Lição de Justiça
por Wálter Maierovitch
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publicado
03/05/2015 05h15
De como uma expressão nascida em outras circunstâncias, tapa com luva de pelica, aplica-se à extradição de Pizzolato pela Itália
José Cruz/ Agência Brasil
Caso Pizzolato: no Executivo italiano, concluiu-se pela adoção da cooperação com o Brasil na repressão à corrupção
A expressão “tapa com luva de pelica”
remontaria a episódio ocorrido em setembro de 1303. No sentido literal,
dois emissários do rei Felipe IV, o Belo, não esbofetearam suavemente o
papa Bonifácio VIII, disposto a excomungar o monarca francês por meio da
bula Super Petri Solio. Com o passar do tempo, a
metáfora tomou o lugar do ultraje moral e a grosseria perpetrados, a
mando de Felipe, por Guglielmo di Nogaret e Giacomo Colonna: a dupla
impôs privações ao papa Bonifácio VIII, a ponto de provocar a indignação
dos habitantes da cidade de Anagni, onde o pontífice se refugiara e a
gerar exitosa revolta liberatória. Passou-se do “schiaffo di Anagni”, o
bofetão de Anagni, à sutil versão.
O Supremo Tribunal Federal, em novembro
de 2009, depois de conceder por 5 votos a 4 pedido de extradição do
pluriassassino Cesare Battisti formulado pelo Estado italiano, colocou
de lado a Constituição de 1988 e criou, por poucos dias, uma
jurisprudência ad personam. Essa decisão, que valeu até agora só
para Battisti, delegava ao chefe do Executivo, o presidente Lula, a
palavra final sobre a extradição de estrangeiro em solo brasileiro.
Lula, no último dia do mandato, negou a extradição, com integral adoção
do parecer do Luiz Inácio Adams, ou seja, de não ter a Itália condições
de garantir, pela precariedade dos seus presídios, a integridade física e
moral de Battisti.
Dessa maneira, o governo Lula abandonou
as estultices sustentadas pelo ministro Tarso Genro, que deu inédita e
rasteira interpretação à recente história italiana de repressão ao
terrorismo dentro da legalidade.
Na ágil prática do besteirol, Genro
sustentou também a ocorrência de crime político, a contrariar as
modernas Cortes constitucionais europeias e a Corte Europeia de Direitos
Humanos, que não o admitem se resultar em sangue derramado e vidas
canceladas. Battisti estava definitivamente condenado por autoria e
participação em quatro assassinatos e fora preso na guarda da casa usada
como paiol de armas da sua organização terrorista. Mais ainda, a
Itália, como integrante fundadora da União Europeia, que proíbe a pena
de prisão perpétua, estabeleceu em 30 anos o máximo da pena de prisão,
sem prejuízo de progressões, livramento condicional, graça, indulto etc.
Depois da prisão
de Henrique Pizzolato, graças ao trabalho cooperativo entre a nossa
Polícia Federal e a polícia italiana, imaginou-se, e muita tinta foi
gasta, poder o Estado italiano negar a extradição por pura vendetta.
Nesta modesta coluna ficou frisado não ser a Itália, diante de fato
grave de corrupção com decisão condenatória emanada da mais alta Corte
brasileira, capaz de se comportar como uma república bananeira. Os
leitores também foram informados sobre a segunda fase da extradição e de
o governo italiano, pelo Ministério da Justiça, inclinar-se, diante da
dupla cidadania de Pizzolato, pela prevalência do seu domicílio
principal, do lugar das atividades profissionais e do país onde tirava a
subsistência. Em outras palavras, iria ser dada a prevalência da
cidadania brasileira sobre a italiana.
Não deu outra. A Corte de Cassação
italiana, equivalente do nosso STF, reformou a decisão do Tribunal de
Modena. Este decidira humanitariamente pelo indeferimento da extradição
de Pizzolato, fundamentalmente com base em declaração do ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, de preferir a morte a cumprir pena
fechada em presídio brasileiro e, também, ao anexar ao processo fotos do
presídio de Pedrinhas e outros semelhantes. Como na Itália a extradição
passa por duas fases e no Executivo analisa-se a oportunidade política,
deferiu-se, na sexta-feira 24, a extradição de Pizzolato. A Justiça
entendeu aceitar a declaração do governo Dilma Rousseff de colocar
Pizzolato em presídio seguro. Também de poder haver, em caso
excepcional, extradição de italiano com dupla cidadania.
No Executivo italiano, concluiu-se pela
adoção da cooperação com o Brasil na repressão à corrupção. Sobre o tema
corrupção, a Itália entende ser ilícito de gravidade e primordial a
cooperação internacional no seu contraste. Pizzolato, na volta ao
Brasil, poderá, em incidente do processo de execução, tornar-se um
colaborador de Justiça. Como na Itália, é possível no Brasil, em
processo de execução e pela cláusula rebus sic stantibus de toda
sentença criminal definitiva, a aplicação do direito premial a
delatores. No mais, provaram ser absolutamente equivocadas as
especulações pelas quais a Itália, ofendida pelo comportamento
brasileiro no caso Battisti, não extraditaria Pizzolato. Pode-se dizer
que, ao ministrar uma lição de Justiça, a Itália aplicou no Brasil um
tapa com luva de pelica.
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