Poder
O adversário de Lula é o tapete
por Miguel Martins e Rodrigo Marins
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publicado
12/06/2017 00h30,
última modificação
09/06/2017 16h23
Com 40% das intenções de voto espontâneo, o ex-presidente é ameaçado pela “elasticidade das provas” da Lava Jato
Andrei Leonardo Pacher/Xinhua/Zuma Press/Fotoarena

Encomendada pela Central Única
dos Trabalhadores, a mais recente sondagem do instituto Vox Populi,
divulgada na terça-feira 6, revela um candidato imbatível tanto no
primeiro quanto no segundo turno.
O petista ostenta
impressionantes 40% das intenções de voto espontâneo, quando não são
apresentados aos entrevistados os nomes dos prováveis postulantes,
seguido à larguíssima distância pelo ultradireitista Jair Bolsonaro
(8%), pela ex-senadora Marina Silva (2%) e pelo juiz federal Sergio Moro
(2%), mais um delírio da casa-grande em busca desesperada por um
oponente viável.
Enquanto o petista escala nas
preferências do eleitorado, as intenções de voto dos tucanos evaporam
dia após dia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador de
São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital paulista, João
Doria, figuram, cada um, com míseros 1% das menções espontâneas.
O senador Aécio Neves, afastado
do mandato parlamentar por decisão do ministro Edson Fachin, relator da
Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, nem sequer chega a pontuar.
Não causa surpresa, portanto, a relutância do PSDB em abandonar o
moribundo governo de Michel Temer, assim como a enfática defesa do
partido pelas eleições indiretas.
O repentino e cínico apego à
norma constitucional, a entregar ao Congresso a tarefa de escolher um
substituto em caso de vacância do poder, confunde-se com o pavor das
urnas e a ausência de votos.
As respostas estimuladas apenas confirmam o favoritismo de Lula.
Com Alckmin como candidato do PSDB, o petista tem 45% dos votos no
primeiro turno, ante 29% de seus adversários somados. Bolsonaro (PSC)
aparece com 13%, seguido de Marina (Rede), com 8%.
Alckmin e Ciro Gomes (PDT),
empatados com 4%. Se o postulante tucano for Doria, o cenário é
semelhante: Lula tem 45%, ante 30% de seus rivais. Nesse caso, Bolsonaro
tem 12%, Marina, 9%, Ciro, 5%, e Doria, 4%.
O melhor cenário para Lula é,
porém, ter Aécio como adversário. O tucano aparece com 1%, atrás de Ciro
(5%), Marina (9%) e Bolsonaro (13%). Neste cenário, o petista chega a
46% das intenções de voto no primeiro turno, ante 28% dos rivais.
Em todas as projeções de segundo
turno o ex-presidente amealha mais de 50% dos votos, muito à frente de
Alckmin (11%), Doria (13%), Aécio (5%) e Marina Silva (15%). Ao todo,
foram entrevistados 2.001 brasileiros com mais de 16 anos, em 118
municípios de todos os estados e do Distrito Federal, entre os dias 2 e 4
de junho. A margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais,
para mais ou para menos.
Durante o 6º Congresso Nacional
do PT, no domingo 4, quando a senadora Gleisi Hoffmann tornou-se a
primeira mulher eleita para presidir o partido em 37 anos de história,
as lideranças do partido reforçaram apoio incondicional a Lula na
disputa presidencial.
Diante da ameaça de ter a candidatura inviabilizada por uma eventual condenação em segunda instância, a legenda demonstrou a disposição de partir para o enfrentamento político em vez de cogitar um plano B.
Uma das principais resoluções
aprovadas pelos delegados foi a “posição inegociável pelas Diretas Já”,
enfatizando que os parlamentares petistas não participarão de um
eventual colégio eleitoral destinado a escolher, indiretamente, o
sucessor de Temer em caso de renúncia, impeachment ou cassação de seu mandato.
Desta vez, Lula demonstra
não estar disposto a repetir a estratégia de conciliação com as elites,
que marcou os seus dois mandatos, de 2003 a 2010. “Neste momento, o PT
tem de radicalizar o que puder na defesa do direito de as pessoas
viverem com decência”, discursou na abertura do 6º Congresso do PT. “O
ódio não vem de baixo. O ódio vem de cima, porque eles não querem que a
gente suba nem um degrau na escala social.”
Segundo colocado na disputa pela
presidência do PT, com 38% dos votos válidos, o senador Lindbergh
Farias diz estar satisfeito com as teses aprovadas pelo Congresso do PT.
“Busquei o confronto com aqueles que acreditam ser possível, hoje,
repetir a estratégia de 2003.
Na verdade, devemos estar
preparados para a guerra, para enfrentar esse golpe patrocinado pela
burguesia brasileira, que rasgou a Constituição de 1988”, diz o
parlamentar, reconduzido à Liderança do PT no Senado na noite da
quarta-feira 7. “Precisamos de reforma profunda no sistema tributário,
extremamente desigual, e rediscutir o sistema da dívida pública, que
transfere 35% do Orçamento para os rentistas.
São pontos centrais, que foram
aprovados pelo partido. Outro aspecto positivo foi a censura à política
econômica vacilante que tivemos com o ministro Joaquim Levy, no segundo
mandato de Dilma.”
Réu em cinco ações penais da Lava Jato,
Lula reiterou à militância do partido ser vítima de uma perseguição
política, fruto de uma articulação de setores do Judiciário com a mídia.
“Já provei minha inocência, agora exijo que provem minha culpa. Cada
mentira contada será desmontada”, afirmou. “Um dia o Willian Bonner vai
pedir desculpas ao PT por tudo que fizeram.”
De fato, é cada vez mais cristalino
o empenho da República de Curitiba em tirar o petista da corrida
eleitoral. Na sexta-feira 2, a equipe de procuradores liderada por
Deltan Dallagnol apresentou as alegações finais ao juiz Sérgio Moro
contra Lula no caso do triplex do Guarujá.
Além de pedir a condenação do
ex-presidente em regime fechado, o Ministério Público requer o pagamento
pelo petista de uma multa de 87 milhões de reais. Embora Lula seja
apontado como beneficiário de 3,7 milhões de reais na forma da aquisição
e reforma do imóvel e também do armazenamento de seu acervo pessoal,
Dallagnol e sua equipe querem que o ex-presidente pague o vultoso valor,
relativo a todos os desvios apurados em contratos da OAS com a
Petrobras, a partir da tese de que ele é o suposto “comandante” do
esquema de propinas da OAS com a Petrobras.
São ecos da teoria do domínio do fato, entendimento que permitiu a condenação do ex-ministro José Dirceu
no caso do “mensalão”. A conexão com o julgamento comandado por Joaquim
Barbosa em 2012 é reforçada pelos próprios procuradores da Lava Jato,
dispostos a adular Moro com suas próprias teses. Nas alegações finais
contra Lula, os procuradores mencionam um dos votos da ministra Rosa
Weber no “mensalão”.
Na ocasião, a magistrada
defendeu a “maior elasticidade da prova de acusação” e chegou a comparar
o crime de corrupção com o de estupro. “No estupro, em regra, é quase
impossível uma prova testemunhal, possibilitando-se a condenação do
acusado com base na versão da vítima sobre os fatos (...). Nos delitos
de poder não pode ser diferente.”
Não é circunstancial a menção ao
voto de Rosa Weber: No processo do “mensalão”, Moro foi o assessor
jurídico da ministra, e teve grande influência na tese da admissão
elástica de provas no caso. A partir da mesma perspectiva, os
procuradores pedem 87 milhões de reais como multa para sustentar sua
tese de que Lula era o “comandante do esquema”.
Provas cabais? Nenhuma, como os
próprios procuradores reconhecem. Nas alegações, eles afirmam que “a
solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória e, tendo ela
como pano de fundo, medir adequadamente o ônus da acusação”. Parece um
deboche ao Estado de Direito, como se o dever de provar uma acusação
pudesse ser relativizado.
A confissão de elementos
probatórios frágeis explica a obsessão do Ministério Público em
recuperar decisões do “mensalão”, primeiro capítulo no qual o Judiciário
decidiu abrir mão de provas substanciais com o intuito de condenar
integrantes do PT.
Os argumentos levantados pelos
procuradores foram alvo de críticas do advogado Cristiano Zanin Martins,
defensor de Lula. De acordo com ele, as acusações seguiram “a absurda
lógica do PowerPoint”, uma referência à apresentação da denúncia contra
Lula por Dallagnol em 2016.
Na ocasião, o procurador apontou Lula como “comandante máximo” e reforçou sua “convicção” ao expor um slide
em que o nome do petista surgia ao centro, circundado por 14 razões
pelas quais o procurador o considerava principal beneficiário do
esquema.
A má vontade com Lula contrasta
com a benevolência com que é tratado seu delator. Léo Pinheiro, da OAS,
nem sequer tem um acordo de colaboração premiada com a Justiça, mas foi
beneficiado com um pedido do Ministério Público para ter sua pena
reduzida pela metade por ter “prestado esclarecimentos” à Justiça.
Por “esclarecimentos” entenda-se
a mudança de versão para se beneficiar. Em seus primeiros depoimentos, o
empreiteiro afirmou que as obras da OAS no triplex e no sítio de
Atibaia foram uma forma de agradar Lula, e não contrapartidas a algum
benefício que o grupo tenha recebido.
Em abril deste ano, Pinheiro
passou a atribuir a Lula a posse do apartamento e ainda afirmou que o
ex-presidente o orientou a destruir provas do pagamento de propinas ao
PT. Argumentos sob medida aos inquisidores da Lava Jato.
Ameaçado pelas delações da JBS,
Temer mobiliza a sua base para avançar nas reformas prometidas ao
mercado. Na terça-feira 6, conseguiu aprovar a reforma trabalhista na
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ainda que por um placar
apertado: 14 votos a 11.
Com ou sem a liderança do atual
mandatário, o setor patronal não quer perder a oportunidade de aprovar
as impopulares medidas, razão pela qual os promotores do impeachment
nem querem ouvir falar de eleições diretas caso Temer perca o mandato.
Dessa forma, seria possível escolher alguém “confiável” para tocar a
agenda de retrocessos.
Aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça do Senado, uma emenda constitucional prevê a
realização de eleições diretas em caso de vacância do poder nos três
primeiros anos de mandato.
- Articulado da Frente pelas Diretas Já, Capibaribe aposta no bom senso do STF (Foto: Lula Marques/Agência PT)
A atual base de Temer evoca,
porém, o artigo 18 da Constituição Federal para impedir que o povo
retorne às urnas ainda em 2017. “A lei que alterar o processo eleitoral
só entrará em vigor um ano após sua promulgação”, diz o texto.
Articulador da Frente Parlamentar pelas Diretas Já,
lançada na quarta-feira 7, o senador João Capiberibe, do PSB do Amapá,
enfatiza que as eleições indiretas não foram regulamentadas pelo
Congresso, e a interpretação sobre a aplicação da emenda, imediata ou
não, compete ao STF.
“Sinceramente, duvido muito que os ministros da
Corte irão retirar do povo o direito de escolher seu representante.” O
colega Roberto Requião, do PMDB do Paraná, não é tão otimista, mas
observa que os humores da população podem alterar o cenário no
Parlamento, já entregue aos conchavos por eleições indiretas.
“Não podemos desconsiderar a constante mutação de
fatores. ‘A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito.
Olha de novo e ela já mudou’. Poético, não?”, diz Requião, ao evocar a
máxima atribuída a Magalhães Pinto, chanceler do ditador Costa e Silva.
A pesquisa CUT/Vox Populi revela que 89% dos brasileiros desejam escolher sem intermediários o sucessor de Temer,
caso ele venha a renunciar ou perder o mandato. No próximo dia 30, as
centrais sindicais preparam uma nova greve geral, contra as reformas e
pelas Diretas Já.
Se o desejo captado pelas
pesquisas refluir para as ruas, será cada vez mais difícil os
congressistas ignorarem os apelos da população, aposta Capiberibe.
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