O novo terrorismo é de direita e acredita em QAnon A primeira vez em que o Brasil prendeu suspeitos de terrorismo foi em 21 de julho de 2016, duas semanas antes do começo dos Jogos Olímpicos. Lembro bem da ocasião porque fizemos uma investigação aprofundada sobre o inquérito, iniciado a partir de ação da Polícia Federal sob Alexandre de Moraes, então Ministro da Justiça do governo de Michel Temer. Dez homens foram presos preventivamente, em regime fechado. Eram seguidores do islã radicalizados, atiçados ainda mais por um infiltrado da PF que agia em grupos de Facebook e Telegram, fomentando ilusões de um ataque terrorista. Mas eles chegaram, no máximo, a sondar como seria tal ato durante os jogos; falaram em “envenenar os reservatórios de água” do Rio de Janeiro. Chocou-me na época não haver um plano concreto que embasasse as prisões e posteriores condenações. Um deles, pelo estigma, foi linchado dentro da penitenciária e morreu aos 36 anos. Mas não me lembro de ter ouvido nenhum protesto sobre a liberdade de expressão daqueles suspeitos, pobres e marginalizados, estar sendo violada.
Pulemos para 2022, quando vemos não apenas figuras públicas falando abertamente sobre realizar ataques violentos e romper a ordem democrática, como o presidente do partido PTB, Roberto Jefferson, atirando granadas e tiros de fuzis contra policiais; e uma deputada federal caçando um opositor de arma em punho em plena região da Paulista. E, depois disso ainda a vemos reunir-se com altos membros da OEA para dizer que está sendo perseguida por ter, como punição, apenas suas redes sociais suspensas. Não houve grandes prisões dos que bloquearam estradas e ainda acampam em frente de quartéis pedindo a quebra da ordem democrática – as decisões vindas do mesmo Alexandre de Moraes têm priorizado suspensão de contas em redes sociais e bloqueios financeiros. Ainda assim, muitos expressam que o Supremo está abusando dos seus poderes. Esqueceram-se como nossa Justiça já tratou “terroristas” no passado.
Não é preciso olhar muito longe para perceber que uma das ameaças à segurança que mais crescem hoje em dia, mundialmente, são os grupos radicalizados à direita, um fenômeno que caminha de mãos dadas com as teorias da conspiração que correm soltas em redes sociais. Na semana passada, a polícia alemã prendeu 25 suspeitos de planejar uma invasão, por um pequeno grupo armado, do parlamento alemão como meio de derrubar o governo. O ministro da Justiça descreveu a ação como uma “operação antiterrorista”, necessária porque muitos dos suspeitos tinham acesso a armas. Qualquer semelhança com a invasão do Capitólio em 6 de janeiro não é mera coincidência. Entre os presos mais ativos havia ex-militares, frequentadores de fóruns de teorias da conspiração como o QAnon, uma policial, e até um príncipe. Segundo os promotores, os membros do grupo acreditavam “em um conglomerado de teorias da conspiração que consistem em narrativas dos chamados Reichburger, bem como da ideologia QAnon”. Explico: Reichburger é um movimento monarquista que defende a volta ao regime dos Kaisers na Alemanha e rejeita o estado moderno implantado em 1918; e o QAnon prega que os Estados Unidos (mas pode ser transplantado para qualquer país) é governado por uma elite secreta, um “Deep State” (Estado Profundo) que de fato controla todos os políticos. Os detidos acreditavam que a Alemanha é controlada pelo “Deep State” e que só a ação militar poderia trazer a verdadeira “libertação”.
O FBI já reconhece a tendência ao extremismo político de ultradireita como uma das maiores ameaças à segurança interna, conforme explicou há algumas semanas o diretor do Bureau ao Congresso americano. Por sua vez, o ministro de segurança interna Alexandro Mayorkas disse em claro e bom som que as plataformas de redes sociais “permitem que indivíduos e nações aticem as chamas do ódio e das frustrações pessoais para grandes audiências” e que “estão incentivando as pessoas a cometer atos violentos".
Passei a última semana em Washington, pela primeira vez desde a invasão do Capitólio, e não pude deixar de perguntar aos jornalistas locais: por que ninguém foi ainda punido por aquilo? As primeiras condenações, tímidas, só agora começam a acontecer. “Não sei”, foi a resposta que eu mais ouvi.
Não conheço profundamente os processos e, correndo o risco de estar generalizando, arrisco dizer que falta pulso mais firme, tanto aqui quanto nos EUA, porque o perfil de quem organiza, planeja e às vezes executa essas ações é diferente daqueles que geralmente encontram o implacável peso da lei: classe média e branca, em vez de pretos e pobres. Mas, ao contrário dos americanos e dos brasileiros, as autoridades alemãs não ficaram apenas monitorando a movimentação lunática; prenderam a geral.
Não sou eu quem vai defender que a prisão pode reestabelecer qualquer ser humano, ainda mais no Brasil, e nem que essa seja a solução para a situação de extremismo político que vivemos, fomentada não só pelas plataformas, mas pelo presidente em exercício, que na última semana saiu do seu silêncio sepulcral para dizer aos apoiadores que “nada está perdido” e “quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês”.
Não se pode esquecer que esse mesmo presidente afirmou inúmeras vezes estar ampliando a posse de armas no país porque “povo armado jamais será escravizado”, o que sempre foi um chamado à violência política. E nem que o filho 03 deste mesmo presidente, Eduardo Bolsonaro, jactou-se nos Estados Unidos, em um congresso para jovens em julho desse ano, que seu pai havia triplicado o número de armas nas mãos de civis e que, hoje, elas superam as armas nas mãos de militares. |
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