A armadilha estava na GLO O chamado apareceu apenas horas depois dos bolsonaristas invadirem o Palácio do Planalto: “Onde estão os militares? Precisa colocar o Exército contra essas pessoas!” Recebi essa mensagem em um dos grupos de discussão de intelectuais no WhatsApp nos quais participo. Geralmente, fico calada. Dessa vez, intervi:
- Tudo o que não precisamos agora é que os militares sejam chamados para colocar ordem na situação.
Argumentei que quem deveria cuidar disso são as forças de segurança civis. E não disse isso porque achava que os militares iam querer assumir o poder com um golpe de Estado. Mas porque isso serviria para fortalecê-los na sua crença profunda de que são eles os garantidores da democracia no Brasil e da ordem constitucional.
E, assim como fizeram ao longo da última década, daria a eles mais poder de barganha para conquistar cada vez mais “nacos” de poder, agora, do governo que acaba de assumir. O meu livro Dano Colateral explica como os comandantes militares usaram as crescentes operações GLOs – decretos que determinam que militares agirão em determinado local para restabelecer a ordem pública – durante os governos de Lula, Dilma e Temer para conquistar mais poder e, no fim, chegar ao banco da frente da política nacional. De onde eles claramente não querem sair. Na semana passada, o bafo dos generais voltou a mandar suas mensagens “em off” sobre decisões do governo Lula, via imprensa. Por exemplo, disseram ao Estadão que “são contra” a criação de uma moeda única de comercialização com o Mercosul. E o que os militares têm a ver com isso, pergunto ao meu leitor? Nada, a não ser que eles querem seguir ditando os rumos da política.
Esqueça Pazuello na Saúde, militares na Petrobrás, e os 6 mil no governo Bolsonaro. Voltando à normalidade democrática, a fala, por si só, é chocante, pois se trata de avanço em uma área que absolutamente não lhes diz respeito. E só pode ser ouvida e replicada por jornais porque a participação dos generais na política foi absolutamente normalizada nos últimos anos. O que é, por si só, um golpe na institucionalidade democrática.
Pois no último domingo, a ganância dos militares foi refreada, pelo menos temporariamente. Parece que o Ministro da Defesa José Múcio até chegou a sugerir a imposição de uma GLO, mas Lula foi contra. “Se eu tivesse feito GLO eu teria assumido a responsabilidade de abandonar minha responsabilidade. Aí sim estaria acontecendo o golpe que essas pessoas queriam”, disse. “O Lula deixa de ser governo para que algum general assuma o governo. Quem quiser assumir o governo, dispute a eleição e ganhe. É por isso que eu não fiz GLO”.
Como bem demonstrou o professor Francisco Teixeira em um artigo no Estadão, setores militares esperavam a decretação de uma GLO. Afinal, foi com uma GLO que Michel Temer salvaguardou-se do último grande protesto contra o governo em Brasília, quando manifestantes ligados às centrais sindicais tomaram a esplanada para protestar contra a reforma trabalhista em maio de 2017 (vale lembrar que aquele protesto era por direitos sociais, e ninguém estava tentando fazer um golpe de Estado; há uma enorme diferença).
Lula sabe muito bem que as imagens importam, e se ele chamasse uma GLO os militares sairiam, e muito, fortalecidos diante da opinião pública. Isso, depois de terem impedido a PM do Distrito Federal de desmontar o acampamento pelo menos três vezes, a última na semana anterior à invasão; e depois de ter o comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, dito ao ministro da Justiça Flávio Dino que ele não iria prender pessoas no acampamento, segundo o jornal Washington Post. |
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