terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Câmbio

O real na gangorra


A moeda desvalorizada favorece a indústria, mas há incerteza sobre o futuro
por Samantha Maia publicado 02/01/2015 09:42

Topical Press Agency/Getty Images
Câmbio
O real desvalorizado pode diminuir os investimentos
Depois de quatro anos estagnado, o faturamento de uma fábrica brasileira de isoladores para energia deve voltar a crescer neste ano,puxado pelas receitas da exportação. A razão determinante para a mudança é a apreciação do dólar. Mesmo sem aumento dos volumes exportados, a empresa registrará um ganho em reais. A empresa pediu para não ser identificada, pois o setor conta com poucos concorrentes.
Quando a moeda americana estava na faixa de 1,70 real, período que durou de meados de 2009 até o fim de 2011, foi o caos para a companhia, segundo um diretor. A partir de 2011, a moeda brasileira, de maneira vagarosa, mas persistente, atingiu um patamar de maior desvalorização e garantiu um alívio para a indústria. Na última semana, o dólar chegou a 2,60 reais, valor considerado adequado para 100% dos industriais, segundo o presidente da Associação das Empresas Exportadoras, José Augusto de Castro.
Para a fabricante de isoladores, o câmbio nesse patamar começa a compensar as perdas registradas nos últimos anos, além de inibir a entrada de importados, um movimento sentido de maneira mais forte nos últimos quatro meses. Diante da variação da moeda estrangeira nos últimos anos, a empresa preferiu manter  seus preços em dólar para não perder clientes estratégicos, e segurou o prejuízo da redução da receita em real à espera de uma recuperação da moeda estrangeira. O momento chegou e a expectativa agora é de o dólar não cair abaixo dos 2,40 reais. A essa taxa de câmbio, seria possível recuperar as vendas no mercado interno a partir de 2015. Seus maiores concorrentes, os asiáticos, conseguiram nos últimos anos “roubar” clientes brasileiros e estes ainda contam com estoques de importados.
“A desvalorização do real traz um alívio imediato para alguns exportadores, mas não significa que resultará em aumento dos investimentos”, diz David Kupfer, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, o problema mais grave é a lacuna de investimentos durante o período longo de real valorizado. A decisão de investir dependeria mais da expectativa quanto ao nível futuro da taxa de câmbio do que do seu nível corrente. “A volatilidade do câmbio gera uma preferência dos investidores por esperar, o que é extremamente negativo.” O economista afirma, porém, existir uma tendência firme, embora lenta, de desvalorização do real desde 2011.
O setor automotivo está em uma fase de investimentos estimulados pelo programa Inovar Auto, de condicionamento de desonerações a metas de nacionalização da produção. No médio prazo, se o dólar se fixar num patamar mais alto, as empresas com maior conteúdo nacional serão beneficiadas, principalmente as exportadoras. De imediato, o impacto é o aumento do custo dos componentes importados para as encomendas  com prazo de entrega entre oito meses e um ano. “Você não impulsiona exportação com o câmbio volátil. É importante ter um rumo, saber em que patamar ficará a taxa”, diz Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. A situação pune ainda mais as empresas em um ano que terminará com queda na produção e nas vendas de veículos.
Para investimentos iniciados, há algum espaço para a antecipação da meta de nacionalização de componentes, de modo a fugir da alta do custo de importação. É o caso da Nissan, que inaugurou uma fábrica em Resende, no Rio de Janeiro, em abril deste ano, onde são produzidos automóveis com índice de nacionalização de 66%. Executivos da empresa declararam que a meta para elevar o porcentual para 80% deve ser antecipada de 2016 para 2015, por conta da escalada do dólar. Há planos para aumentar as compras de aço, peças de plástico e alumínio produzidos no Brasil.
Esses movimentos são, no entanto, pontuais. A generalização dos efeitos da atual desvalorização cambial no comércio exterior deve levar mais tempo. Kupfer compara o período atual com aquele da desvalorização cambial de 1999, quando o real caiu 30% diante do dólar a partir da adoção do câmbio flutuante. Demorou quatro anos para a balança comercial se recuperar. Em 2003, o saldo das exportações aumentou 21,1% em relação ao ano anterior.
Este ano deve se encerrar com déficit na balança comercial brasileira. Até o momento, o resultado negativo atinge 3,4 bilhões de dólares. A projeção da AEB é de um déficit de 4 bilhões. No começo de 2014, a associação esperava um superávit de 7,2 bilhões. Outras causas afetaram os resultados do comércio exterior, entre elas a queda dos preços do minério de ferro e da soja. Mesmo no período mais recente, de elevações mais significativas do dólar, as exportações caíram. Nas duas primeiras semanas de novembro, a média diária recuou 24,3% comparada àquela do mesmo período no ano passado, com uma redução maior nos manufaturados.
Para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a taxa de câmbio ideal situa-se acima dos 2,70 reais por dólar. “A desvalorização do real é uma das saídas para a volta dos investimentos e a retomada das exportações”, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Fiesp. Segundo Kupfer, o fato de a valorização cambial ainda ser uma estratégia importante na política anti-inflacionária, adotada desde o Plano Real, faz com que o impacto sobre as decisões de investimento seja limitado.
“Quando o industrial vê a inflação avançar, ele espera uma apreciação cambial, e isso faz com que projetos atrativos a um câmbio depreciado sejam abandonados.” É a prova, afirma Kupffer, de esgotamento da política de juros altos e câmbio valorizado. “O grau de utilização da capacidade produtiva da indústria, de 81%, não está baixo e mostra que as fábricas não estão paradas, mas mesmo assim não há investimento.”
Castro, da AEB, confirma o receio dos exportadores de o câmbio não se manter a 2,60 reais por conta da preocupação do governo com a inflação. “Não dá para estimar qual será o impacto por não sabermos quanto tempo essa valorização do dólar vai durar.” Segundo ele, a dependência do câmbio denuncia a baixa competitividade dos nossos produtos e por isso seria preciso atacar em outras frentes, incluída a da reforma tributária.
No setor de eletroeletrônicos, parte da cadeia produtiva no Brasil não suportou o período de real valorizado e deixou de existir por causa da concorrência com importados. Nesse segmento, além da estabilização do câmbio em um patamar mais competitivo, serão necessários incentivos para viabilizar investimentos elevados na instalação de fábricas, explica Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. A entidade defende um dólar ainda mais valorizado, entre 2,90 e 3 reais.
Desde 2010, o déficit da balança comercial do setor só aumenta, e a previsão é de que neste ano a diferença chegue a 35 bilhões de dólares. As exportações representam hoje 10% do faturamento do setor, ante 19% em 2006. As importações, por sua vez, saltaram de uma participação de 16% naquele ano para 23% em 2013.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria, o coeficiente de penetração das importações, índice que mede a participação dos produtos importados no consumo nacional, bateu recorde no terceiro trimestre, com 21,9%. O porcentual cresce continuamente desde o primeiro trimestre de 2010, quando foi de 15,9%.
*Reportagem publicada originalmente na edição 827 de CartaCapital, com o título "A moeda na gangorra"

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