Crédito
Recessão, juros e balanços
No cenário de depressão econômica, a alta dos juros afeta drasticamente as condições do crédito
por Luiz Gonzaga Belluzzo
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publicado
20/01/2016 05h50
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em seu caderno Finanças, o jornal Valor
tem publicado diariamente matérias a respeito da situação financeira
das empresas. As informações pouco animadoras não poderiam ser ignoradas
por amigos e inimigos do ajuste.
As matérias sublinham as dificuldades das empresas que, mais uma vez, se aventuraram no endividamento em moeda estrangeira.
É desnecessário dizer que a maioria não se protegeu integralmente nos
mercados futuros contra um episódio desagradável e recorrente de súbita e
violenta desvalorização do real.
Nos anos de bonança, a valorização do real, além da proeza de triturar a indústria brasileira, praticou a façanha de estimular o endividamento de bancos e empresas em moeda estrangeira.
Isso tornou os balanços privados mais
sensíveis a “uma reversão das expectativas”, como assinalou certa vez o
saudoso Roberto Campos, por conta do arriscado “descasamento” de moedas,
fenômeno de sobejo conhecido, mas sempre ignorado pelos brasileiros.
Digo saudoso Bob Fields porque, no tempo
das diligências e dos diligentes, esgrimimos divergências interessantes a
respeito de economia e da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Coisas de economistas ex-seminaristas).
Segue o enterro: é ilusão imaginar que o
passivo externo – construído pelo endividamento privado – não vai gemer
na barriga das empresas. Também é ilusório acreditar que a escalada da
política monetária não iria danificar o balanço das empresas devedoras
em reais, escalavradas pela queda da demanda ou estropiadas pela
Economia Política dos Torquemadas da Lava Jato.
É caudalosa a procissão de empresas bem
administradas que batem às portas da Justiça para demandar recuperação
judicial. Isto, para não falar na via-sacra aos bancos para esticar
prazos das dívidas acumuladas. As reestruturações, quando concedidas,
devem pagar um prêmio nas taxas de juros.
É desnecessário informar o leitor de CartaCapital
sobre os encantos e os poderes do aparato monetário-financeiro das
economias contemporâneas. Quando entregues a seus encantos, os bancos e
similares lubrificam a circulação das mercadorias e dos serviços e,
melhor ainda, adiantam dinheiro para a criação de nova capacidade de
produção.
Entregue a seus poderes, o aparato da
finança se esmera na avaliação das dívidas e direitos de propriedade,
que, dizem, representam ativos reais já acumulados ou, cada vez mais,
pirâmides especulativas alavancadas. Não percam The Big Short, breve nos cinemas da praça.
Os bancos cuidam, portanto, de administrar o estado da liquidez e do crédito
de acordo com as expectativas acerca da evolução dos balanços das
empresas, famílias, governos e países, ou seja, das mudanças nas
relações entre os movimentos de dois estoques: 1. A valorização esperada
dos ativos reais; e 2. As avaliações diárias, marcadas a mercado, das
dívidas e direitos de propriedade que sustentam a posse daqueles
ativos.
Suspeito que as derrapadas do ajuste
brasileiro tenham contribuído pouco para melhorar o humor dos
empresários, espremidos entre o choque de preços administrados, as
esperanças receosas da desvalorização cambial e a escalada dos juros
nominais.
Na defesa da elevação na taxa de juros
está implícita a insuficiência do atual patamar para convencer o mercado
do comprometimento do BC em fazer a inflação convergir para a meta.
O regime de metas, dizem os entendidos,
tem o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central.
Trata-se da regra que, ao longo do tempo, fortalece a confiança dos
mercados no manejo da taxa de juros de curto prazo entregue à
responsabilidade dos BCs.
Ao adequar suas decisões às expectativas
(racionais) dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, os
bancos centrais tornariam mais suave o processo de manutenção da
estabilidade do nível geral de preços, reduzindo a amplitude das
flutuações da renda e do emprego.
Um aperto monetário
ainda maior, como parece prometer o Banco Central, atuará de forma
pró-cíclica tanto na oferta quanto na demanda de crédito. Em cenário de depressão econômica, a elevação do juro básico afeta drasticamente as condições do crédito.
Afeta, portanto, os balanços das
empresas, pois aumenta a disparidade entre o crescimento da dívida e das
receitas. O mesmo pode ser dito da dinâmica da relação dívida
pública/PIB.
A crise machuca não só a arrecadação do
governo, mas também o faturamento das empresas. Elas cortam os gastos e
reduzem o emprego para ajustar os balanços. Como autodefesa, adiam o
pagamento de impostos, fazendo com que o almejado resultado primário se
frustre, majorando a dívida pública em vez de colaborar com a sua
amortização.
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