As sementes reacionárias
william vieira
Ser de direita parece algum tipo de peste”, filosofa a gaúcha Cibele Baginski, líder do grupo de jovens responsável pela façanha simbólica de refundar a Aliança Renovadora Nacional, partido que deu apoio à ditadura e agora ressurge das cinzas, ao menos no nome e na ideologia. “Meu bom senso diz que estar nessa posição política pode ajudar mais as pessoas e tornar a sociedade melhor.” Apesar de premiada com uma bolsa do ProUni (programa federal criado por Lula que ampliou o acesso à universidade), a estudante de direito de 23 anos e piercing no lábio prega a redução do Estado e a “abolição de quaisquer sistemas de cotas” ou “condições especiais” e se diz pronta a atender aos anseios de “muitas pessoas que estavam sem voz, como eu”. De sua pena saíram as pérolas do estatuto e do programa impressos no Diário Oficial da União, como a “luta contra a comunização da sociedade” e o retorno das aulas de educação moral e cívica. “Creio que, ao permitir a divergência de opinião, a Arena vá trazer um novo horizonte para a democracia no País”, diz. Agora só faltam as 491 mil assinaturas para obter o registro partidário e poder disputar eleições.
Menos pela representatividade e mais pela escolha infeliz, a estudante surgiu como o retrato da nova direita. “É surpreendente fundar um partido com esse nome, já que a Arena foi formada por correligionários da UDN e do PSD que participaram da conspiração para depor João Goulart”, diz Lucia Grinsberg. Ao pesquisar como a legenda serviu de “bode expiatório” para os ditadores, a professora da Unirio identificou uma rejeição histórica à marca. “As referências à Arena eram marcadas pelo deboche. Nenhum político queria se identificar com a Arena publicamente, porque sua memória está carregada de conteúdos negativos como o adesismo e a subordinação.” Em 1979, por exemplo, quando o Diretório Nacional distribuiu um questionário, os poucos integrantes a responder sugeriram a troca de nome.
Mas o que está em jogo, além da diversão midiática, é a consolidação às claras de um neoconservadorismo nos moldes americanos, em boa medida revigorado pela juventude. Uma pesquisa do Datafolha de 2008 sustenta que 37% dos jovens brasileiros se declaram de direita (contra 35% da população em geral), enquanto 28% se dizem de esquerda. Tal parcela, não representada por DEM e companhia, permite à nova direita se organizar eleitoralmente, com cartilha regida por valores político-econômicos e morais. No primeiro caso se enquadram os partidos que tentam se formalizar nos últimos anos, como o Federalista, o Libertários e o Novo, cuja maioria dos integrantes é de jovens interessados em livrar suas vidas da interferência estatal. Os federalistas defendem a descentralização administrativa; o Novo, o lema “gestão eficiente” do centro-direita europeu; e os anarcocapitalistas “libertários”, a privatização geral da existência.
Os valores morais são a bandeira de agremiações menores, que demandam a regulação dos “bons costumes” e colocam a nova Arena no chinelo. “Não conheço ninguém que leve a sério essa menina”, diz Arthur Quindos, ex-aluno de ciências sociais da USP e um dos fundadores da União Conservadora Cristã (UCC), criada in loco para se contrapor à “hegemonia da esquerda” no ensino de humanidades. Pensadores conservadores como Edmund Burke e Russel Kirk forneceram as bases teóricas. Jesus completou a doutrina. E a UCC ganhou fama ao disputar o diretório central dos estudantes. Perdeu e, ao que parece, não deve sair dos muros da universidade.
Mais representativa é a posição do analista Marcelo Ribeiro, da Juventude do DEM. A despeito do pragmatismo do maior partido de direita (que não se admite assim, tanto que mudou de nome, de Partido da Frente Liberal para Democratas), seus jovens, imbuídos de liberalismo e conservadorismo anglo-saxões, querem uma direita pura, “o que se poderá em breve chamar, sem constrangimento, de direita política brasileira”. E é a esquerda que alimentaria o fenômeno, diz Ribeiro. Seu vaticínio é apocalíptico. “Ausente de lastros familiares e valores saudáveis”, a esquerda despertará “uma reflexão política cada vez mais de direita nos jovens brasileiros”, criando uma demanda por instituições conservadoras e “vindo a formar uma geração de homens e mulheres, de direita, que estão prestes a participar do jogo político.”
É em sites, fóruns e redes sociais que essa nova direita se cristaliza. Caso do “Cons”, cujo estatuto demanda o “exercício da defesa do conservadorismo.” Para se associar, é preciso “assumir-se Conservador (a)”, defender o direito à vida “desde a sua concepção”, “os valores e costumes da família tradicional” e o cristianismo. Um texto de Ribeiro resume a ideologia. “Enquanto o nosso inimigo está a dizer: ‘Nunca antes na história deste país…’, nós alertamos: não há progresso sem fundamentos morais e preservação de valores como a vida, a propriedade e a fé.” Claro, nesse vasto cenário há um espacinho para certa moderação. “Somos uma Juventude de Centro”, diz Alan Schoeninger, presidente do PSD Jovem em Santa Catarina. O partido mal fez um ano, mas seus jovens já saem à cata de adeptos e, apesar de não se declararem direitistas, elencam valores conservadores. “Defendemos a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento”, afirma o rapaz de centro. “O brasileiro se mostra conservador, e com os jovens isso não é diferente.”
É a direita mais radical, porém, que cresce mais. Que o diga o pernambucano Antonio Silva, o Vulto da zona leste paulistana, ex-integrante do grupo skinhead Carecas do Subúrbio e hoje líder da Resistência Nacionalista, organização de extrema-direita nascida como “grupo de estudos” e hoje essencial às passeatas direitistas – tudo organizado de forma virtual. “A internet possui papel fundamental, uma vez que possibilita um estreitamento nos laços entre conservadores de diversos cantos do País.” Seu site resistencianacionalista.com traz cartazes para download: um deles ovaciona Gustavo Barroso, líder da Ação Integralista Brasileira, nitidamente fascista. Há ainda um informativo com textos como “Metrossexual, Viadagem pós moderna!” e uma revista homônima, cujo editorial se declara “a voz da extrema direita nacionalista”, “mesmo que ela doa a muitos”.
Uma ideologia juvenil que grassa também nas redes sociais. Uma página chamada “Rota na USP” é emblemática. “Você é a favor da PM na USP? Está cansado dos criminosos piquetes e das manifestações violentas destruidoras do patrimônio público?”, diz a página – com link para a “Frente Estudantil Contra-Revolucionária!, que vê como “raio de luz a contra-revolução, baseada pelo professor católico Plínio Corrêa de Oliveira.” Para Márcia Carneiro, estudiosa do integralismo brasileiro, ser de direita passou a ser atrativo ao jovem no momento em que a divulgação de tais mensagens nas redes sociais ganhou aspectos modernos. “Estar incluído em um grupo que acolha suas raivas, recalques e intolerâncias faz-lhes sentir confortáveis em um mundo que a abertura de oportunidades fere as suas arrogâncias.” Filhos de uma “velha classe média que se recusa a compartilhar os ganhos econômicos e sociais com a nova classe média”, esses jovens não teriam mais receio de se assumir como de direita. Antes, diante da negação do PT no governo, orgulham-se disso.
Mas a direita também lê em papel: são livros repletos de preconceitos e distorções históricas, comuns desde que o PT chegou ao poder com Lula, rapidamente resenhados nos redutos conservadores da mídia. Um expoente dessa literatura é Leandro Narloch, fenômeno de vendas com seus “guias politicamente incorretos” que vertem para o senso comum a história do Brasil e da América Latina. Teria ele encontrado um nicho carente na direita juventil? “Acho que sim, muita gente percebeu que os leitores estão cansados de lugares-comuns da esquerda”, diz. A biblioteca virtual do “Cons” amplia a lista. Há desde livros do economista Rodrigo Constantino (de Privatize Já) ao Orvil da FAB; de Os Dez Princípios Conservadores, de Russel Kirk, a Rompendo o Silêncio, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. No hall de referências nativas há ainda “acadêmicos” como os filósofos Luis Pondé e Denis Rosenfield e os jornalistas Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo. São as inspirações de Cibele e tantos outros jovens.
Se o estardalhaço em torno da nova Arena soa artificial, o pensamento por trás dela, não. “Seria preciso discutir o que a refundação de um partido criado por um regime ditatorial diz sobre a construção da memória da ditadura”, reflete a historiadora Samantha Quadrat, da UFF. Em um país que anistiou torturadores, a memória coletiva escamoteou o fato de que a ditadura “tinha de fato o apoio de parcelas significativas da sociedade”, que ainda hoje se lembram com carinho do passado autoritário. A recuperação da sigla seria só um exemplo. A historiadora, que pesquisou a juventude pinochetista no Chile dos anos 1970, diz ser utópica a ideia de que todo jovem é progressista, em nenhum lugar do mundo. “Não era assim em 1968, não é assim hoje.”
Menos pela representatividade e mais pela escolha infeliz, a estudante surgiu como o retrato da nova direita. “É surpreendente fundar um partido com esse nome, já que a Arena foi formada por correligionários da UDN e do PSD que participaram da conspiração para depor João Goulart”, diz Lucia Grinsberg. Ao pesquisar como a legenda serviu de “bode expiatório” para os ditadores, a professora da Unirio identificou uma rejeição histórica à marca. “As referências à Arena eram marcadas pelo deboche. Nenhum político queria se identificar com a Arena publicamente, porque sua memória está carregada de conteúdos negativos como o adesismo e a subordinação.” Em 1979, por exemplo, quando o Diretório Nacional distribuiu um questionário, os poucos integrantes a responder sugeriram a troca de nome.
Mas o que está em jogo, além da diversão midiática, é a consolidação às claras de um neoconservadorismo nos moldes americanos, em boa medida revigorado pela juventude. Uma pesquisa do Datafolha de 2008 sustenta que 37% dos jovens brasileiros se declaram de direita (contra 35% da população em geral), enquanto 28% se dizem de esquerda. Tal parcela, não representada por DEM e companhia, permite à nova direita se organizar eleitoralmente, com cartilha regida por valores político-econômicos e morais. No primeiro caso se enquadram os partidos que tentam se formalizar nos últimos anos, como o Federalista, o Libertários e o Novo, cuja maioria dos integrantes é de jovens interessados em livrar suas vidas da interferência estatal. Os federalistas defendem a descentralização administrativa; o Novo, o lema “gestão eficiente” do centro-direita europeu; e os anarcocapitalistas “libertários”, a privatização geral da existência.
Os valores morais são a bandeira de agremiações menores, que demandam a regulação dos “bons costumes” e colocam a nova Arena no chinelo. “Não conheço ninguém que leve a sério essa menina”, diz Arthur Quindos, ex-aluno de ciências sociais da USP e um dos fundadores da União Conservadora Cristã (UCC), criada in loco para se contrapor à “hegemonia da esquerda” no ensino de humanidades. Pensadores conservadores como Edmund Burke e Russel Kirk forneceram as bases teóricas. Jesus completou a doutrina. E a UCC ganhou fama ao disputar o diretório central dos estudantes. Perdeu e, ao que parece, não deve sair dos muros da universidade.
Mais representativa é a posição do analista Marcelo Ribeiro, da Juventude do DEM. A despeito do pragmatismo do maior partido de direita (que não se admite assim, tanto que mudou de nome, de Partido da Frente Liberal para Democratas), seus jovens, imbuídos de liberalismo e conservadorismo anglo-saxões, querem uma direita pura, “o que se poderá em breve chamar, sem constrangimento, de direita política brasileira”. E é a esquerda que alimentaria o fenômeno, diz Ribeiro. Seu vaticínio é apocalíptico. “Ausente de lastros familiares e valores saudáveis”, a esquerda despertará “uma reflexão política cada vez mais de direita nos jovens brasileiros”, criando uma demanda por instituições conservadoras e “vindo a formar uma geração de homens e mulheres, de direita, que estão prestes a participar do jogo político.”
É em sites, fóruns e redes sociais que essa nova direita se cristaliza. Caso do “Cons”, cujo estatuto demanda o “exercício da defesa do conservadorismo.” Para se associar, é preciso “assumir-se Conservador (a)”, defender o direito à vida “desde a sua concepção”, “os valores e costumes da família tradicional” e o cristianismo. Um texto de Ribeiro resume a ideologia. “Enquanto o nosso inimigo está a dizer: ‘Nunca antes na história deste país…’, nós alertamos: não há progresso sem fundamentos morais e preservação de valores como a vida, a propriedade e a fé.” Claro, nesse vasto cenário há um espacinho para certa moderação. “Somos uma Juventude de Centro”, diz Alan Schoeninger, presidente do PSD Jovem em Santa Catarina. O partido mal fez um ano, mas seus jovens já saem à cata de adeptos e, apesar de não se declararem direitistas, elencam valores conservadores. “Defendemos a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento”, afirma o rapaz de centro. “O brasileiro se mostra conservador, e com os jovens isso não é diferente.”
É a direita mais radical, porém, que cresce mais. Que o diga o pernambucano Antonio Silva, o Vulto da zona leste paulistana, ex-integrante do grupo skinhead Carecas do Subúrbio e hoje líder da Resistência Nacionalista, organização de extrema-direita nascida como “grupo de estudos” e hoje essencial às passeatas direitistas – tudo organizado de forma virtual. “A internet possui papel fundamental, uma vez que possibilita um estreitamento nos laços entre conservadores de diversos cantos do País.” Seu site resistencianacionalista.com traz cartazes para download: um deles ovaciona Gustavo Barroso, líder da Ação Integralista Brasileira, nitidamente fascista. Há ainda um informativo com textos como “Metrossexual, Viadagem pós moderna!” e uma revista homônima, cujo editorial se declara “a voz da extrema direita nacionalista”, “mesmo que ela doa a muitos”.
Uma ideologia juvenil que grassa também nas redes sociais. Uma página chamada “Rota na USP” é emblemática. “Você é a favor da PM na USP? Está cansado dos criminosos piquetes e das manifestações violentas destruidoras do patrimônio público?”, diz a página – com link para a “Frente Estudantil Contra-Revolucionária!, que vê como “raio de luz a contra-revolução, baseada pelo professor católico Plínio Corrêa de Oliveira.” Para Márcia Carneiro, estudiosa do integralismo brasileiro, ser de direita passou a ser atrativo ao jovem no momento em que a divulgação de tais mensagens nas redes sociais ganhou aspectos modernos. “Estar incluído em um grupo que acolha suas raivas, recalques e intolerâncias faz-lhes sentir confortáveis em um mundo que a abertura de oportunidades fere as suas arrogâncias.” Filhos de uma “velha classe média que se recusa a compartilhar os ganhos econômicos e sociais com a nova classe média”, esses jovens não teriam mais receio de se assumir como de direita. Antes, diante da negação do PT no governo, orgulham-se disso.
Mas a direita também lê em papel: são livros repletos de preconceitos e distorções históricas, comuns desde que o PT chegou ao poder com Lula, rapidamente resenhados nos redutos conservadores da mídia. Um expoente dessa literatura é Leandro Narloch, fenômeno de vendas com seus “guias politicamente incorretos” que vertem para o senso comum a história do Brasil e da América Latina. Teria ele encontrado um nicho carente na direita juventil? “Acho que sim, muita gente percebeu que os leitores estão cansados de lugares-comuns da esquerda”, diz. A biblioteca virtual do “Cons” amplia a lista. Há desde livros do economista Rodrigo Constantino (de Privatize Já) ao Orvil da FAB; de Os Dez Princípios Conservadores, de Russel Kirk, a Rompendo o Silêncio, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. No hall de referências nativas há ainda “acadêmicos” como os filósofos Luis Pondé e Denis Rosenfield e os jornalistas Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo. São as inspirações de Cibele e tantos outros jovens.
Se o estardalhaço em torno da nova Arena soa artificial, o pensamento por trás dela, não. “Seria preciso discutir o que a refundação de um partido criado por um regime ditatorial diz sobre a construção da memória da ditadura”, reflete a historiadora Samantha Quadrat, da UFF. Em um país que anistiou torturadores, a memória coletiva escamoteou o fato de que a ditadura “tinha de fato o apoio de parcelas significativas da sociedade”, que ainda hoje se lembram com carinho do passado autoritário. A recuperação da sigla seria só um exemplo. A historiadora, que pesquisou a juventude pinochetista no Chile dos anos 1970, diz ser utópica a ideia de que todo jovem é progressista, em nenhum lugar do mundo. “Não era assim em 1968, não é assim hoje.”
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