segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 

A crise humanitária que assola crianças Yanomamis

Retrato do desmonte da saúde indígena: mortes evitáveis (como a malária) entre os menores da etnia é 10 vezes maior que média nacional; por desnutrição, 119 vezes. Investigação revela fraude na compra de remédio para o território

Por Rafael Oliveira, na Pública

Em 16 de setembro, a comunidade de Makabei, na Terra Indígena (TI) Yanomami, chorou a morte de uma criança de apenas 2 anos, que vamos chamar de M. Ela estava com malária, infectada pelo Plasmodium falciparum, o mais agressivo dos protozoários que causam a doença, e desenvolveu malária cerebral, uma complicação grave que, não raramente, leva à morte.

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A morte de M. não é um caso isolado. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019-2021), ao menos 14 crianças menores de 5 anos morreram em decorrência de malária na maior TI do país, localizada entre Amazonas e Roraima. Os dados inéditos foram obtidos pela Agência Pública junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Considerando apenas 2019 e 2020, os últimos anos em que há dados nacionais disponíveis, foram oito mortes por malária na TI Yanomami, o equivalente a dois terços do total de óbitos nessa faixa etária em todo o Brasil, onde 12 crianças faleceram por complicações da doença.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY) e responsável por relatar o caso de M. à Pública, resume o processo de luto que uma morte como essa causa em seu povo. “Choram todos os dias, todas as noites. Toda a comunidade, não só a mãe, a família inteira. Ficam de luto, chorando, de manhã, de tarde, de noite. Ficam chorando durante meses”, explica o líder indígena, que preside também a Urihi Associação Yanomami.

A malária, que matou mais de uma dezena de crianças Yanomami e infectou milhares em três anos, está incluída em uma lista de “óbitos por causas evitáveis”, classificação que abrange doenças tratáveis, como pneumonia, desnutrição, diarreia e verminoses. Se considerarmos todas as mortes por causas evitáveis, o cenário na TI Yanomami se mostra ainda mais aterrador: entre 2019 e 2021, ao menos 429 crianças menores de 5 anos morreram no território indígena por causas que poderiam ter sido evitadas ou tratadas. É uma média de 143 a cada ano, sendo os dados de 2020 e 2021 ainda preliminares.

Para se ter uma dimensão do tamanho da tragédia entre os Yanomami, basta comparar as taxas nacionais com os números encontrados na TI. Entre 2019 e 2020, últimos anos com dados disponíveis em nível nacional, a taxa de óbitos evitáveis de crianças com menos de 5 anos no Brasil foi cerca de 260 a cada 100 mil habitantes, de acordo com informações obtidas no DataSUS. Na TI Yanomami, no mesmo período, a taxa foi de 2.400 mortes a cada 100 mil habitantes. São 9,2 vezes mais crianças que perderam a vida, de acordo com os dados obtidos via LAI pela reportagem.

Bruno Fonseca/Agência Pública

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