quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O dia em que a PM descer atirando e não for carnaval, por Luis Nassif

São Paulo foi pragmático, ao fechar um acordo com o PCC. Até que vieram os massacres de maio de 2006, a pior mancha na história de São Paulo e da PM, que a justiça e a mídia varreram para baixo do tapete

Por Luis Nassif

Confesso que houve uma época em que eu sentia orgulho da ”nossa Polícia Militar”. E dizia “nossa” de boca cheia.
O país saía da ditadura, entrava nos anos 90 com impulsos modernizantes. De minha parte, tornei-me um entusiasta dos planos de gestão. No meu espaço na Folha – e se os colegas soubessem a relevância de um espaço de jornal para disseminar as boas causas! – várias vezes difundi os programas de qualidade do setor público, da Justiça e da Polícia Militar.
Na PM paulista havia um grupo empenhado na modernização, em métodos modernos de gestão, recorrendo a modernas políticas de segurança, ao invés da Rota e outros péssimos exemplos das polícias da ditadura.
Discutia-se o policiamento de vizinhança, o policial se responsabilizando por uma área, tornando-se amigo do comércio e dos moradores, com capacidade de acionar rapidamente viaturas em casos de emergência.
Havia um programa da PM de visitar bairros sendo precedida da Banda marcial. Era tão envolvente o som da Banda da PM que até ousei enviar um dobrado, que recebeu um arranjo belíssima. Era o “Dobrado das Raças do Brasil”, uma apologia ao que parecia ser a democracia racial a caminho.
O que fizeram com as PMs? Hoje são odiadas, temidas, vaiadas. E tudo pela responsabilidade exclusiva de governadores que fizeram da violência contra o crime a panacéia para quem não conseguia combater o crime com metodologia.
A culpa não é de agora. É de Geraldo Alckmin quando foi na conversa de Saulo, seu secretário da Justiça implacável, que ousou invadir a Assembleia Legislativa levando uma tropa de PMs a tiracolo. Era o próprio Alckmin, emulando o discurso com que Paulo Maluf encantava uma classe média paulistana desinformada e revanchista da vida. E tudo isso era mal menor, perto do que ocorreu no Rio de Janeiro com governadores corruptos montando políticas de segurança tortas, e juízes punitivistas sendo eleitos com apoio das milícias.
Afinal, São Paulo foi pragmático, ao fechar um acordo com o PCC, entregando a ele o controle de vastas regiões da cidade. Aliás, pelo que se sabe, eles têm um sistema de justiça mais transparente que a de São Paulo formal.
Até que vieram os massacres de maio de 2006, a pior mancha na história de São Paulo e da PM, que a justiça e a mídia varreram para baixo do tapete. Mais de 600 pessoas assassinadas, quase todos jovens, negros e pobres, grande parte sem registro policial, muitos indo à escola. E a PM tornou-se definitivamente uma instituição maldita.
Qual a vida de um PM hoje em dia? No trabalho, os policiais não tem o estímulo do reconhecimento por parte da população. No final do dia, o PM volta para sua casa, tendo no caminho sempre a possibilidade de uma vendetta por parte das suas vítimas, em uma guerra estimula da exclusivamente por seu chefe maior, o governador do Estado.
Os que são apanhados cometendo ilicitudes amargam punição, expulsão e prisão. Só aí entendem que a tal retaguarda prometida pelo governador era mentira. E, na verdade, o governador não está nem aí para o destino dos que foram ingênuos em acreditar em suas promessas de recompensa. No máximo, defenderão genericamente os massacres cometidos, as chacinas da Candelária, de Paraisópolis. E, nos bares da vida, os policiais  erguerão um brinde em homenagem ao capitão Adriano, que soube usar a função para seus próprios objetivos.
Enquanto isto, os governantes abrigam-se nos palácios de governo, devidamente protegidos por sua guarda pessoal. Antes de dormir farão uma última live, celebrando alguma bala na cabecinha.
A última previsão de Nostradamus pode ter sido a cena dantesca do dia em que a PM descer atirando. E não for na periferia.


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