O Xadrez visa mostrar dois pontos relevantes: Ponto 1 – o envolvimento óbvio da família Bolsonaro com as milícias que mataram Marielle. Ponto 2 – o jogo de acomodamento da mídia. Vai até
determinado ponto, para mostrar alguma independência. Mas recua
imediatamente, quando percebe que bateu em matéria sólida, capaz de
afundar o barco Bolsonaro.
É o caso, agora, da surpresa com a morte do ex-capitão Adriano
Nóbrega, chefe do escritório do crime, depois de ter ignorado solemente
indícios veementes da ligação dos Bolsonaro com o crime e de ter se
calado com a blindagem de Queiroz, o elo explícito dos Bolsonaro com as
milícias.
Tema – o Coitus Interruptus da Globo
No dia 29 de outubro de 2019, o Jornal Nacional divulga a informação
bombástica sobre a entrada, no condomínio de Bolsonaro, de Élcio
Queiroz, o motorista que guiou o carro que conduziu Ronnie Lessa, o
assassino de Marielle.
A reportagem dizia que o porteiro admitiu duas vezes que a
autorização foi dada pela casa 58, de Bolsonaro. Depois de entrar, o
carro rumou para a casa 66, de Ronnie Lessa.
A reportagem dava a dica para o álibi de Bolsonaro: naquele dia ele
estava em Brasília e, portanto, não poderia ter recebido a ligação. Nem
se preocupou em analisar as características do sistema de telefonia do
condomínio, para saber se permitia ou não transferência para celulares.
Naquela madrugada, Bolsonaro fez um live com ataques pesados e ameaças à Globo.
Logo depois, seu filho Carlos Bolsonaro divulgou um vídeo mostrando o
sistema de telefonia do condomínio e uma gravação no horário de entrada
do carro de Élcio, na qual o porteiro supostamente liga para a casa de
Ronnie, não para a casa 58.
A Globo recua, solta uma nota se explicando e não volta mais ao tema,
ignorando todas as informações que surgiram posteriormente, reforçando
sua tese.
Passo 1 – as ligações dos Bolsonaro com as milícias envolvidas na morte de Marielle
Em entrevista à BBC internacional, declarou: “Elas oferecem segurança
e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas
comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las,
já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no
futuro, deveria legalizá-las”.
Um twitter de uma jornalista respeitável, Thais Bilenky, no dia 14
de março, informando que Bolsonaro seguiria para o Rio por estar com
problemas de intoxicação.
O depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, dizendo
ligou para Bolsonaro para obter autorização para a entrada de Elcio
Queiroz no condomínio. E a anotação no papel indicando a casa de
Bolsonaro como destino.
A sessão da Câmara mostrando que, naquele dia, Bolsonaro estava lá, participando das sessões.
O sistema de telefonia do condomínio, que permite transferir ligações para celulares.
Posteriormente, vazamentos aos Bolsonaro de trechos da investigação
de interesse deles, mais a identificação de dois promotores como
bolsonaristas ativos, mostrando acesso da família às investigações.
Teoria do fato
Em cima desses dados, formulei uma hipótese – repito, hipótese – sobre o que teria ocorrido naquele dia.
Bolsonaro articulou uma reunião com Ronnie Lessa (do Escritório de
Crime) e Elcio Queiroz para o dia 14, no Condomínio Vivendas da Barra.
Preparou um álibi para faltar à sessão daquele dia na Câmara
Federal. A jornalista Thais Belinski foi informada de que ele iria
voltar para o Rio de Janeiro por um problema de intoxicação alimentar.
Era um álibi curioso: viajar intoxicado, podendo descansar e ser tratado
em Brasilia.
Naquele dia, trocando ideias com assessores, Bolsonaro se deu conta
de que a ida para o Rio de Janeiro poderia expô-lo. Assim, decidiu ficar
na sessão da Câmara, onde apareceu sem nenhum sinal de quem estava
intoxicado. A reunião no Condomínio foi mantida com os demais
participantes.
Ao chegar ao condomínio, Élcio deu o número da casa de Bolsonaro. O
porteiro ligou para o celular anexado ao número, Bolsonaro atendeu em
Brasília e autorizou a entrada. E Élcio rumou para a casa de Ronnie
Lessa, que fica na mesma rua da casa de Bolsonaro, cerca de duas ou três
casas depois.
Quando a reunião foi identificada, após perícia no celular de Ronnie
Lessa, os Bolsonaro foram informados por aliados infiltrados nas
investigações, que atrasaram a perícia a fim de permitir que as provas
fossem alteradas.
Nos dias seguintes, outros indícios começaram a aparecer,
fortalecendo as hipóteses apresentadas, implicando fortemente os
Bolsonaro, e sendo solenemente ignorados pelas investigações e pela
própria mídia.
As postagens apagadas de Bolsonaro
No dia da morte de Marielle, Bolsonaro pai almoçou na residência do
deputado Carlos Manato, correligionário do Espírito Santo. Comentários
no post do almoço comprovam que, naquele dia, foram apagados todos as
postagens de Jair Bolsonaro no Facebook.
A presença de Carlos no condomínio
Mais que isso, quando foi divulgado o depoimento do porteiro, sobre a
entrada no condomínio do motorista que conduziu Ronnie Lessa para o
assassinato de Marielle, a primeira reação de Carlos Bolsonaro foi dizer que não estava no condomínio naquela hora. Apresentou, inclusive, publicação do Diário Oficial do Município, para comprovar que estava em sessão.
Pouco depois, no entanto, admitiu, por descuido, que estava no condomínio na hora em que os assassinos de Mariella estavam reunidos.
A confissão involuntária ocorreu quando mostrava o vídeo com as
chamadas recebidas pelos porteiros do condomínio. Uma das chamadas era
para sua casa, às 17 horas. Para mostrar que a chamada era inócua,
Carlos clicou o arquivo e apareceu a voz do porteiro informando que
havia chegado um Uber para levá-lo. Estava ali a comprovação, que foi
amplamente ignorada pela imprensa.
Nos dias seguintes, Carlos foi obrigado a apagar todas as suas
postagens e aceitou-se passivamente a explicação de que a razão foi a
irritação do pai com um comentário dele sobre a administração.
O sistema de telefonia que ligava para celular
O principal álibi de Bolsonaro, para rebater a versão do porteiro, de
que o motorista tinha pedido autorização na casa de Bolsonaro, é que
estava em Brasília naquele momento. Logo em seguida, mostramos aqui (com
base no depoimento de um visitante do condomínio) que o sistema interno
não tinha interfone. As chamadas eram remetidas para os telefones fixo
ou celular dos moradores.
Logo depois, um blog do Rio de Janeiro comprovou que o sistema de telefonia do condomínio permitia essas transferências de ligação.
As informações foram completamente ignoradas pela imprensa. As
investigações sequer procuraram levantar as chamadas para celular e os
registros do sistema.
Em nenhum momento o MPE do Rio de Janeiro solicitou uma perícia real
no equipamento de telefonia do condomínio. Logo após a matéria da Globo
com o depoimento do porteiro, o Ministério Público Estadual convoca uma
coletiva e informa sobre uma falsa perícia, feita em tempo recorde, que
teria desmentido o porteiro. Não houve perícia alguma no equipamento,
mas apenas a constatação de que o áudio divulgado por Carlos Bolsonaro
(com o porteiro ligando para a casa de Ronnie Lessa, e não a de
Bolsonaro), era verdadeiro. Não foi periciado se foi incluído no sistema
depois. Posteriormente, descobriu-se que a promotora chefe das
investigações era bolsonarista ativa.
A Polícia Federal empreendeu uma ofensiva inédita de intimidação do
porteiro, para que mudasse seu depoimento, mostrando a face mais
ostensiva do estado policial.
O Ministro da Justiça Sérgio Moro não incluiu o chefe do Escritório
do Crime, Adriano Nóbrega, na lista de criminosos procurados, alegando
que seu caso não demandava cooperação com outros estados. No mesmo
momento, uma cooperação da Polícia Civil do Rio com a da Bahia cercava e
calava Adriano para sempre.
Depois de ter consagrado a condução coercitiva, de ter levado
coercitivamente até 32 funcionários sérios de um banco público, nem
Ministério Público, nem Polícia, conseguiram, até agora, um depoimento
de Queiroz, o elo maior de ligação dos Bolsonaro com as milícias.
Ontem, foi assassinado Adriano Nóbrega que, antes de morrer, afirmava que seria alvo de “queima de arquivos”.
Peça 5 – as explicações para o descaso
Não é pouca coisa. É um presidente da República – e seu grupo –
suspeito de participação no assassinato de uma vereadora. Mais que isso,
com um conjunto de medidas visando facilitar o comércio de armas, o
enfraquecimento das alfândegas, a cooptação da Polícia Federal e do
Ministério Público Federal, a compra da mídia.
O recuo dos grupos de mídia do 1º time se deve ou à intimidação ou à
lógica de permitir o fortalecimento de Bolsonaro, para que ele entregue
as tais reformas.
Em qualquer caso, uma clara marcha para a insensatez.
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