
Um processo muito rico e mobilizador, essa é a principal
impressão dos participantes e organizadores das Caravanas Agroecológicas e
Culturais que ocorreram em todo o país nos últimos meses. Planejadas pela
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com várias organizações
locais, fazem parte do processo preparatório rumo ao III Encontro Nacional de
Agroecologia (ENA), que será realizado de 16 e 19 de maio, em Juazeiro (BA).
Cerca de 2.500 pessoas estavam envolvidas nas atividades.

Ao todo foram realizadas oito caravanas, compondo um cenário
diversificado do campo agroecológico. Cada região foi representada pelas suas
características, principalmente as comidas típicas e manifestações culturais.
Divididas por rotas, as visitas às experiências promoveram uma troca de saberes
intensa entre os agricultores, técnicos, estudantes, gestores públicos, dentre
outros setores da sociedade. Evidenciar as virtudes e dificuldades enfrentadas
pelas iniciativas agroecológicas em curso país aforafoi um dos objetivos.
Segundo Denis Monteiro, secretário executivo da ANA, as caravanas foram
importantes para mostrar a diversidade de experiências agroecológicas realizadas
nos territórios e fortalecer os processos de mobilização social nesses locais. A
partir dessas realizações, disse Monteiro, diferentes organizações que atuam nos
territórios se encontraram e unificaram suas lutas políticas de forma mais
consistente.

“Foram experiências variadas, um momento para visibilizar
essa diversidade e evidenciar queas experiências agroecológicas têm uma
contribuição muito importante no desenvolvimento desses territórios. Também
foram importantes para evidenciar que tem projetos antagônicos em disputa nesses
locais, como o caso da Chapada do Apodi,que é emblemático. Demonstraram que a
melhor opção é o fortalecimento das experiências agroecológicas e não a
implementação de grandes projetos com uso intensivo de agroquímicos, ou com a
implementação de mineração em grandes áreas impactando esses territórios”,
disse.
A Articulação tem um trabalho extenso de mapeamento e sistematização de
experiências, com uma série de ferramentas, como produção de vídeos, publicações
esistema de informação em rede. A proposta da caravana é uma inovação
metodológica na ANA, uma forma de mobilizar os atores locais para que eles
possam estudar e compreender melhor seu território. Pensar o fortalecimento da
agroeocologia, a ampliação da escala das suas experiências, é uma das metas. A
expectativa é que outras regiões, estados, organizações e movimentos, em
parceria com as universidades e trabalhadores urbanos, realizem outras
caravanas.

O acúmulo desse processo está sendo sistematizado em
boletins, fotografias, vídeos e outras ferramentas, para dar continuidade e
visibilidade ao III ENA, onde todo esse material será apresentado e debatido.As
atividades possibilitaram transitar por realidades distintas, como a vida na
beira dos rios na Amazônia, os mercados orgânicos na região sul, as lutas pela
terra no Tocantins, as violações e desafios impostos pelos grandes projetos no
Rio Grande do Norte, dentre outras. Algumasdenúncias apareceram em várias
caravanas, como a questão dos agrotóxicos, tão combatida pelos agricultores
familiares envolvidos com associações, cooperativas e entidades agroecológicas,
assim como o desenvolvimento dos transgênicos.

Segundo Sara Pimenta, da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag) e GT Mulheres da ANA, as mulheres tiveram
participação destacada nas caravanas e com grande expectativa se preparam para o
III ENA. A expressão dos seus trabalhos na agricultura familiar, envolvimento e
protagonismo político na agroecologia estavam presentes em todo o processo,
segundo ela.
“Participaram ativamente na organização e das atividades durante as
caravanas. Eram camponesas, assentadas da reforma agrária, indígenas,
quilombolas, agricultoras familiares, jovens, estudantes, e assessoras técnicas
que apresentavam suas experiências, práticas e conhecimentos na defesa da
biodiversidade, do patrimônio genético, na produção de alimentos saudáveis e na
luta por políticas públicas voltadas para a agroecologia. Seu compromisso
manifestado com alegria e entusiasmo, apesar da ação devastadora dos grandes
projetos e do agronegócio, demonstrou sua enorme capacidade de resistência e
luta em defesa da agricultura familiar, camponesa e da agroecologia”, afirmou
Sara.

É na troca de saberes e sabores que o conhecimento se
amplia e aperfeiçoa, de forma interdisciplinar e descentralizada. Essa é a
impressão de vários agricultores que acompanharam as Caravanas. Participante
ativo da caravana da região sul, o agricultor Genildo de Jesus, morador de
Manaus (AM), falou sobre a importância de saber o funcionamento dos solos,
frutos, manejos, climas, plantas, povos, tudo sobre outros biomas. Essa troca de
experiência entre os agricultores, segundo ele, se traduz na prática em seu
território.
“Esses eventos são fundamentais. Você nunca pode dizer que o milho só dá em
São Paulo ou no Rio Grande do Sul, você só sabe experimentando. Quando eu viajo
por aí pego as sementes de outra área para experimentar na minha terra, por isso
já estou produzindo plantas que não são do Amazonas. É preciso plantar na
policultura. Pode observar que na natureza tem plantas de várias espécies
misturadas, então temos que trabalhar dessa mesma forma”, ressaltou.

Segundo a presidenta do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco,também do núcleo
executivo da ANA, que visitou as experiências em Santarém (PA), ficou provada a
capacidade de trabalho e mobilização das organizações. Agora, complementa, é
preciso fazer uma leitura transversal dessas construções sócio políticas.
“As caravanas mostraram a capacidade de trabalho e mobilização das
organizações. É importante perceber os vários sentidos que expressaram: as
formas de resistência e manifestação de conflitos; a construção social da
agroecologia, mostrando as diferentes percepções das populações com suas
identidades próprias e sua história; a abordagem territorial mais presente em
algumas experiências do que em outras. Lembrando a nossa experiência do Encontro
de Diálogos e Convergências, esse exercício se manifestou mais claramente nos
nexos com as questões da saúde e soberania e segurança alimentar e nutricional.
O contexto do Ano Internacional da Agricultura Familiar, em 2014, poderá
representar um importante momento político para a afirmação da proposta
agroecológica”, destacou.

As caravanas permitem de forma coletiva observar e
vivenciar no campo as experiências agroecológicas em suas dimensões econômicas,
sociais, ambientais e culturais, assim como as ameaças que estas experiências
enfrentam para se desenvolver, além de divulgar e mobilizar a sociedade em favor
do tema. Essa é a avaliação de Irene Cardoso, presidente da Associação
Brasileira de Agroecologia (ABA), entidade referência no meio acadêmico em
relação à agroecologia. O agronegócio, a concentração de terra, os mineriodutos,
as barragens e a discriminação, são algumas das ameaças, complementou.

“O interessante é que vemos tudo isto em um curto espaço de
tempo e em um território. Isto nos permite a visão do todo de forma integrada.
Os percursos ainda permitem o encontro, mesmo que de forma rápida, com parcela
da sociedade que embora já tenha ouvido falar e entenda a necessidade nem sempre
tem a oportunidade de conhecer e entrar em contato com quem está construindo o
movimento e prática agroecológica. As caravanas permitem ainda o contato com
pessoas que nunca ouviram falar sobre agroecologia. Procuramos assim, criar na
sociedade brasileira um ambiente político, social e cultural que propicie o seu
florescimento”, afirmou a também professora da Universidade Federal de Viçosa
(UFV).

O III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) será
realizado de 16 e 19 de maio de 2014, em Juazeiro (BA), com o lema “Cuidar da
Terra, Alimentar a Saúde, Cultivar o Futuro”. Cerca de 2 mil pessoas de todo o
país, dentre elas 70% agricultoras e agricultores, mais diversos segmentos da
sociedade, participarão de seminários, debates e atividades culturais. Uma feira
de Saberes e Sabores, com produtos da agricultura familiar e das populações
tradicionais, será instalada no centro da Universidade Federal do Vale São
Francisco (Univasf), local do evento, com produtos agroecológicos de todas as
regiões do país. Também serão organizadas instalações pedagógicas contando as
histórias dos territórios por onde passaram as caravanas agroeocológicas e
culturais. Haverá palestras com intelectuais brasileiros e estrangeiros, e um
grande show na noite de sábado. Ao final do evento será entregue ao governo uma
carta política sobre as discussões nas atividades e demandas do movimento
agroeocológico.
(*) Fotos:
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