Redes Sociais
O jogo de linguagem fascista
Uma aberração política exprime, com frases feitas e
clichês veiculados nas redes sociais, a miséria subjetiva de nossa época
por Marcia Tiburi
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publicado
11/01/2016 05h51
Ilustração: Minimorgan. Fotos: Franck Camhi/iStockphoto e Weera Danw/Latinstock
Fascismo é uma expressão que vem sendo usada para definir formas espetaculares de exposição de preconceitos raciais, sexuais, de gênero, de classe e vários outros no nível do cotidiano concreto ou virtual.
Podemos lembrar do fascismo italiano e
sua imitação dos rituais de poder da Roma antiga. Mas o fenômeno atual
caracteriza-se por explosões de ódio que causam espanto a quem olha o
mundo e a sociedade em termos democráticos.
Guardados na intimidade, preconceitos são
sementes de fascismos potenciais. Mas a potência não é o ato e ninguém
pode avaliar o sentimento dos outros, senão por meio de sua expressão. A
prova que temos do fascismo de qualquer um é, portanto, sua expressão verbal, gestual ou prática.
Humilho, logo existo!
O fascismo é uma espécie de teoria prática de ação que começa com atos de fala ética e politicamente empobrecidos.
O código verbal é um dispositivo comum e simples que
usamos tanto para produzir a mais básica socialização quanto a mais
complexa metafísica. Hoje, ele mesmo se torna espetáculo. A gritaria, o
xingamento e a falta de respeito não se expressam apenas em palavras e
frases, mas em notícias e formas discursivas em geral.
A grave incapacidade de se relacionar com
aquela figura da diversidade que podemos denominar de “outro”, da qual
essas formas de linguagem são prova, põem em questão a transformação do
verbal em “capital”. Aqueles que, operando dentro de um regime de
pensamento democrático, ficam perplexos ou revoltados com isso,
contrapõem-se aos que se deixam fascinar.
Se os primeiros interpretam a negação do
outro como perda ética, política e social, os segundos, deslumbrados e
fetichizados pela palavra transformada em mercadoria, descobrem o lucro
que a negação do outro pode lhes fornecer em termos subjetivos.
Participam do espetáculo verbal da gritaria sentindo-se capitalizados
subjetivamente.
- Podemos lembrar do fascismo italiano, mas o fenômeno atual caracteriza-se por explosões de ódio (Bundesarchiv)
Em termos simples, isso quer dizer que há
uma vantagem pessoal impagável no ato de negar o outro e de expressar
essa negação com palavras. Essas palavras são publicitárias. Ditas na
forma de slogans fáceis de repetir, elas garantem ao fascista um lucro.
Incansável no ato de repetir frases feitas e clichês, ele parece colocar moedinhas em um cofre. A moedinha pode ser a frase nas redes sociais. Essa busca por lucro por meio de uma repetição torna-se literalmente um modo de ser.
Incapaz de supor a existência da
“alteridade”, o fascista encontra um modo de ser. Como experiência de si
podemos considerar o fascismo um logro, mas não para quem, vivendo um
profundo empobrecimento subjetivo, não tem outra saída. A negação do
outro é funcional para quem dela se serve. Ela pode ser o único jeito de
garantir que se existe. Em termos simples: de conquistar um lugar no
mundo.
O fascismo é, em qualquer sentido, uma
aberração política, mas cujo fundo existencial é a profunda miséria
subjetiva de nossa época. Seu cogito: humilho, logo existo. Ele
serve como prova de si para quem vive vazio relativamente ao pensamento,
aos afetos e à própria ação. O fascista deve pensar que “é alguém” por
meio da transformação do outro em “ninguém”.
As vantagens do fascista
A humilhação produzida esconde a
humilhação vivida. Sabemos que se aprende a humilhar sendo humilhado.
Talvez mostrar no outro o que se esconde em si mesmo possa explicar um
lucro no estilo do velho “levar vantagem”.
Ora, a humilhação verbal é fácil; está
disponível, sobretudo, nas redes sociais. O discurso preconceituoso
permite hoje em dia, além de tudo, conquistar fãs, dirigir mentalidades,
determinar comportamentos.
O fascista real tem algo de um sacerdote
ou de um publicitário altamente expressivo que, em vez de pregar o amor,
vende, sem-vergonha, o ódio contra o outro. E, num mecanismo de
inversão, típico do seu raciocínio fundado na chance de aniquilar o
outro, ao contrário da vergonha – que seria inevitável caso ele
percebesse a si mesmo –, ele se orgulha do que diz.
Do “orgulho hétero” ao “racismo reverso”, da
“culpabilização das vítimas” ao “fazer-se de vítima enquanto é algoz”, é
sempre a mesma lógica de ocultamento de si pela humilhação – ou
afirmação negativa – do outro que está em cena. A própria democracia
muitas vezes é alegada em termos os mais autoritários.
Impotente para a compreensão do outro, para perguntar,
para mudar de ideia, resta-lhe tentar sentir-se sempre cheio de razão. A
impotência para o questionamento tem um nome metafórico cuja validade
técnica, infelizmente, foi banalizada.
Trata-se da “burrice” como impotência não apenas relativa
ao saber sobre as coisas, mas relativa ao outro que sempre nos serve de
espelho.
* Marcia Tiburi, filósofa, acaba de publicar o livro Como Conversar com um Fascista (Ed. Record)
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