Desigualdade social
21.01.2013 16:27
Bolsa Família, versão Índia
Gabriel Bonis
Na Índia, onde cerca de 360 milhões de pessoas vivem com menos de 56 centavos de dólar ao dia, um programa piloto se inspira em uma ideia bem sucedida em diversos países para colocar em prática um ambicioso programa de combate à pobreza. Lançada em janeiro, a medida dará pequenas quantidades de dinheiro diretamente a famílias pobres para que elas realizem suas próprias compras, sem intermediários. Assim como ocorre no Bolsa Família, iniciativa brasileira na mesma área.
Com a nova ação, o governo espera corrigir as falhas do atual programa que gasta 14 bilhões de dólares por ano, cerca de 1% do PIB do país, na compra e distribuição de alimentos, fertilizantes e combustíveis para locais nos quais a população carente pode adquiri-los com desconto ou de graça.
O sistema atual é considerado ineficiente e sujeito à corrupção. De acordo com um estudo de 2010 do Banco de Desenvolvimento da Ásia, 70% dos beneficiários nem sequer eram pobres. Além disso, parte dos alimentos subsidiados e o gás enviados às lojas de racionamento acabavam no mercado negro. Ao realizar os repasses diretamente às famílias, eliminam-se os gastos com a compra e o transporte destes itens, que também não serão extraviados. “Quando o produto é comprado para distribuir há margem para ineficiência, porque pode estragar, ser desviado ou roubado”, comenta o economista Walter Belik, professor da Unicamp e ex-coordenador da Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome da ONU.
Essa falha impediu o país de diminuir a pobreza na última década, embora tenha passado por um acelerado ciclo de crescimento econômico. Mesmo com o aumento da renda da população, 48% das crianças continuam raquíticas, contra 54% em 2001.
As falhas do passado atraíram para a nova ação grandes expectativas. Sonia Gandhi, presidente do Partido do Congresso e mulher do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, o definiu como “o maior programa de inclusão social do mundo”. Já o primeiro-ministro Manmohan Singh disse que a iniciativa é a chance de garantir que o dinheiro “seja gasto com quem realmente necessita”.
A princípio a ação deve incluir 200 mil pessoas nos distritos mais pobres do país, podendo cobrir mais da metade da população. O governo quer transferir 58 bilhões de dólares por ano aos mais pobres, com valores que variam de 1,2 mil e 1,5 mil reais por ano ao invés de dezenas de programas de bem-estar, como bolsas e pensões.
E esse registro mais detalhado da população, assim como o Cadastro Único do Bolsa Família com 14 milhões de inserções, é fundamental para identificar as parcelas mais atingidas pela pobreza. “Esse cadastro também permite uma fiscalização pelos órgãos de controle e uma frequente atualização. São raros os casos de pessoas que recebem sem precisar”, destaca Belik.
Com o novo sistema, o governo quer repassar de forma única os benefícios e subsídios dos 29 programas de bem-estar social que mantém. Nem todos os auxílios foram incluídos no programa piloto por “cautela”. Por enquanto, as famílias cadastradas recebem dinheiro apenas para comprar gás, além de pagamentos de pensão e bolsas de estudo. Ainda não estão inclusos auxílios para alimentos, fertilizantes, querosene e diesel, que continuam sendo distribuídos pelo programa anterior.
A escolha pela transferência direta de dinheiro como forma de combater à fome encontra exemplos de sucesso em diversos lugares do mundo, desde a África à América do Sul. O repasse de dinheiro incentiva o comércio local, o consumo, a nutrição e a educação – mesmo nos locais em que o recebimento não estava atrelado à frequência escolar das crianças beneficiadas (o modelo indiano não terá nenhuma condicionante em troca dos valores).
Os resultados positivos se repetiram na Índia em um pré-teste do programa durante 2011. Em Deli, 100 famílias receberam 1 mil rúpias (20 dólares) diretamente nas contas bancárias. Um grupo de estudo observou o “aumento notável” na nutrição das famílias, que passaram a ter uma dieta mais rica e com alimentos de melhor qualidade. Com o dinheiro, elas também puderam comprar comida em qualquer lugar (ao invés de apenas nas lojas com os descontos nos produtos enviados pelo governo), além de remédios e fazer visitas a médicos. Belik alerta, no entanto, para a necessidade de associar a transferência de renda livre a programas de educação alimentar. “Não basta dar o benefício porque em um contexto de desigualdade e pressão social, as pessoas podem comprar comida sem valor nutricional, como refrigerantes.”
Enquanto o governo vende o programa como “nada menos que mágico”, conforme disse o ministro das Finanças, P. Chidambaram, a oposição aponta suas diversas falhas. A maior delas seria a dependência de contas bancárias em um país onde apenas 40% da população possui esse serviço e os bancos não têm como ampliar demasiadamente sua rede em curto tempo. As instituições também não demonstram interesse em montar operações nas áreas rurais da Índia, onde está grande parte da população carente.
Apoiada neste argumento, a oposição defende a manutenção integral da transferência direta de alimentos para evitar que as pessoas sem conta ou acesso a bancos passem fome por não receber os repasses ou não poder sacá-los.
Uma saída seria ampliar o uso dos correios, já utilizado para repassar pensões. “Montar uma rede para transferir esse recurso é muito caro, então é melhor usar uma estrutura já existente, como os correios. O Japão no passado usava isso para recolher poupança. Essa é uma ferramenta com capilaridade”, diz o cientista social e demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
Outro ponto contrário é o temor de que o dinheiro não seja usado na compra de itens necessários às famílias e que os homens desperdicem os repasses. Neste caso, há exemplos recentes de como controlar o problema. No Reino Unido, o secretário do Trabalho e Pensões Iain Duncan comanda um sistema que vai identificar beneficiários que usam o dinheiro para comprar drogas e bebidas alcoólicas. Eles recebão um cartão inteligente liberado apenas para a aquisição de comida, roupas e itens essenciais para casa.
A oposição crítica ainda mais uma “falha” no programa: ele começa a ser executado a um ano das eleições gerais de 2014, o que foi visto como uma forma de arrematar mais votos para a base governista. Um impacto que Alves acredita ser possível reduzir. “Um programa para aliviar a fome sempre terá um resultado eleitoral, mas não se pode adiar seu lançamento porque isso prejudicaria pessoas com um problema imediato. É recomendável, porém, a criação de uma estrutura institucional sem relação com o partido no poder para gerenciar o programa.”
Com a nova ação, o governo espera corrigir as falhas do atual programa que gasta 14 bilhões de dólares por ano, cerca de 1% do PIB do país, na compra e distribuição de alimentos, fertilizantes e combustíveis para locais nos quais a população carente pode adquiri-los com desconto ou de graça.
O sistema atual é considerado ineficiente e sujeito à corrupção. De acordo com um estudo de 2010 do Banco de Desenvolvimento da Ásia, 70% dos beneficiários nem sequer eram pobres. Além disso, parte dos alimentos subsidiados e o gás enviados às lojas de racionamento acabavam no mercado negro. Ao realizar os repasses diretamente às famílias, eliminam-se os gastos com a compra e o transporte destes itens, que também não serão extraviados. “Quando o produto é comprado para distribuir há margem para ineficiência, porque pode estragar, ser desviado ou roubado”, comenta o economista Walter Belik, professor da Unicamp e ex-coordenador da Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome da ONU.
Essa falha impediu o país de diminuir a pobreza na última década, embora tenha passado por um acelerado ciclo de crescimento econômico. Mesmo com o aumento da renda da população, 48% das crianças continuam raquíticas, contra 54% em 2001.
As falhas do passado atraíram para a nova ação grandes expectativas. Sonia Gandhi, presidente do Partido do Congresso e mulher do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, o definiu como “o maior programa de inclusão social do mundo”. Já o primeiro-ministro Manmohan Singh disse que a iniciativa é a chance de garantir que o dinheiro “seja gasto com quem realmente necessita”.
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As dúvidas sobre a logística do programa, entretanto, são proporcionais ao tamanho da população indiana. A tarefa de identificar 1,24 bilhão de habitantes já é complexa, mas maior ainda é definir aqueles que realmente precisam de ajuda. Por isso, o governo criou um sistema gratuito de registro de identidade biométrico e o atrelou ao recebimento de benefícios sociais, a serem transferidos diretamente por meio de uma conta bancária. Contudo, apenas 240 milhões de pessoas foram cadastradas.Começa julgamento de acusados de estupro coletivo na Índia
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Com o novo sistema, o governo quer repassar de forma única os benefícios e subsídios dos 29 programas de bem-estar social que mantém. Nem todos os auxílios foram incluídos no programa piloto por “cautela”. Por enquanto, as famílias cadastradas recebem dinheiro apenas para comprar gás, além de pagamentos de pensão e bolsas de estudo. Ainda não estão inclusos auxílios para alimentos, fertilizantes, querosene e diesel, que continuam sendo distribuídos pelo programa anterior.
A escolha pela transferência direta de dinheiro como forma de combater à fome encontra exemplos de sucesso em diversos lugares do mundo, desde a África à América do Sul. O repasse de dinheiro incentiva o comércio local, o consumo, a nutrição e a educação – mesmo nos locais em que o recebimento não estava atrelado à frequência escolar das crianças beneficiadas (o modelo indiano não terá nenhuma condicionante em troca dos valores).
Os resultados positivos se repetiram na Índia em um pré-teste do programa durante 2011. Em Deli, 100 famílias receberam 1 mil rúpias (20 dólares) diretamente nas contas bancárias. Um grupo de estudo observou o “aumento notável” na nutrição das famílias, que passaram a ter uma dieta mais rica e com alimentos de melhor qualidade. Com o dinheiro, elas também puderam comprar comida em qualquer lugar (ao invés de apenas nas lojas com os descontos nos produtos enviados pelo governo), além de remédios e fazer visitas a médicos. Belik alerta, no entanto, para a necessidade de associar a transferência de renda livre a programas de educação alimentar. “Não basta dar o benefício porque em um contexto de desigualdade e pressão social, as pessoas podem comprar comida sem valor nutricional, como refrigerantes.”
Enquanto o governo vende o programa como “nada menos que mágico”, conforme disse o ministro das Finanças, P. Chidambaram, a oposição aponta suas diversas falhas. A maior delas seria a dependência de contas bancárias em um país onde apenas 40% da população possui esse serviço e os bancos não têm como ampliar demasiadamente sua rede em curto tempo. As instituições também não demonstram interesse em montar operações nas áreas rurais da Índia, onde está grande parte da população carente.
Apoiada neste argumento, a oposição defende a manutenção integral da transferência direta de alimentos para evitar que as pessoas sem conta ou acesso a bancos passem fome por não receber os repasses ou não poder sacá-los.
Uma saída seria ampliar o uso dos correios, já utilizado para repassar pensões. “Montar uma rede para transferir esse recurso é muito caro, então é melhor usar uma estrutura já existente, como os correios. O Japão no passado usava isso para recolher poupança. Essa é uma ferramenta com capilaridade”, diz o cientista social e demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
Outro ponto contrário é o temor de que o dinheiro não seja usado na compra de itens necessários às famílias e que os homens desperdicem os repasses. Neste caso, há exemplos recentes de como controlar o problema. No Reino Unido, o secretário do Trabalho e Pensões Iain Duncan comanda um sistema que vai identificar beneficiários que usam o dinheiro para comprar drogas e bebidas alcoólicas. Eles recebão um cartão inteligente liberado apenas para a aquisição de comida, roupas e itens essenciais para casa.
A oposição crítica ainda mais uma “falha” no programa: ele começa a ser executado a um ano das eleições gerais de 2014, o que foi visto como uma forma de arrematar mais votos para a base governista. Um impacto que Alves acredita ser possível reduzir. “Um programa para aliviar a fome sempre terá um resultado eleitoral, mas não se pode adiar seu lançamento porque isso prejudicaria pessoas com um problema imediato. É recomendável, porém, a criação de uma estrutura institucional sem relação com o partido no poder para gerenciar o programa.”
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