Institutos europeus apontam queda no valor das despesas militares do País entre 2013 e 2014, mas o que isso significa?
Entre fevereiro e abril de 2015, dois importantes institutos de
pesquisa europeus publicaram seus tradicionais rankings sobre as
despesas e os orçamentos militares dos países que mais investem em
defesa no mundo. O Brasil aparece em ambas as listas entre os 15
primeiros colocados, mas é o que menos gasta em defesa entre os
integrantes dos BRICs (grupo das economias emergentes que mais crescem,
composto ainda por China, Rússia e Índia). O País também é o único do
grupo a registrar uma redução nos investimentos em defesa entre 2013 e
2014, levando o país a perder posições em ambos os levantamentos. Entre
os cinco maiores orçamentos, apenas os EUA cortaram gastos. Enquanto
isso, os demais BRICs elevaram suas despesas no setor.
O Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IISS, na sigla
em inglês), referência em segurança global, divulgou em fevereiro o
relatório anual The Military Balance,
que mede a capacidade militar de 171 países. Segundo o relatório, o
Brasil deixou a lista dos 10 maiores orçamentos militares do mundo no
ano passado. Em 2014, os EUA tiveram o maior orçamento de defesa com
US$581 bilhões, seguidos por China (US$129,4 bilhões), Arábia Saudita
(US$80,8 bilhões), Rússia (US$70 bilhões) e Reino Unido (US$61,8
bilhões). A Índia figura em oitavo lugar no ranking com US$45,2 bilhões,
uma posição acima do ano anterior. O Brasil é o 11º, um degrau abaixo do ano passado, com orçamento de US$31,9 bilhões, contra os US$34,7 bilhões de 2013.
Em abril, o levantamento anual do Instituto de Pesquisa de Paz
Internacional de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês) sobre gastos em
defesa mostrou um cenário semelhante. Segundo o SIPRI,
o gasto militar global atingiu quase US$1,8 trilhão em 2014, cerca de
2,3% do PIB mundial. Houve uma queda de 0,4% na comparação com o ano
anterior, a terceira seguida. Ainda assim, o valor se mantém muito acima
do US$1,1 trilhão registrado em 2000, por exemplo. Neste contexto,
entre 2013 e 2014, o Brasil caiu da 11ª para a 12ª posição entre os 15
maiores orçamentos militares do mundo. Por outro lado, a Índia subiu de
nono para sétimo, enquanto China e Rússia se mantiveram entre as cinco
primeiras colocações.
Mas o que a posição do Brasil em relação aos gastos militares de
outros BRICs significa e o que explica a queda brasileira nos rankings?
Parte deste resultado pode ser explicado pela intensa diferença entre a
realidade geopolítica do Brasil e dos demais membros do grupo. Somente em 2014,
a China aumentou os gastos militares em 9,7%, mas disputas territoriais
no Mar do Sul e do Leste da potência asiática são fatores relevantes a
impulsionar os investimentos em defesa do país.
Seis países disputam com Pequim territórios no Mar do Sul e do Leste
da China, entre eles Japão, Vietnã e Filipinas. A área é externamente
relevante em termos geopolíticos: passam pela região US$5.3 trilhões do comércio
do global (cerca de 23% apenas dos EUA). A área ainda possui estimados
11 bilhões de barris de petróleo e 190 trilhões de metros cúbicos de
gas. Neste sentido, a China tem expandido sua presença construindo ilhas artificiais e bases
de navios para aumentar o território sob seu comando na região,
ampliando suas chances de controlar as águas do Mar do Sul e Leste e
suas reservas de gás e petróleo.
Entretanto, a China enfrenta a resistência de outros países da
região, que passaram a aumentar exponencialmente seus investimentos
militares. Em 2014, por exemplo, os gastos na Ásia e na Oceania aumentaram em 5%
em 2014 e 62% na comparação com 2005, atingindo US$439 bilhões em
níveis atuais do dólar. O Vietnã aumentou seus gastos em 9,6% em 2014,
atingindo U$4,3 bilhões – uma alta de 128% desde 2005.
No Mar do Leste, Japão e China brigam pelo controle das ilhas Senkaku/Diaoyu. Em 2012,
o Japão comprou três das ilhas de seus donos privados, mas a China
expressa constantemente a intenção de deter o controle administrativo do
território. O país até estabeleceu uma “zona de identificação de defesa
área” na região. Circulam na área navios chineses e japoneses, o que
aumenta as chances de um erro de cálculo/julgamento criar um potencial
conflito armado. Neste caso, até mesmo os EUA poderiam ser arrastados
para um conflito com a China, uma vez que o Tratado de Segurança
EUA-Japão prevê que o país defenda o Japão em caso de ataque ao território japonês.
Em 2010, os EUA iniciaram o “pivot” para a Ásia.
Uma mudança de estratégia na política externa dos EUA para fortalecer
os laços de defesa com países asiáticos e expandir a presença naval
norte-americana na área, conforme o crescimento chinês ameaça
desestabilizar parte deste continente A administração de Barack Obama
também quer estabelecer extensivas relações diplomáticas, econômicas e de desenvolvimento na região com maior potencial financeiro das próximas décadas.
O investimento militar chinês não é um esforço recente. Os gastos do país com defesa têm se
mantido em sintonia com o ritmo do crescimento econômico da China,
representando entre 2% e 2,2% do PIB na última década. O país também tem
se consolidado como um dos maiores exportadores de armas militares
do mundo, o que resulta em investimentos em tecnologia. No período de
2010-2014, a China superou a Alemanha e se tornou o terceiro maior exportador mundial de armas, segundo o SIPRI.
Índia e Rússia
A Índia se tornou entre 2010 e 2014 o maior importador
de armas de grande porte, representando 15% do total global. O país
aumentou em 140% a compra de armas de outros países na comparação
entre 2005 e 2009, devido à falha em desenvolver armas eficientes. Isso
explica parte do aumentos dos gastos em defesa do país, que também sofre
influência das tensões com o Paquistão, o quinto maior importador de armas entre 2010 e 2014.
Em 2014, a Rússia
aumentou seus gastos em defesa em 8,1%. Mesmo precisando cortar o
orçamento militar para 2015 em 5% devido à queda do preço do petróleo,
em termos reais o país vai gastar neste ano cerca de 15% mais que em
2014. A Rússia possui uma indústria militar consolidada, sendo o segundo maior exportador de armas do mundo. O país anunciou que está desenvolvendo novas armas nucleares,
além de gastar bilhões de dólares para modernizar suas antigas ogivas.
Essas medidas ocorrem em um momento no qual o país está
diretamente envolvimento no conflito na Ucrânia, tendo anexado a região da Crimeia em março 2014. Isso provocou o aumento das tensões com o Ocidente (em grande parte a União Europeia e os EUA), que impôs sanções a Moscou devido ao seu papel “desestabilizador” no país vizinho.
O Brasil, por outro lado, registrou uma queda de 1,7% nos gastos em
defesa em 2014, em meio à desacelaração da economia. Ainda assim, o país
tem um orçamento 41% superior
ao de 2005, tendo aumentado o mesmo continuamente desde a metade da
década de 1990. Esses gastos fazem parte do esforço de modernização
militar brasileiro que inclui a compra de 36 caças da Suécia por US$5,8 bilhões em 2013.
O Brasil também está localizado em uma região estável do mundo. Um
dos últimos conflitos de grande escala na América do Sul foi a Guerra do Chaco
entre Bolívia e Paraguai nos anos 1930. Apesar da guerra civil na
Colômbia, conflitos amplos entre países da região são raros. Além
disso, dos US$67,3 bilhões
gastos em defesa no continente em 2014, 47% são apenas do Brasil. O
País é disparado o que mais investe em defesa no continente.
Outro fator que explica a queda nos investimentos em defesa do Brasil
entre 2013 e 2014 é a valorização do dólar em relação ao Real no
período. Em Real, o Brasil tem aumentado
os gastos com defesa desde 1994. No patamar atual do dólar, o orçamento
de 2013 alcançou US$32,9 milhões caindo para US$31,7 milhões em
2014. Isso não significa, porém, que o País diminuiu em termos reais os
investimentos em defesa. Mas indica que não equilibrou a perda de seu
poder de compra provocado pela valorização do dólar. No início de 2014, o
governo também anunciou o bloqueio de R$ 3,5 bilhões em recursos ao orçamento do Ministério da Defesa para aquele ano.
Por fim, ainda que o Brasil tivesse registrado uma queda relevante
nos investimentos militares em comparação com os demais BRICs, os riscos
para a segurança do País em relação a inimigos externos tenderiam a ser
limitados. As características geopolíticas da América do Sul mantêm o
Brasil sob pressões menos intensas em termos de segurança nacional do
que China, Rússia e Índia. Ao contrário dos outros BRICs, o Brasil não
possuí disputas territoriais com seus vizinhos ou tensões militares em
sua região de influência, focando esforços, por exemplo, na proteção de
fronteiras. Com isso, o País parece bem posicionado regionalmente,
respondendo pela maior parte do orçamento militar sul-americano.
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