segunda-feira, 26 de maio de 2014

Nixon avisou que ia dar um pé na bunda do Chile, e deu!


Diferente de mim, algumas pessoas ainda se escandalizam com a palavra bunda. Lamento aos que não gostaram dela no título, mas não julguem por isso, julguem o Richard Nixon, porque foi exatamente esse o termo usado por ele para exigir que seus assessores preparassem o golpe contra Salvador Allende.
A frase foi dita em julho de 1971, dois anos antes do bombardeio contra o Palácio de La Moneda, quando o então presidente dos Estados Unidos tomou conhecimento da estatização de toda a extração de cobre no Chile, medida símbolo do governo da Unidade Popular, que obrigou as empresas privadas estadunidenses que atuavam no setor a sair do país.
Allende havia prometido em campanha que iria desenvolver a indústria e impulsar políticas sociais no país através da exploração estatal dos abundantes recursos cupríferos do norte chileno. Dias depois de assinado o decreto da estatização, Nixon perguntou a Henry Kissinger, que naquela época era seu assessor mais próximo no Departamento de Estado:
Kissinger aponta ao chefe onde ele tem que apontar o chute. A dupla atacou vários traseiros latino-americanos, não só o chileno.
Kissinger mostra ao chefe onde ele tem que apontar o chute. A dupla atacou vários traseiros latino-americanos, não só o chileno.
- Viu isso aqui?
- É… vi sim – teria respondido Kissinger, fazendo uma pausa enquanto lia um artigo do New York Times a respeito.
- E tem algo preparado para isso? Fala para o (Alexander) Haig, o filho da puta mais durão que você tem, para trabalhar no caso. É hora de dar um pé na bunda do Chile.
O diálogo foi exatamente assim, com esses mesmos termos, ou pelo menos assim ele está descrito em um dos 366 documentos confidenciais que foram desclassificados e colocados à disposição do público pelo Departamento de Estado nesta sexta-feira (23/5).
Os documentos revelam mais detalhes de um enredo já conhecido: como o governo dos Estados Unidos atuou no Chile desde 1969, primeiro tentando evitar a vitória de Salvador Allende nas eleições presidenciais, depois tentando desestabilizar o seu governo, e finalmente planejando o golpe que instalaria no país a ditadura de Augusto Pinochet.
Em outro dos documentos agora revelados, o Departamento de Estado identifica o general Alfredo Canales como o agente que trabalhou como colaborador da CIA para conseguir apoio ao golpe entre o alto mando militar chileno.
Em março de 1972, segundo o relato, Canales afirmava que 80% dos oficiais já haviam sido convencidos, e que faltavam apenas os comandantes mais próximos e mais leais a Allende. Um relatório realizado semanas depois fazia a descrição desses chefes militares, e apontava Pinochet como “o de fidelidade mais quebrantável”.
Um fetiche nixorável
Um fetiche nixorável.
Pinochet era o segundo em comando dentro do Exército chileno. O golpe dentro das Forças Armadas começou a ser engendrado com a perseguição ao seu superior, o comandante-chefe Carlos Prats. Após dois atentados contra Allende (em março e em junho de 1973) e uma série de questionamentos à sua liderança, Prats abandona o cargo duas semanas antes do golpe. Ao assinar a renúncia, recomenda a Allende nomear Pinochet em seu lugar. Prats o considerava um militar profissional e apolítico.
Tanto Allende quanto Prats pagariam com a vida pelo erro de confiar no homem errado. O presidente morreria durante o bombardeio ao palácio presidencial, no dia 11 de setembro de 1973. O general foi assassinado em setembro de 1974, em um atentado a bomba em Buenos Aires realizado por Michael Townley, um agente da CIA.
Lembranças dos tempos em que os Estados Unidos adoravam desestabilizar governos democráticos na América Latina – e quem sou eu para afirmar que eles perderam o gosto pela brincadeira.

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