nos países da América Latina e do Caribe. No Brasil, os advogados representam os familiares dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia no processo que movem contra o Estado brasileiro.
Para Viviana, a sentença da Corte Interamericana, divulgada no final de 2010, que condenou o Estado brasileiro a investigar os fatos e punir os responsáveis pelos mortos no Araguaia, impõe ao STF a necessidade de rever sua decisão anterior, naquele mesmo ano, declarando a lei constitucional. Recentemente, os advogados do Cejil atuaram nas audiências da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso "Palácio de Justiça", no qual o Estado colombiano responde pela acusação de desaparecimento de 13 pessoas, em 1985.
A diretora-executiva do Cejil falou a CartaCapital.
CartaCapitalQue resultado pode ter, para os familiares dos desaparecidos, este julgamento do caso Palácio de Justiça?
Viviana Krsticevic – O que esperam os familiares das vítimas é que, com o processo na Corte Interamericana, isso gere algum nível de vontade política para que se possa avançar na busca da verdade e da Justiça. Neste momento não há uma sentença, mas o Estado está fazendo alguns pequenos reconhecimentos de responsabilidade por conta da própria existência do processo. Como resultado da sentença, esperamos que estabeleçam um plano de busca para saber a verdade e o paradeiro dos desaparecidos.
CC Este é um julgamento bastante longo, não?
VK – Sim, muito. Os familiares das vítimas levam 28 anos pedindo Justiça, há 23 anos dentro do sistema interamericano. É o caso mais demorado até hoje.
CCEste caso criou expectativa nos familiares das vítimas do Araguaia. O que se pode fazer sobre os desaparecidos na guerrilha com a lei de Anistia que temos?
VK – Na realidade, no caso brasileiro existe uma sentença da Corte Interamericana que pede que se investiguem as graves violações dos direitos humanos, os crimes contra a humanidade que se cometeram durante a ditadura no Brasil, em particular nas operações da guerrilha do Araguaia. O que o Brasil tem de fazer é avançar decididamente nas investigações e na busca dos restos dos desaparecidos e estabelecer responsabilidades. Depois da sentença da Corte Interamericana houve alguns avanços em termos de Ministério Público, mas o STF ainda não se pronunciou sobre o tema, revendo as decisões que haviam sido tomadas pela Anistia, por uma interpretação errônea da lei.
CCA lei de Anistia foi feita durante a ditadura. Para muitos, ela não serve ao País que se seguiu a ela.
VK – Claro. Uma das avaliações políticas que fazem Fabio Konder Comparato e outros juristas é que, na verdade, não existe um problema com a lei em si, mas com a interpretação que se faz dela. Mesmo com este texto, o Poder Judiciário poderia interpretar a norma de não isentar de responsabilidade as pessoas que cometeram graves violações de direitos humanos ou crimes contra a humanidade. Este é um aspecto. O que saiu de importante no caso Araguaia foi a Comissão da Verdade, que os familiares haviam pedido na demanda à Corte, e o governo ofereceu, como uma resposta parcial. Há uma expectativa grande dos familiares de que se reescreva a história. Tem que se elaborar um plano para este caso em particular que integre os familiares, que não revitimize, que a maneira de entregar os corpos também seja respeitosa. Tivemos muitos problemas com isso.
CCQue tipo de problemas?
VK – Algumas vezes se demora muito, os restos estão em uma caixa em um espaço judicial, e depois não se sabe onde estão... Agora, num dos casos em que se fez uma nova autópsia sobre um dos executados, no processo de devolver os ossos a família se sentiu maltratada. É muito impactante ver uma exumação, algo meio místico, ver os ossos... É impressionante. Para os legistas são ossos, mas para os familiares é um pedacinho amado de alguém que já não está.
CCMesmo com a decisão de 2010 do STF você acredita ser possível alguma punição?
VK – Sim, porque depois disso teve a sentença da Corte Interamericana. O que nós entendemos é que o Supremo terá de rever a decisão sobre a lei de Anistia porque tem uma obrigação internacional de pelo menos revisá-la. E tem a obrigação de cumprir a sentença da Corte Interamericana.
CCHá um projeto que foi aprovado no Senado que tipifica o crime de desaparecimento forçado. Isso poderia ajudar? O problema é que o Congresso brasileiro é famoso por ser lento...
VK – Acho que uma das coisas que o Executivo poderia fazer neste momento é impulsionar esse projeto, isso está dentro de sua alçada. Poderia demonstrar que tem vontade política de avançar no tema.
CCEssa lei valeria também para os casos atuais envolvendo a polícia, como o de Amarildo?
VK – Claro. Permitiria que crimes que se poderiam ser considerados prescritos sejam investigados ainda que passe muito tempo. Como o crime de desaparecimento forçado é um crime contínuo, se tem este tipo penal em vez de sequestro, é possível punir não só as pessoas que foram responsáveis como as que encobriram. Isto vale tanto para o caso de Amarildo como para os desaparecidos na ditadura militar.

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