terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Papa Francisco pode mediar conflito entre Bolívia e Chile

Silenciosamente, o Papa Francisco vai aumentando sua influência política no continente. Terminou sendo o herói inesperado da inesperada notícia bomba do fim de 2014. As reatadas relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos não foram obra exclusiva do argentino, mas sua mediação teve influência, talvez decisiva, para se buscar uma posição em comum entre duas partes que não se deram as caras em mais de 50 anos.
Francisco já mostrou, não somente nesse episódio, que pretende ser um papa político, e é compreensível o seu especial interesse na região, sendo ele mesmo latino. E parece que seu próximo desafio já está escolhido, e novamente será um conflito grande.
Evo Morales entrega o Livro Azul a Francisco, durante encontro dos dois em Roma. (Foto: Ministério de Comunicação da Bolívia)
Evo Morales entrega o Livro Azul ao Papa Francisco, durante encontro entre os dois em Roma. (Foto: Ministério de Comunicação da Bolívia)
O Ministério de Comunicação da Bolívia divulgou foto, neste domingo (4/1), que mostra o presidente boliviano entregando ao Papa o chamado “Livro Azul”, ou “Livro do Mar”, um dossiê que reúne todos os antecedentes históricos relativos ao conflito em que o país enfrenta o Chile, tentando recuperar uma saída marítima perdida depois da Guerra do Pacífico (1879-1883). A nota que acompanha a foto diz que Evo entregou o livro ao Papa no encontro entre os dois, em outubro de 2014, durante a participação dos dois no Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Roma, e que o pedido pelo livro teria partido do próprio pontífice, que queria saber detalhes sobre o conflito entre os países.
A região onde se encontra a tríplice fronteira entre Chile, Bolívia e Peru é, sem dúvida, a mais conturbada da América do Sul atualmente, não somente pela disputa que a Bolívia iniciou contra os chilenos em 2013, na Corte Internacional de Justiça, em Haia, mas também pelas brigas entre Chile e Peru, que também tiveram um episódio em Haia, decidido em janeiro de 2014, com sentença favorável aos peruanos.
No caso da demanda vigente, a Bolívia pede ao tribunal exigir que o Chile negocie a saída ao mar, segundo compromissos que o país teria assinado em diferentes momentos do século passado. O Chile, por sua parte, nega que os acordos utilizados pela tese boliviana sejam compromissos assumidos formalmente.
O comunicado boliviano traz declarações do presidente Evo Morales, nas que evitou comentar o interesse do Papa em mediar o conflito. “Ele nos pediu uma cópia do livro e eu levei ao nosso encontro em Roma. Desconheço suas razões, mas acho importante que uma figura como ele se interesse pelos temas latinos e em querer saber todos os elementos envolvidos”, disse o governante do altiplano.
Em dezembro passado, Morales já havia comentado seu encontro com Francisco, assegurando que o pontífice visitará a Bolívia em 2015. A informação foi repetida, na mesma ocasião, pelo arcebispo de La Paz, Edmundo Abastoflor, que afirmou que a ida do Papa deve acontecer no segundo semestre, entre setembro e dezembro, e que o próprio visitante teria insistido em que o ato principal fosse na capital do país, apesar de o presidente ter sugerido que fosse em Santa Cruz de la Sierra, onde o religioso argentino não sofreria tanto os efeitos da altitude – a cidade de La Paz está a 3600 metros acima do nível do mar. O Vaticano não confirmou essa informação, mas disse que Francisco deve fazer três viagens à América Latina este ano, e assegurou que sua Argentina natal não será um dos destinos.
Por sua parte, o Chile reagiu às declarações de Morales de forma categórica, através do chanceler Heraldo Muñoz: “não aceitamos mediações externas no passado, e não aceitaremos no futuro, pois é um tema bilateral que só interessam ao Chile e à Bolívia. Não consideraremos nem aceitaremos a hipótese de ceder território sob pressão ou mediação de qualquer espécie. Isso está meridianamente claro para nós, ainda mais sendo um caso que está sendo avaliado por um tribunal internacional”.
Sobre a possível visita de Francisco à Bolívia, o governo não emitiu opinião. Prudência necessária, já que as opiniões chilenas com respeito a Francisco, e uma possível mediação sua no conflito, talvez já não sejam tão taxativas no final de janeiro, depois que a presidenta Michelle Bachelet fizer sua visita ao Vaticano – evento com o qual pretende evitar, respeitosamente, sua presença na cerimônia de início do novo mandato de Morales, na mesma última semana do mês.
Chile e Bolívia podem ser dois dos destinos de Francisco neste 2015, caso ele tente, por essas bandas, ensinar quantos precisam não querer para que dois não briguem. (Foto: AFP)
Chile e Bolívia podem ser dois dos destinos de Francisco neste 2015, caso ele invista na ideia de, por essas bandas, ensinar quantos precisam não querer para que dois não briguem. (Foto: AFP)
Assim como seria natural que o Vaticano não queira confirmar a visita à Bolívia antes do encontro do Papa com mandatária chilena, na qual poderia conversar também sobre uma visita ao país transandino. Claro que a própria mediação de Francisco no caso ainda está no campo das especulações, ou talvez ele já esteja agindo, dentro de seu estilo silencioso. Em novembro passado, quando recebeu uma delegação chilena no Vaticano, ele aproveitou de lembrar os 30 anos do tratado de paz que colocou fim a uma quase guerra entre Chile e Argentina pela soberania no Canal de Beagle e disse que “naquele momento o que salvou o continente de uma guerra foi o diálogo, e seria bom se todos os conflitos na América Latina e no mundo pudessem se resolver com vontade de diálogo, e não com a crueldade da guerra ou a escuridão da discórdia”. Em todo caso, o pontífice bem sabe que visitar um país e não o outro seria um erro, caso ele pretende mesmo buscar algum entendimento entre as partes.
A demanda marítima tem abalado ainda mais uma relação que há décadas já vem sendo muito ruim entre Bolívia e Chile. Tanto que já seria uma vitória se Francisco conseguisse reunir Morales e Bachelet no mesmo encontro, e maior ainda se fizesse os países recuperarem as relações diplomáticas, cortadas desde 1962 – com um pequeno lapso de entendimento entre 1975 e 1978, quando se viviam as ditaduras de Hugo Banzer e Augusto Pinochet, e se projetou tanto a reinstalação das embaixadas nas respectivas capitais, o que terminou não se concretizando.
As preces já estão sendo feitas em ambos os lados da cordilheira.

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