Poder
Aécio Neves, o senador evanescente
Desde a votação do impeachment pela Câmara, o tucano esquiva-se dos holofotes, resta saber por quê
por Henrique Beirangê
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publicado
15/06/2016 04h37

Surpreende o caminho pelas sombras, por parte de alguém que gostava tanto de aparecer
O senador Aécio Neves
anda sumido dos microfones, dos vídeos, das páginas impressas. Já foi
herói da propaganda midiática, sempre pronto a ganhar a ribalta. Desde a
votação do impeachment pela Câmara dos Deputados, prefere caminhar nas sombras.
Como explicar comportamento tão comedido?
Cálculo político, para preservar a possibilidade de sua candidatura em
2018? Ou “medo” das consequências de investigações a seu respeito, como suspeito de falcatruas pregressas?
Entre aspas a palavra medo, porque pronunciada por Renan Calheiros
em uma das conversas gravadas por Sérgio Machado, talvez sob orientação
do próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Desde que assumiu a presidência do PSDB,
em maio de 2013, o senador Aécio Neves ganhou simpatia e espaço
permanente na imprensa. Foi nomeado a personalidade capaz de interromper
o ciclo petista no governo federal.
Agraciado como articulista do jornal Folha de S.Paulo,
espaço antigamente reservado a filósofos, escritores, economistas e
expoentes do pensamento nacional, passou a ser citado em reportagens
claramente editorializadas, pelo suposto sucesso do “choque de gestão”.
- A prisão do 'amigo fraterno' complica a vida dos ex-governadores (Foto: Alessandro Carvalho/PSDB/MG)
Alcunha ao plano de déficit público zero
nas administrações em Minas Gerais, quando foi governador, sucedido por
Antonio Anastasia.
Choque mesmo foi o de realidade para os
mineiros. De acordo com um balanço divulgado pela Controladoria-Geral do
Estado, no início de 2015, estimava-se um rombo de 7,2 bilhões de reais
naquele ano, caso não efetuados cortes drásticos no Orçamento.
Ao que parece, as contas do senador não
batiam com o vivenciado pela população de seu estado. Na eleição de
2014, ao enfrentar a presidenta afastada, Dilma Rousseff, Aécio foi
rechaçado nas urnas pelo eleitorado local ao obter 47,6% dos votos
válidos contra 52,4% de sua adversária.
Tornou-se o Torquemada do governo.
Crítico ferrenho da corrupção, fortalecido pela mídia, navegou feliz por
longo tempo. No momento em que as acusações ressurgiram, saiu de dedo
em riste. Ele se disse alvo de perseguição e de conspiração.
A tática parecia ter dado certo. Obteve o
benefício da dúvida, direito solenemente negado aos investigados que
não comungam dos interesses da mídia nativa.
As investigações avançaram, e a
contragosto do senador, no entanto, novos delatores citaram seu nome.
Advogar a tese vitimista, desta vez, não funcionou. Resultado: pesquisas
de opinião que até junho do ano passado o apontavam como detentor de
35% das intenções de voto na próxima eleição presidencial agora
registram escassos 17%. Aécio sentiu o golpe. Sumiu. O antes verborrágico senador, sempre de olhos postos nas câmeras, aparenta ter perdido o entusiasmo.
Antes presença permanente onde a
oportunidade se oferecesse, o senador agora opta por opinar por meio de
notas oficiais, ou fazendo uso da assessoria de imprensa de seu partido.
Um deputado próximo a ele afirma: “Escolheu a coxia, porque tem telhado
de vidro".
Nem assim, consegue o desejado resguardo.
Foi preso esta semana o ex-presidente do PSDB mineiro Nárcio Rodrigues,
aliado de longa data de Aécio e de Anastasia. A investigação do
Ministério Público aponta para o desvio de recursos no projeto chamado
“Cidade das Águas”, na região do Triângulo Mineiro, faraônico
empreendimento da administração tucana para gestão de recursos hídricos,
iniciado em 2010, último ano de mandato de Aécio como governador.
Nárcio e Aécio
são íntimos. Na eleição para presidente do partido em Minas Gerais, em
2009, a candidatura do amigo foi apoiada pelo governador. Em um vídeo de
2010, de contribuição à campanha de Nárcio para deputado federal, Aécio
fala do correligionário com entusiasmo e proximidade. Diz que são
“amigos fraternos” e vê em Nárcio “virtudes que o colocam como um dos
mais completos homens públicos de seu tempo”.
Quais virtudes o senador não deixa claro, mas os vícios,
segundo a investigação, são muitos. O projeto orçado em cerca de 300
milhões de reais teria tido desvios de ao menos 14 milhões. Isso até
onde se sabe. Foi auditado apenas 35% do plano, o restante deve ser
concluído nos próximos meses.
Uma das empresas investigadas é a
construtora CWP, de propriedade, até 2009, de Waldemar Anastasia
Polizzi, primo do ex-governador Anastasia. Os investigadores suspeitam
que a empresa ainda tenha relação com o clã, mas de maneira oculta.
Segundo as apurações, a construtora foi beneficiária de pelo menos 8,6
milhões de reais nos desvios e deixou de recolher 400 mil reais em
tributos.

Os próximos eventos do inquérito, não propiciam motivos de
riso para o PSDB. Os investigadores já sabem que parte da quantia de
dinheiro desviada por Nárcio tinha um destino: os cofres tucanos. A
apuração revela que a quantia teve como finalidade abastecer as
campanhas eleitorais de 2012 e 2014.
Por conta do chamado “mensalão” do PT, e na Operação Lava Jato,
dirigentes foram presos, sentenciados e encarcerados. Com o PSDB, a
situação é diferente. Não havendo nenhum tucano de alta plumagem
encarcerado, talvez não seja à toa que a operação em Minas Gerais tenha
ganhado o nome de aequalis, em latim igualdade.
Igualdade também no modus operandi da corrupção. A força-tarefa desconfia do uso das offshore
para a remessa de dinheiro e o uso de empresas de fachada para o
branqueamento de ativos. Aécio não se manifestou sobre a prisão do
“amigo fraterno”. Tudo indica que os últimos acontecimentos não permitem
a ele andar com a mesma desenvoltura que outrora demonstrava.
Realmente. Reapareceu de óculos escuros,
mas não foi bem recebido. Na última semana, virou alvo de escracho
público quando saía da Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Chamado de
golpista por uma manifestante, o senador não reagiu. Mostrou o dedo
polegar, como sinal de “tudo bem”.
Foi defendido pela esposa enquanto
segurava o filho no colo. “Você não sabe o que está falando”, afirmou
sua mulher, Letícia Weber. A manifestante respondeu: “Eu falo o que sei.
O que tenho certeza. Golpista! Parabéns pelo que vocês estão fazendo
pelo Brasil”.
De todo modo, o que pesa, de fato, contra o senador? A história começou a ser desfiada no início de 2014, quando o doleiro Alberto Youssef
decidiu pronunciar o nome que os investigadores da Lava Jato não
queriam ouvir. Eleitores do senador no último pleito presidencial, a
maioria dos delegados e procuradores de Curitiba sempre deixou claro em
redes sociais sua preferência pelo tucano contra Dilma Rousseff.
Ironia do destino, a força-tarefa acabou
pega de surpresa quando o doleiro contou uma história escabrosa
envolvendo o senador, sua irmã e o falecido deputado José Janene, mentor
do dito petrolão dentro do PP.
Em seu depoimento, Youssef disse ter
ouvido do deputado que o senador dividiria propinas de uma diretoria de
Furnas com o PP, e que a irmã dele faria a arrecadação junto a uma das
empresas envolvidas. “Ele conversando com outro colega de partido, então
naturalmente saía essa questão que na verdade o PP não tinha a
diretoria só, e sim dividia com o PSDB, no caso a cargo do então
deputado Aécio Neves.”
- Gilmar Mendes contra-ataca, mas cede à pressão e dá prosseguimento ao inquérito contra Aécio (Foto: Antonio Cruz/ABr)
A irmã de Aécio,
Andrea Neves, responsável pela comunicação do senador, sumiu após a
eleição de 2014. Voltou a aparecer no início deste ano, quando se viu
envolvida em documentos em poder da Justiça Federal desde 2012. A
papelada revela a existência de contas no paraíso fiscal de
Liechtenstein, que associam a ela, a mãe, Inês Maria, e uma fundação da
qual Aécio é beneficiário.
A família defendeu-se. Alega que foi
aberta uma fundação para destinar recursos para a educação dos netos de
Inês. Não se tem mais notícias da investigação, se é que ainda
prossegue. Um vídeo chegou a circular em Minas Gerais informando que
Andrea se candidataria a prefeita de Belo Horizonte este ano.
Informação negada pelo PSDB. Um balão de
ensaio testando a reação da opinião pública? Não se sabe exatamente.
Sabe-se é que a irmã de Aécio estaria se dedicando mais à literatura. De
que gênero? A saber...
Com relação ao escândalo de Furnas, a história não é nova. Em 2006, CartaCapital divulgou
ampla reportagem mostrando a existência da chamada “Lista de Furnas”,
documento que revelava os nomes de políticos beneficiados com dinheiro
sujo vindo da central hidrelétrica em Minas. Na época, o PSDB esperneou.
Alegou que a lista era uma montagem. A imprensa deu de ombros.
A Polícia Federal e o Ministério Público
não se preocuparam com o assunto. Nenhum político de foro privilegiado
jamais foi investigado. Assim como de costume, quando haveria de mirar
em descendentes diretos da pretensa aristocracia polílita nativa, o
procedimento ganhou os escaninhos do arquivo.
Coincidência ou não, Nárcio, o “amigo
fraterno”, também teve o nome listado como beneficiário de 100 mil reais
em Furnas. O procurador-geral, Rodrigo Janot, também optou por não
desenterrar o caso. Mesmo após o depoimento de Youssef, o chefe do MP,
na ocasião, decidiu pelo não prosseguimento do caso. Aécio não foi
indelicado e agradeceu: “Recebo como uma homenagem o arquivamento”.
Furnas é um daqueles esqueletos
escondidos no armário tucano. Outro delator decidiu jogar luz sobre essa
trama, o lobista Fernando Moura. Íntimo do ex-ministro e este sim
condenado e preso, José Dirceu, do PT, Moura disse ter acompanhado de
perto as indicações para as diretorias de estatais no início do primeiro
mandato de Lula.
- Machado ouviu de Calheiros que Aécio tem medo. Delcídio incrimina o então governador no escândalo do Banco Rural. Andrea no momento dedica-se à literatura (Foto: Gualter Naves/Estadão Conteúdo, Pedro França/Ag. Senado e Renata Mello/Transpetro)
Em depoimento ao juiz Sergio Moro, o lobista foi claro. Contou ter
acompanhado uma reunião na qual foi decidido que Dimas Toledo, diretor
de Furnas, deveria continuar no cargo na qualidade de indicação pessoal
de Aécio ao próprio Lula.
“O Dimas na oportunidade me colocou que
da mesma forma que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual.
Ele falou: ‘Vocês não precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um
terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio’”.
O acusador de
Aécio parece não ter tido a mesma sorte e benefícios de outros depoentes
da Lava Jato. Moro decidiu prendê-lo novamente no último dia 18 de
maio, após entender que o denunciado teria violado o acordo de
colaboração ao mentir durante os depoimentos.
Dessa vez, Janot pediu abertura de
inquérito no STF. Não contava com o contra-ataque do onipresente
ministro Gilmar Mendes. Ele determinou que a Procuradoria-Geral da
República suspendesse as diligências e o depoimento do eminente
parlamentar.
O ministro disse que a decisão era
“normal” e pediu mais esclarecimentos a Janot. A Associação
Latino-Americana de Juízes do Trabalho divulgou nota na qual afirma que
Mendes age “sem receio de revelar a condução político-partidária que
imprime à sua atuação de magistrado”.
Mendes não se conforma e sai em defesa de sua decisão. “É
absolutamente normal. O senador trouxe documentos informando que muitas
das diligências que estavam sendo pedidas já estavam sendo atendidas
naquela petição. Portanto, nós remetemos para que Procuradoria se
pronuncie sobre isso. Enquanto isso, não há necessidade de fazermos as
diligências.” Ao cabo, Mendes cedeu à pressão e determinou o
prosseguimento da investigação na noite de quinta-feira 2.
Normal mesmo não era o comportamento de
Aécio, pelo menos é o que afirma Carlos Alexandre de Souza Rocha,
carregador de malas de Youssef. Rocha diz que um diretor da Construtora
UTC, de sobrenome Miranda, teria lhe confidenciado que o parlamentar era
“o mais chato” com relação à cobrança de propina. A confidência teria
ocorrido no Rio de Janeiro, quando o delator foi entregar 300 mil reais
ao executivo da construtora a pedido de Youssef. O dinheiro teria como
destinatário final Aécio Neves.
O senador cassado Delcídio do Amaral
também apontou a metralhadora contra o senador. Ele diz em sua delação
que Aécio teria atuado em 2005 para esconder informações do Banco Rural
na CPI do chamado "mensalão". Os dados ligariam os tucanos ao esquema
criado por Marcos Valério com o PSDB em Minas Gerais.
O já célebre Sérgio Machado,
ex-presidente da Transpetro, e com ligações “fraternas” no PSDB e no
PMDB, citou o nome de Aécio em gravação com os senadores Renan Calheiros
e Romero Jucá. Pergunta: “Quem não conhece o esquema do Aécio?” Renan,
em outro diálogo, reconhece: “Aécio está com medo”.
O senador já teve a ventura de ser
tratado com o devido desvelo por Judiciário e Ministério Público. Uma
ação por improbidade administrativa foi encaminhada por voluntariosos
promotores, em 2010, por utilização de recursos da saúde na empresa
mineira de abastecimento, Copasa.
Curiosamente, o então procurador-geral,
chefe dos promotores, Carlos Bittencourt entendeu que caberia a ele a
propositura da ação e não aos promotores. Assumiu o caso e informou não
haver “dano ao Erário”. A Justiça mineira decidiu pela extinção do
processo.
O comportamento do senador tem sido de cauteloso endosso
ao governo Temer. Em artigo publicado recentemente, Aécio fala da
necessidade de o País procurar “Novos caminhos”. Ao mesmo tempo, o
ex-assessor e coordenador de comunicação do senador, Laerte Rímoli,
tornou-se presidente da Empresa Brasileira de Comunicação. Mas nosso
herói toma seus cuidados. E se o governo Temer naufragar? Não se
envolver em demasia é o que convém.
*Reportagem publicada originalmente na edição 904 de CartaCapital, com o título "O senador evanescente"
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