É óbvio que, se o Alto Comando tivesse dado uma mensagem clara de que não haveria possibilidade de golpe, não teria acontecido a intentona. Se não tivessem enviado centenas de soldados à paisana para “checar” as urnas e depois publicado uma postagem propositadamente dúbia, não teria acontecido a intentona. Se tivessem cuidado de fato do perímetro de segurança dos quarteis e impedido acampamentos onde se planejaram inclusive atentados terroristas, não teria acontecido a intentona. Se tivessem penalizado os membros da ativa que insuflaram o golpe e seus familiares, receptores de benesses com dinheiro público como alimentação e auxílios de vários tipos – a “família militar” – não teria acontecido a intentona.
A coisa fica pior à medida que se revela como o ex-comandante ajudou e protegeu os manifestantes, mesmo depois deles terem invadido os prédios dos três poderes. Segundo o Metrópoles, não apenas o general Júlio Cesar Arruda disse ao ministro da Justiça, Flavio Dino, que ele não permitiria que prisões fossem feitas na frente do Quartel-General do Exército em Brasília. Ele teria também ameaçado o ex-comandante da PM do Distrito Federal: “O senhor sabe que a minha tropa é um pouco maior que a sua, né?”, teria dito.
O ex-comandante queria, ainda, manter a nomeação do tenente-coronel Mauro Cid, braço direito fidelíssimo de Bolsonaro para comandar o 1° Batalhão de Ações de Comandos em Goiânia. Trata-se de uma tropa de elite operacional cujo símbolo é uma caveira atravessada com uma faca e cujo lema é “o máximo de destruição, morte e confusão nas linhas inimigas”. Seus membros são treinados em operações de infiltrações e exfiltrações terrestres, aéreas e aquáticas, exercícios de resgate, captura, interdição e eliminação ou ocupação de alvos estratégicos, em área hostil ou sob controle do inimigo, em tempos de paz, crise ou conflito armado”. O efetivo é mantido sob segredo, mas outro batalhão que compõe o Comando de Operações Especiais, O 1º Batalhão de Forças Especiais (1º B F Esp), tem cerca de 2 mil homens.
O comando desses homens, a algumas centenas de quilômetros de Brasília, ficaria a cargo do tenente-coronel Mauro Cid, apontado como um dos articuladores do Gabinete do Ódio e que manejava dinheiro do cartão corporativo para a família Bolsonaro, segundo investigações do STF.
Enfim, o presidente demitiu o general Júlio César Arruda, que ainda tentou revidar conclamando o Alto Comando para uma reunião “sobre a conjuntura politica”, mais uma demonstração que a hierarquia e disciplina já andam muito longe das Forças Armadas. Não deu em nada dessa vez, mas Bolsonaro tentou e conseguiu, ao longo de toda sua carreira, boicotar a disciplina militar e com ela a própria essência da instituição que finge amar. Se hoje há claramente divisões ferozes dentro do Exército, a culpa é dele.
Erra quem acredita que o pepino que o general Tomás pega agora é de fácil resolução. Basta ver o que já está aparecendo sobre ele – seja nas postagens de internet, seja na imprensa.
Já existem sinais de que o grupo golpista-bolsonarista dentro da caserna está indignado e já trabalha para boicotar o general.
Demorou menos de um dia para a colunista do Uol Thais Oyama publicar que “já circulam dossiês” sobre o general. No mesmo dia, o ex-vice presidente e ex-membro do Alto Comando Hamilton Mourão, prestes a ser empossado senador pelo PL, demonstrou que será outro porta-voz da turma dos golpistas ao dizer que Lula quer “alimentar crise” com o Exército – e não impor disciplina e o cumprimento das ordens do Comandante Supremo – ao demitir Arruda. Mourão nem mencionou o novo comandante.
O Jornal da Cidade online, site notoriamente difusor de desinformação e bolsonarista – que tem ligação, ainda, com o site da viúva de Brilhante Ustra – manchetou que o general Tomás teria sido indicado do Ministro Alexandre de Moraes, “algo incomum”. É papo furado, até porque os ataques anônimos e não anônimos contra o general em novembro devem ter chamado a atenção de qualquer democrata que acompanha a situação perigosa que Bolsonaro impôs ao Alto Comando.
Daqui pra frente, será difícil para um general que pretende despolitizar as Forças Armadas atuar tranquilamente. Haverá outros dossiês, outras notícias plantadas e outras tentativas de golpe. Mas, a julgar pelas fotos do encontro com Lula e pelo discurso do general, que reproduzo parcialmente abaixo, essa é a melhor chance que temos.
Ser militar é isso. É ser profissional. É respeitar a hierarquia e disciplina. É ser coeso. É ser íntegro. É ter espírito de corpo. É defender a pátria. É ser uma instituição de Estado. Apolítica, apartidária. Não interessa quem está no comando: a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito. Isso é ser militar. É não ter corrente.
Isso não significa que o cara não seja um cidadão. Que o cara não possa exercer o seu direito, ter a sua opinião. Ele pode ter, mas ele não pode manifestar. Ele pode ouvir muita coisa, muita gente falando que ele faça isso, faça aquilo, mas ele faz o que é correto. Mesmo que o correto seja impopular. Porque democracia pressupõe liberdade, garantias individuais, políticas públicas e, também, é o regime do povo, alternância do poder. É o voto. |
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