A eleição presidencial de 2022 expôs um Brasil profundamente fraturado politicamente. Uma possível razão dessa ruptura política exposta atualmente pode ser compreendida a partir da abordagem de natureza econômica.

Isso porque o primeiro quinto do século 21 marca o aguçamento de dinâmicas extremas e inversas no interior do território nacional. Sob a lente da produção e da população em âmbito municipal, conforme apontado pelas informações oficiais do IBGE, pode-se observar o quanto a submissão à economia financeirizada e assentada no modelo primário-exportador terminou por transformar significativamente o país durante as últimas duas décadas.

Em conformidade com a base de informações referentes ao Produto Interno Bruto (PIB) e ao contingente de residentes em cada uma das 5.570 unidades municipais tornou-se possível construir uma radiografia geral sobre a trajetória cindida do conjunto dos brasileiros a partir do comportamento econômico nacional. Entre os anos de 2002 e 2020, por exemplo, a série de dados estatísticos sistematizados apresentada a seguir permite identificar o destino de uma nação profundamente fraturada entre a prosperidade e a decadência vigente no território a corroer a própria coesão interna.

De um lado, a prosperidade que atingiu a 66,9% dos municípios brasileiros que respondem por 53,2% do total da população no ano de 2020. No período de tempo referente aos anos de 2002 a 2020, o crescimento econômico deste conjunto de municípios de pequenos e medianos em termos populacionais esteve bem acima da variação média anual do PIB nacional (2,3%).

A consequência disso foi o aumento de 40,1% na participação no PIB nacional por parte desse conjunto de municípios prósperos. Em 2020, quase 67% dos municípios brasileiros assumiram a responsabilidade por 49,5% do Produto Interno Bruto do país, enquanto em 2002 era de apenas 35,3%. Do mesmo modo, o peso relativo desse conjunto de municípios afortunados no total da população cresceu 4,5%, passando de 50,9% do total da população, em 2002, para 53,2%, em 2020.

Dentre o conjunto dos 3.724 municípios com maior dinamismo econômico que a média nacional se destaca o subgrupo de cidades que apresentam ritmo chinês de expansão da produção. Entre os anos de 2002 e 2020, por exemplo, 11,1% do total dos municípios brasileiros registraram crescimento médio do PIB acima de 6% ao ano, o que equivaleu a quase três vezes superior ao verificado para o conjunto do Brasil.

Por força disso, o conjunto dos 615 municípios situados no extremo mais dinâmico da prosperidade nacional respondeu por 11% do PIB nacional em 2020, quando há 18 anos participavam com apenas 3,9% do PIB brasileiro. Assim como houve robusto crescimento econômico desse subgrupo de municípios bem-sucedidos na produção, também ocorreu ampliação relativa da população residente que passou de 6% do total nacional, em 2002, para 7,2%, em 2020.

Diante disso, percebe-se como a prosperidade econômica verificada nas últimas duas décadas se mostrou mais presente nas cidades do interior do país, especialmente aquelas com atividades produtivas exportadoras, fortemente associadas à exploração mineral, vegetal e agropecuária. Também tiveram destaque os municípios vinculados ao turismo e à recepção de royalties (privilégios) decorrentes da extração de recursos naturais (petróleo, gás e outros), cujo ritmo de expansão do PIB chegou a atingir até 30% como média anual.

De outro lado, o horizonte da decadência nacional foi aberto a 1.846 municípios que registraram significativas perdas na vitalidade econômica, incapazes de conseguir acompanhar a variação média anual do PIB nacional (2,3%). O resultado disso durante as duas últimas décadas foi a regressão econômica acompanhada pelo relativo esvaziamento populacional.

No ano de 2020, por exemplo, a parcela de 33,1% do total dos municípios brasileiros que acusaram piores desempenhos econômicos respondeu por 50,5% do PIB nacional, quando em 2002 era responsável por 64,7% do PIB brasileiro. Ou seja, em 18 anos, o declínio acumulado pelos municípios de pior desempenho econômico foi de 21,9% em termos de participação relativa no total do PIB nacional.

Para o mesmo período de tempo, a população residente nesse conjunto de cidades de menor dinamismo econômico regrediu 4,7%. Em 2020 respondeu por 46,5% do total da população nacional, enquanto em 2002 era de 49,1%.

Para além desta trajetória declinante, convém ainda ressaltar a situação de 8,4% dos municípios brasileiros que acusaram, em 2020, o valor real do PIB menor que o verificado no ano de 2002. Dos 468 municípios situados no extremo mais grave da situação de decadência nacional, a queda relativa na participação do PIB foi de 38,2%, pois declinou de 19,5%, em 2002, para 12% em 2020.

No mesmo período de tempo, o total de residentes permaneceu estabilizado em relação ao conjunto da população nacional, pois passou de 10,8% do total dos brasileiros em 2002, para 10,5%, em 2020. Em grande medida, os municípios com perda de participação relativa no PIB nacional se encontram nos grandes centros urbanos, especialmente aqueles que outrora correspondiam à afluência produtiva, sobretudo industrial e associada ao desenvolvimento do mercado interno nacional.

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