terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O calor e a seca que continuará: que fazer?

"Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia são "ridículos'", escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo sítio Comissão Pastoral da Terra, 23-01-2015.
Eis o artigo.
Acendem-se muitos sinais de alerta diante de notícias como a de que 2014 foi o ano mais quente desde quando se registram temperaturas no planeta (1880), diz a National Oceanic and Atmospheric Administration, a agência meteorológica dos Estados Unidos. Os dez anos mais quentes aconteceram após 2000, com uma única exceção: 2015 tende a ser ainda mais quente, pois neste ano teremos o fenômeno El Niño, que aquece as águas do Pacífico e influi na atmosfera continental - o que não se verificou em 2014.
O aumento das emissões de poluentes para a atmosfera foi muito forte e ao lado da formação de "ilhas de calor" em áreas urbanas muito adensadas já é causa bem estudada de eventos problemáticos, dizem os cientistas do Instituto Climatempo. Assim como o aumento do desmatamento no País, principalmente na Amazônia, e a ocupação de novas áreas pela pecuária e pela agricultura. E tudo isso nos coloca entre os países que mais contribuem para mudanças no clima.
Outro estudo, de 18 cientistas respeitados (ScienceXpress, 15/1), adverte que mudanças no clima e perdas na biodiversidade podem "levar o planeta Terra a um novo estágio, se a ultrapassagem de limites continuar ocorrendo", afetando mesmo a camada de ozônio e intensificando a acidificação dos oceanos. Na verdade, dizem eles, deveríamos até, ao calcular a evolução do produto econômico no mundo, incorporar o que acontece em terra, na água, no ar.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) dá-lhes razão, ao lembrar que, como a população terrestre vai chegar a 9 bilhões até 2050, nas próximas décadas precisaremos aumentar a produção de alimentos em 60% (para atender inclusive aos 40% da população que vive abaixo do nível de pobreza fixado pelaONU), aumentar a produção de energia em 50% e a utilização de recursos hídricos em 40%. E tudo sem aumentar a degradação - o que exigirá modos de viver adequados às possibilidades do planeta.
Deveríamos também, todos, ler o relatório O Futuro Climático da Amazônia, do professor Antônio Donato Nobre, pesquisador no Inpe, MCT e Inpa, produzido para a Articulação Regional Amazônica. Ele chama a atenção para os efeitos devastadores do desmatamento na Amazônia e sua influência muito forte em todo o País, inclusive para quem vive nas áreas urbanas. E destaca alguns ângulos da questão:
1) A capacidade da Floresta Amazônica de contribuir decisivamente para manter a umidade do ar naquele bioma e em outras partes distantes; as árvores extraem água pelas raízes, levam-na para as folhas, que jogam o líquido, evaporado, para a atmosfera; isso leva a que uma árvore de grande porte contribua a cada dia com o equivalente a mil litros de água - o que se traduz em quase 20 bilhões de toneladas de ar diárias evaporadas pela floresta, mais que o aporte diário de água para o Rio Amazonas; e que equivale, em energia solar, a mais do que toda a energia gerada por uma usina como Itaipu.
2) Esse processo leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido que está sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas "em quaisquer circunstâncias".
3) No processo a Amazônia também exporta "rios aéreos de vapor", que transformam a água transportada em "chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico"; o processo florestal também distribui e dissipa a energia transportada nos ventos que chegam e impede a formação de "eventos climáticos extremos", como furacões e similares.
Mas todo esse processo está em risco. Até 2013 o desmatamento na Amazônia chegou a quase 763 mil km2. Se forem somadas as áreas onde ocorreu a "degradação florestal", serão mais 1,2 milhão de km2 - chegando o total final a quase 2 milhões de km2.
A tudo isso ainda se podem somar as perdas no Cerrado (mais de 50% da área já desmatada), na Mata Atlântica e em outros biomas. A impermeabilização do solo do Cerrado com o desmatamento impede que a água se infiltre - e se reduz a capacidade de geração de fluxos para as três grandes bacias brasileiras.
Cinco passos essenciais são apontados por Antônio Nobre e outros cientistas:
1) Ter uma estratégia de "guerra à ignorância" quanto às questões das chuvas e da Amazônia;
2) conseguir, com políticas competentes e obrigatórias, chegar ao desmatamento zero na Amazônia;
3) abolição do uso do fogo;
4) estratégias de recomposição de espaços das florestas;
5) conscientizar as "elites" de seu papel decisivo no processo.
Se o Brasil tivesse cumprido o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, aprovado em 2009, dizem os estudos, estaríamos chegando já em 2015 ao desejado desmatamento zero. Mas, como diz o dirigente do Instituto SocioAmbiental, Beto Ricardo, todos os projetos multilaterais para a Amazônia são "ridículos".
Então, será decisivo impedir que o desmatamento propicie a expansão de pastagens (com o aumento das emissões de metano), é preciso mudar os caminhos da pecuária. Repensar nossos formatos de mobilidade urbana, para reduzir as emissões de poluentes por veículos. Tratar com competência a área de energia e não utilizar fontes térmicas, altamente poluentes, como o carvão. Sempre lembrando o que é conclusão quase unânime na Convenção do Clima: teremos de reduzir em 80% o uso dos chamados "combustíveis fósseis".
Nas cidades, onde as "ilhas de calor" causadas pelo adensamento atraem chuvas problemáticas, vale a pena enfatizar o recente "apelo à população" feito pelo diretor executivo da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew: "A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedentes (...). A Cantareira pode secar em 60 dias (...). Estamos acomodados e tranquilos num Titanic, sem nos dar conta do iceberg que está se aproximando".
É tempo de juízo.

Crise se agrava e os três principais Estados do país cogitam racionar água

Depois de São Paulo, agora é a vez das autoridades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro admitirem oficialmente que já há planos de racionamento de água nos dois Estados. Com o agravamento da crise hídrica na região Sudeste, o coração econômico do país, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, afirmou que o Brasil também enfrentará “problemas graves” no fornecimento de energia, inclusive um possível racionamento, se os reservatórios das principais hidrelétricas do país ultrapassarem o limite mínimo “prudencial” de 10% de armazenamento de água.Braga participa de uma reunião com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, na tarde desta sexta-feira, para discutir a crise no setor.
A reportagem é de Heloísa Mendonça, publicada pelo jornal El País, 23-01-2015.
Em Minas Gerais, a presidenta da Copasa (Companhia de Saneamento de MG), Sinara Meireles Chenna, disse que a situação dos reservatórios no Estado está “crítica”. Ela alertou, durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira, que Minas pode ficar sem água dentro de quatro meses caso não chova ou a população não diminua o consumo em até 30%. “Se todo mundo continuar gastando o que estamos gastando, em quatro meses já não teremos mais nada. É preciso racionar água”, afirmou.
Nesta sexta-feira, a Copasa irá encaminhar ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) uma declaração da situação de escassez, que, caso seja aprovada, permitirá a empresa adotar mecanismos como racionamento de abastecimento e multas ou sobretaxas para os consumidores que abusarem da utilização da água.
No Rio, o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, afirmou que o Estado enfrenta a pior crise hídrica da região dos últimos 84 anos. Em entrevista à TV Globo nesta sexta-feira, Corrêa disse que a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) já tem um plano de racionamento de água, caso seja necessário. O nível do reservatório doParaibuna, o maior dos que abastecem o Rio de Janeiro, atingiu o volume zero pela primeira vez, desde a época que começou a ser feito. Segundo técnicos da secretaria, o volume morto pode durar, pelo menos, mais seis meses.
Após as declarações do secretário, o governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, enfatizou que o Rio não deve enfrentar racionamento. De acordo com o jornal O Globo, Pezão afirmou que o Estado poderá suportar além do período da seca, mas reiterou que a população precisa contribuir com a economia de água. Ainda de acordo com a publicação, Pezão disse também que a tarifa de água não vai aumentar, uma vez que a Cedae já sinalizou que não há necessidade.
Racionamento de energia
Preocupado com a seca que assola a região Sudeste, o ministro Eduardo Braga admitiu que um racionamento de energia elétrica será decretado caso o nível dos reservatórios chegue ao limite chamado de "prudencial", estabelecido em 10%. Ele destacou, no entanto, que o Brasil está longe deste cenário.
"Mantido o nível que nós temos hoje dos reservatórios, nós temos energia para abastecer o Brasil. É óbvio que, se tivermos mais falta de água, se passarmos do limite prudencial de 10% nos nossos reservatórios, aí estamos diante de um cenário que nunca foi previsto em nenhuma modelagem”, afirmou.
Segundo os dados mais recentes publicados pelo site Operador Nacional do Sistema (ONS), os reservatórios no Sudeste/Centro-Oeste, os mais importantes para geração hídrica no país, estão em 17,43%.
Nenhum reservatório de hidrelétrica pode funcionar com menos de 10% de água. Ele tem problemas técnicos que impedem que as turbinas funcionem. Portanto não é no Sudeste. É em qualquer lugar", destacou.
Braga se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, nesta quinta-feira para tratar o assunto. "Estamos também muito preocupados com a situação hidrológica. Inclusive amanhã [nesta sexta-feira] teremos uma reunião na casa Civil com a ANA (Agência Nacional de Águas), o Ministério do Meio Ambiente, de Ciência e Tecnologia e outros, porque o nível hidrológico chegou a níveis mínimos em várias regiões", explicou.
Os reservatórios no Nordeste estão com 17,18% e os do Norte com 35,2%. Apenas a região Sul apresenta indicadores melhores, com 67,17%, de acordo com a ONS.

Nenhum comentário:

Postar um comentário